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O que leva uma pessoa nascida e criada nos EUA a virar terrorista?

Quase 15 anos depois dos ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos parecem não ter uma estratégia clara para manter jovens americanos longe do radicalismo islâmico

Por Diego Braga Norte 21 jun 2016, 15h18

Omar Mateen, o terrorista que matou 49 pessoas na boate Pulse, em Orlando, era filho de imigrantes legais afegãos, nascido e educado nos Estados Unidos, em escolas públicas e laicas. Syed Farook, que matou catorze pessoas em um atentado em San Bernardino, tinha origens paquistanesas, mas também era nascido e criado nos EUA. Com um tecido social bem diferente dos países europeus (muitos tiveram colônias, protetorados e ocupações em áreas majoritariamente muçulmanas da África e da Ásia), o extremismo islâmico dentro dos Estados Unidos é fomentado de outra forma. É um “extremismo doméstico” – como definiu o presidente Barack Obama -, uma ideologia do ódio que se alimenta de frustações e se doutrina na internet.

“Nos Estados Unidos, as ameaças mais presentes vêm de pessoas que se inspiram no Estado Islâmico (EI), mas não são coordenadas por eles. Há uma combinação de fatores pessoais que se entrelaça com a ideologia. O ódio é amplificado e validado pela ideologia jihadista”, explica Brian Levin, diretor do Centro de Estudos sobre Ódio e Extremismo, da Universidade da Califórnia, em San Bernardino.

Para a psiquiatra da Universidade de Georgetown, Anne Speckhard, autora do livro “Talking to Terrorists” (Conversando com Terroristas, sem tradução no Brasil), a Al Qaeda e principalmente o Estado Islâmico tornaram-se “extremamente hábeis em usar a ideologia jihadista para motivar indivíduos fora das zonas de conflito para se juntar a sua causa”. O próprio presidente Obama já se referiu aos jihadistas do EI como “assassinos com uma boa mídia social”. De novo, a definição foi precisa. “Eles dominam a linguagem das mídias sociais e disseminam uma narrativa conhecida de que o Ocidente está atacando e ocupando os locais muçulmanos para destruir o Islã”, diz Anne.

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Quanto mais criativas forem as histórias contadas – com vídeo, imagens, de forma curta, mas emocionalmente convincentes – mais atraentes e propensas capturar a atenção de jovens entediados e frustrados elas são, explica a especialista que entrevistou centenas de terroristas no Iraque, Gaza, Jordânia e Chechênia para criar um programa psicológico de desradicalização para ser aplicado em detentos e jovens. “A internet é essencial, o EI produz uma média de 30 a 40 vídeos de alta qualidade por dia em várias línguas”, diz Daniel Koehler, diretor do Instituto Alemão de Estudos sobre Desradicalização. “Eles têm uma rede Twitter estimada de 30.000 a 40.000 contas e vasto material on-line de orientação para a participação na jihad”, completa.

Além do grande volume de conteúdo jihadista disponível na internet, o EI domina algo muito importante nas mídias sociais: a interação. “Adolescentes que têm altos ideais e ambições, mas são frustrados com suas famílias ou sociedades são presas fáceis”, relata Charlie Winter, da Universidade Estadual da Geórgia. “O sentimento de marginalização também impulsiona a adesão. A ideologia jihadista é importante, mas ela vem num segundo momento”, diz o especialista em jihadismo e radicalização. “Estamos lidando com um movimento social, algo além de um grupo terrorista. E os movimentos sociais têm narrativas próprias que ressoam em muitos jovens porque são histórias baseadas na realidade. Podem não ser a verdade, mas são uma maneira de interpretar os acontecimentos mundiais”, disse Mubin Shaikh, um ex-recrutador jihadista canadense e atual estudioso do processo de desradicalização, em uma entrevista à Vice.

Vácuo de ações – Quase 15 anos depois dos ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos parecem não ter uma estratégia clara para manter jovens americanos longe do radicalismo islâmico. O vácuo de propostas e ações reflete no sistema prisional. Em 2015, pelo menos 71 pessoas foram condenadas por promoveram a jihad e o extremismo islâmico, o maior número desde 2001. O Comitê de Segurança do Congresso estima que pelo menos 250 americanos estão no Iraque e na Síria lutando ao lado de jihadistas. Em números absolutos, é uma porção ínfima dos mais de 320 milhões de habitantes do país, mas especialistas advertem que uma única célula terrorista de meia dúzia de pessoas é capaz de organizar e conduzir atentados tão ou mais devastadores quanto os de novembro em Paris, que deixaram 130 mortes.

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Em 2015, o governo americano gastou 15 milhões de dólares para combater a radicalização doméstica, apenas uma fração dos bilhões gastos para combater o terrorismo em ações militares no exterior. Parte desse dinheiro foi usada pelo Departamento de Estado americano em uma campanha no Twitter chamada “Think Again Turn Away” (pense outra vez, recuse – em tradução livre) para entrar em contato com usuários da rede social que fizessem apologia do extremismo islâmico e do terrorismo. A intenção era vasculhar a internet atrás de jovens vulneráveis e evitar que suas frustações desembocassem no jihadismo. A campanha foi muito criticada por ser ineficaz e por compartilhar fotos muito violentas (a intenção era chocar os jovens para dissuadi-los). Sem alarde, o programa foi diminuindo seu ritmo até ser completamente abandonado. Tal como os jovens vulneráveis.

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