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Temerário Mundo Novo

Em um mundo multipolar, atores com perspectivas extremamente divergentes devem trabalhar juntos para progredir em seus interesses comuns de segurança, estabilidade e prosperidade

Por Javier Solana
30 set 2014, 19h39

Transformações globais não são nenhuma novidade. Mas, com a globalização e os avanços tecnológicos, o ritmo e a escala dessas mudanças aceleraram consideravelmente. Nas próximas décadas, esta tendência só vai se intensificar – trazendo com ela um potencial significativo para a instabilidade.

Já se passaram mais de 20 anos desde que o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Kuwait, provocando a adoção quase unânime das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que exigiam a retirada das forças iraquianas. Quando Saddam desafiou as resoluções, uma coalizão de 34 países, que apoiava a ofensiva aérea americana conhecida como Operação Tempestade no Deserto, removeu suas tropas do Kuwait.

Isto aconteceu em 1991, quando o colapso da União Soviética havia transformado os EUA na única superpotência mundial. Mas esse não é mais o caso – realidade refletida nas respostas confusas da comunidade internacional a invasões territoriais na atualidade.

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Em busca da convergência

A Boa e a Má Desigualdade

Os grandes resultados dos pequenos países

Considere a invasão e anexação russa da Crimeia no começo deste ano. Embora a ação claramente violasse a integridade territorial da Ucrânia, onze países votaram contra a resolução da ONU condenando a ação, enquanto 58 países – incluindo todas as potências não ocidentais – preferiram se abster. Claramente, o equilíbrio de poder global mudou.

Em política internacional, percepções são importantes – às vezes até mais do que a realidade. A percepção, hoje, é que o momento unipolar americano chegou ao fim, a Europa está em declínio e um novo conjunto de poderes está em ascensão, trazendo suas próprias perspectivas para assuntos globais.

De certo modo, isto pode parecer bom. Perspectivas mais variadas poderiam enriquecer processos multilaterais e levar a soluções mais abrangentes para problemas globais.

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Mas esta dinâmica multipolar também provoca instabilidade. Embora o mundo esteja se tornando cada vez mais interconectado, e os desafios não estejam mais confinados a fronteiras nacionais, ou até mesmo regionais, as grandes potências estão cada vez mais relutantes em assumir responsabilidades globais. Pior, a julgar pela sua frequente aversão em acomodar os interesses umas das outras, impasses – e até mesmo confrontos – tornam-se prováveis.

Instituições multilaterais fortes, eficazes e inclusivas podem ter um papel vital em combater esta instabilidade e promover cooperação. Mas mesmo as estruturas mais bem organizadas podem realizar muito pouco sem a vontade política de resolver conflitos através do diálogo. Para fazer progressos, os países devem aprender a defender seus princípios respeitando os de seus pares – e a nunca perder de vista seus interesses e objetivos comuns.

Sem uma abordagem unificada, a estabilidade geopolítica é diminuída. Por exemplo, a Ucrânia é um país independente desde 1991 e completamente integrado ao sistema internacional, tendo renunciado às suas armas nucleares, em 1994, e presidido mais de três sessões na Assembleia Geral da ONU. Ao falhar em dar uma resposta adequada à invasão russa, no entanto, a comunidade internacional empurrou a Ucrânia para um passado sombrio. Espera-se que o recém-concluído Protocolo de Minsk – que inclui doze provisões, incluindo um cessar-fogo e um programa de recuperação econômica – tenha sucesso em resolver o conflito.

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De qualquer forma, a estabilidade internacional foi comprometida – e há muitos outros desdobramentos potencialmente desestabilizadores no horizonte. No mundo desenvolvido, o mandato do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, logo irá acabar. A política europeia também passa por uma transição potencialmente significativa, com a nova Comissão Europeia pronta para entrar em ação em um preocupante cenário de ascensão do nacionalismo nos países-membros da União Europeia.

Dois líderes que permanecerão no poder num futuro próximo são o presidente russo Vladimir Putin e o premiê chinês Xi Jinping – ambos de países que provocaram instabilidade em suas respectivas regiões. Muito antes de a Rússia invadir a Ucrânia, a China se envolveu em disputas territoriais com diversos vizinhos, mais notavelmente nos Mares Leste e Sul da China.

Além disso, Rússia e China estão rejeitando a tradicional dominância ocidental em instituições multilaterais. Os dois países – ao lado do Brasil, Índia e África do Sul (os Brics) – estabeleceram seu próprio banco de desenvolvimento, motivados, em parte, pelo fracasso do Fundo Monetário Internacional em cumprir a promessa que fez em 2010 de ajustar o poder de voto para refletir o equilíbrio global de poder econômico (até a reunião do G20 em que a promessa foi feita, em 2010, a China tinha o mesmo poder de voto que a Bélgica).

Toda essa insegurança rodeando as superpotências emergentes e tradicionais atravancou os esforços para resolver desafios de segurança no Oriente Médio, do duradouro conflito entre Israel e Palestina e consequências da Primavera Árabe à nova e potente ameaça que representa o Estado Islâmico. Diferentemente da Al Qaeda, o Estado Islâmico não é uma rede fragmentada de células relativamente pequenas; é uma entidade territorial operando como pseudoestado em território sírio e iraquiano, e o resto do mundo parece não saber como parar o seu avanço implacável

Project Syndicate:

O silêncio dos Brics

Obama versus Estado Islâmico

Os EUA apressaram-se em formar uma confusa coalizão com quase trinta países, incluindo dez Estados árabes. Como a coalizão será organizada e que resultados irá alcançar ainda é uma incógnita.

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Neste caso, a União Europeia poderia ajudar. Na verdade, quando os EUA empregaram pela primeira vez a sua estratégia de “liderar dos bastidores”, durante a intervenção na Líbia, em 2010, os países europeus foram forçados a assumir maior responsabilidade.

Em vez de ver a intervenção como uma anomalia, a União Europeia deveria reconhecer a necessidade de aprimorar o seu papel na defesa da segurança global – especialmente para assegurar seus próprios interesses em uma vizinhança próspera e segura. Neste sentido, a decisão da União Europeia de adiar a implementação do seu acordo de associação com a Ucrânia para criar espaço para buscar um consenso com a Rússia é um indicador positivo.

Em um mundo multipolar, atores com perspectivas extremamente divergentes devem trabalhar juntos para progredir em seus interesses comuns de segurança, estabilidade e prosperidade. É hora de todas as potências do mundo reconhecerem sua responsabilidade para tornar a cooperação construtiva uma realidade.

Javier Solana foi alto representante da União Europeia para a Política de Segurança e Negócios Estrangeiros, secretário-geral da Otan e ministro das Relações Exteriores da Espanha. Atualmente, é presidente do Centro Esade para a Economia Global e Geopolítica e membro do Brookings Institution.

© Project Syndicate, 2014

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(Tradução: Roseli Honório)

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