Cacto em cápsulas
De origem indiana, o fitoterápico Caralluma faz sucesso ao prometer queimar gordura, acelerar o metabolismo e afinar a cintura. Agora, só falta provar que ele é mesmo capaz disso tudo
Naiara Magalhães
É batata… Batata, não, porque engorda. Tentemos outro clichê: todos os anos a história se repete. Chega a primavera e as mulheres, principalmente, entram em polvorosa. Como o verão está próximo, é preciso entrar em forma para encarar a temporada de corpos à mostra. Começa, então, a corrida atrás de uma fórmula que livre a silhueta dos excessos alimentares cometidos nos meses anteriores. Como se fosse possível emagrecer sem grande esforço, o fitoterápico Caralluma fimbriata foi eleito a tábua de salvação do verão 2010/2011. O Google Insights, uma ferramenta do Google de análise da variação no volume de pesquisas feitas no site sobre determinado tema, mostra que as buscas realizadas com o nome “Caralluma” começaram a ter relevância estatística no fim de junho e atingiram seu pico em outubro. Em relação ao ano passado, as pesquisas que unem os termos “preço” e “caralluma” aumentaram 700%, segundo consulta feita na última quarta-feira. Extraído de um cacto de origem indiana, ele é vendido para reduzir o apetite, acelerar a queima de gordura e – uau! – definir a cintura. Tudo isso sem receita médica. Um frasco com sessenta cápsulas de Caralluma (o suficiente para um mês) custa, em média, 80 reais – na internet e nas farmácias de manipulação.
Seria uma maravilha não fosse o fato de que não há nenhuma (absolutamente nenhuma) comprovação de que o fitoterápico funcione. Muita gente há de discordar. São inúmeros os relatos (sempre entusiasmadíssimos) de pessoas que conseguiram um corpinho de sílfide graças ao cacto indiano. Na internet, proliferam os depoimentos em favor do Caralluma. Uma moça diz que perdeu 2 quilos, em um mês – sem precisar fazer ginástica. Outra conta que não abandonou o chocolate, mas, agora, come só um pouco e não devora a caixa toda, como fazia antes de começar a tomar o cacto. Alguns sites anunciam que, por causa do Caralluma, a cantora baiana Ivete Sangalo conseguiu recuperar a forma depois do nascimento de seu filho Marcelo, em outubro do ano passado. A assessoria dela nega: “Por que Ivete precisaria disso se tem em casa um nutricionista (o marido, Daniel Cady)?”.
Na falta de provas científicas da eficácia do fitoterápico, os especialistas em emagrecimento atribuem os eventuais casos de sucesso ao efeito placebo e aos esforços paralelos. Quando alguém se propõe a perder peso, pelo menos no início do processo, costuma adotar uma dieta de baixas calorias e dar início a um programa de atividade física. “Nesse contexto, quando se inclui um remédio como esse, é difícil perceber o que, de fato, proporcionou a perda de peso”, diz a nutricionista Ana Maria Lottenberg, do Hospital das Clínicas, de São Paulo. O único trabalho sobre o impacto do Caralluma na redução de peso foi publicado em maio de 2007, na revista americana Appetite, e acompanhou cinquenta homens e mulheres, de 25 a 60 anos, por sessenta dias. Para os médicos e pesquisadores mais ortodoxos, esse trabalho não seguiu os preceitos metodológicos das pesquisas científicas rigorosas. Um composto só tem sua eficácia e seus riscos devidamente comprovados quando é testado em grandes populações, por longos períodos de tempo. A venda das cápsulas de Caralluma pela internet é irregular. Nas farmácias de manipulação, elas só poderiam ser obtidas mediante a prescrição de um médico – que, ao receitá-las, assume a responsabilidade sobre seu uso.
A fama do Caralluma como potente redutor de apetite remonta a um velho costume do sul da Índia. Em geral, ele é consumido cozido na água, com temperos, como qualquer legume; ou cru, na salada. Em algumas regiões, é comum encontrar o Caralluma em conserva. Entre as camadas mais pobres da população, ele é conhecido como a “comida da escassez”. Homens, mulheres e crianças têm o hábito de mastigar o seu caule para driblar a fome e aumentar a resistência física. Daí a encapsular o cacto e anunciá-lo como redutor de apetite na guerra contra a balança há um abismo enorme. Mas vá tentar convencer as mulheres aflitas por emagrecer… Este é o verão do Caralluma, mas já houve o do porangaba,Hoodia gordonii e caseolamina, entre outros fitoterápicos (veja o quadro). Para se ter uma ideia da esperteza dos vendedores, quando o chá-de-bugre é apresentado com o seu nome científico,Cordia ecalyculata vell, ele se transforma num potente destruidor de gordura abdominal, a versão natural do remédio rimonabanto, retirado do mercado em 2008. Vale lembrar que, seja como chá-de-bugre ou como Cordia ecalyculata vell, a erva não funciona para afinar o corpo. Com 44 anos de profissão, o endocrinologista Alfredo Halpern, da Universidade de São Paulo, até hoje fica espantado: “Como é que alguém ainda acredita que é possível emagrecer sem ter trabalho?” Por trabalho, entenda-se fechar a boca e suar na ginástica.
Com reportagem de Laura Ming