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O príncipe verde

Em visita ao Brasil, Albert II, o monarca de Mônaco, filho da atriz americana Grace Kelly, fala sobre o incômodo de ter se tornado conhecido pelo apelido de Playboy e como se esforçou para reverter essa imagem, dedicando-se à moderna bandeira da sustentabilidade

Por Da Redação 11 abr 2016, 16h05

Albert II, o príncipe de Mônaco, vem de uma das dinastias mais tradicionais e ricas da Europa — hoje acumula uma fortuna avaliada em 1 bilhão de dólares, superior, por exemplo, à da monarquia inglesa. Quando nem se cogitava que a bandeira da conservação da natureza iria ser desfraldada nos quatro cantos do planeta, seu tataravô, Príncipe Albert I, que governou o principado entre 1889 e 1922, se destacava com um dos pioneiros da oceanografia. Apesar da respeitabilidade da família, quando Albert II assumiu o trono, em 2005, após a morte de seu pai, Rainier III, sua fama se devia a duas razões nada aristocráticas: ser filho da atriz hollywoodiana Grace Kelly, e ter o apelido de Playboy, consequência de seu apego a noitadas extravagantes. Desde então, o príncipe, casado com a ex-nadadora olímpica sul-africana Charlene Wittstock, empenhou-se em mudar sua imagem. Parte da estratégia foi assumir a bandeira do ambientalismo. Na semana passada, o monarca, de 58 anos, esteve em São Paulo para promover parcerias comerciais e de sustentabilidade e concedeu, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, a entrevista a seguir.

Por que o interesse em trazer o tema da sustentabilidade para debate com os empresários e políticos brasileiros, em meio à atual crise econômica e política pela qual passa o país? Na área ambiental, o Brasil está no caminho certo. Trata-se de uma nação com vastos recursos naturais, mas que precisam ser gerenciados de maneira sustentável.

Como surgiu sua dedicação ao ambientalismo? Aos 12 anos, meus pais me deram um pôster incrível da National Geographic, que exibia como o homem polui o mundo. Fiquei impressionado e decidi que um dia tentaria ajudar o planeta a se recuperar. Junto a essa história, também houve influência das ações de meu tataravô, Príncipe Albert I (que governou o principado entre 1889 e 1922), pioneiro da oceanografia, adorador da natureza e curioso pelas ciências. Em 1903, minha família já defendia a importância de se proteger as diferentes espécies de animais e a necessidade de se criar parques nacionais. Meu pai, Rainier III, também foi peça fundamental para a construção de programas de preservação — ele assinou o Acordo de Ramoge, em 1976, ao lado de França e Itália, que visa a preservação marítima de nossas costas oceânicas. A influência familiar me fez comparecer a diversas conferências sobre o assunto, a exemplo da Rio 92. Contudo, foi em 2006, após uma viagem ao Polo Norte, que decidi me dedicar, pessoalmente, a esse tema. Foi quando dei início à fundação que leva meu nome, dedicada ao ambientalismo.

A monarquia transmite uma ideia de distanciamento do povo. As suas preocupações ambientais também não se tratam de uma estratégia para se aproximar da população e de temas contemporâneos, em moda? Não acredito que eu precise disso para ser íntimo do povo de Mônaco. Eu, assim como meus antepassados, sempre me senti próximo da população. Por isso somos conhecidos como “A Família de Mônaco”. Existe em meu país uma regra não escrita de que compomos uma comunidade de laços firmes, com ampla interação. É claro que os assuntos ambientais despertam interesse. Porém, o que me liga aos monegascos é a afeição.

O senhor se incomoda com o apelido de Príncipe Playboy? Chatearia se me chamassem de o oposto de “playboy”.Brincadeiras à parte, a verdade é que, antes, só queriam saber quando eu saía e qual era minha companhia. Isso, embora eu sempre tenha estado envolvido em atividades das mais diversas, por incumbência do cargo. Interessavam-se por aspectos de minha vida privada, não pelos meus estudos e pelos programas de treinamento com os quais me envolvi na juventude. Isso foi injusto e reducionista.

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Mônaco foi um dos 42 governos a fazer doação para o Fundo Verde do Clima, grupo que não inclui o Brasil. No entanto, o valor concedido pelo seu país é menor que o dado, por exemplo, pela Letônia, cujo PIB equivale a um décimo do de seu principado. Isso não é incoerente com seu discurso? A quantia que concedemos, de 250 000 euros, é modesta, mesmo para um país de nosso tamanho. Mas esperamos aumentá-la substancialmente no ano que vem. Há, entretanto, motivos para começarmos devagar. Por exemplo, o fato de estarmos envolvidos com investimentos em outras áreas, como a energética, que demandou 5 milhões de euros em investimentos do governo.

Em 1997, seu pai foi um dos que assinaram o Protocolo de Quioto, cujo objetivo era mitigar as mudanças climáticas. Só que as emissões de gases de efeito estufa continuaram a subir e muitos julgam essa ação um fracasso. Há esperança? Foi apenas um primeiro passo. É necessário andar antes de correr, e eu acho que o Protocolo de Quioto foi o melhor acordo que poderia ter sido firmado naquele momento. Agora, podemos correr. Como demonstra os novos objetivos ambientalistas protocolados pelo Acordo de Paris, da ONU, em dezembro passado. Desta vez, os compromissos são mais ambiciosos, com metas claras para combater os efeitos drásticos das mudanças climáticas.

O Acordo de Paris é, então, mais otimista do que o de Quioto? Certamente. Participei, junto aos mais importantes chefes de estado, da conferência que resultou no documento. Não pensávamos que chegaríamos a um acordo tão forte. O resultado pode até não ser perfeito, mas é encorajador, com ênfase no monitoramento dos países, certificando que eles cumprirão com as metas de cortes de emissão de gases de efeito estufa. Além disso, é certo que as nações que não atingirem suas metas serão responsabilizadas. Essa combinação de esforços nos conduzirá a resultados melhores.

Mesmo que somássemos todos os compromissos ambientais dos países, ainda se prevê um aumento global de temperatura de quase 3 graus até 2100. Os governos não teriam que se comprometer mais? A norma é que ninguém quer pagar mais do que deve. Aí está o ponto central da disputa entre os países. Agora, é certo que algumas lideranças precisariam ter objetivos mais ambiciosos. Principalmente em meio às grandes economias, a exemplo de Estados Unidos, China e Índia.

No Acordo, Mônaco se comprometeu a reduzir as emissões em 50% até 2030 e, em 100%, até 2050. Como pretendem chegar a essa meta? Planejamos nossas ações em três áreas principais: transporte, pela diminuição de emissões por veículos; o melhor gerenciamento do lixo, já que hoje dependemos de fábricas de incineração; e, por fim, a construção de edifícios que passem a seguir padrões sustentáveis rígidos.

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O setor privado não teria um papel mais fundamental do que o estatal, no esforço sustentável? Sim, as empresas precisam contribuir. Tenha o Google como exemplo. A multinacional americana anunciou que iria investir milhões de dólares em pesquisas de teletransporte. Isso é necessário, em absoluto? Acredito que temos assuntos mais urgentes a resolver, como as mudanças climáticas, que podem destruir nosso planeta.

No Brasil, há um surto de três doenças tropicais, a zika, a dengue e a chikungunya, todas transmitidas pelo mesmo mosquito. Muitos acreditam que o aquecimento global impulsionou essa epidemia, que agora se alastra pelo planeta. Mônaco tem receio de ser atingido? Estamos preocupados, mas nos antecipamos ao problema. Há três anos, casos da chikungunya africana começaram a surgir no sul da Europa. Naquela época, ajudamos organizações farmacêuticas que fazem pesquisa sobre doenças tropicais na África. Depois, promovemos um simpósio em Mônaco relacionando saúde pública às mudanças climáticas. Há poucos anos, existia pouquíssimo conhecimento sobre essa questão há poucos anos. Hoje, graças a esses estudos, avançamos. De qualquer forma, nenhuma preparação é pouca. Frente ao novo surto, temos uma campanha de conscientização e lançaremos um esforço ainda maior antes do verão. Uma das medidas visa educar donos de jardins para impedir a proliferação de mosquitos.

Mônaco tem uma população de 37 800 pessoas, que vivem em uma área de 2 quilômetros quadrados (menor do que a menor cidade paulista, Águas de São Pedro). É mais fácil governar um Estado pequeno? Pode-se pensar que um país diminuto daria menor trabalho. Não é verdade. Encaramos os mesmos problemas que qualquer outra nação, em escala diferente. Ser príncipe é um compromisso de tempo integral, no qual preciso dar o máximo para cuidar o melhor possível dos cidadãos e, também, dos muitos turistas que nos visitam. A dedicação é total, sem descanso, e é assim que tem de ser para que o país avance.

O senhor teve filhos gêmeos no ano passado. Que planeta pretende deixar para eles? Um no qual seja possível se desenvolver de forma sustentável, com uma nova abordagem do consumismo. Isso leva à necessidade de mudar nossa mentalidade. Não será fácil, pois, quando se tem uma vida confortável, poucos querem colocá-la em dúvida.

Mônaco é conhecida por seus cassinos, pela população enriquecida e por ser um dos principais destinos turísticos de luxo. Não é um paradoxo defender a redução do consumismo? Não quero proibir que curtam seus carros ou consumam o que quiserem. É preciso oferecer alternativas sustentáveis, como veículos elétricos. Contudo, se um dia o consumismo exacerbado dificultar o cumprimento de nossas metas ambientais, terei de impor limites, como ao uso de combustíveis fósseis. Se chegarmos a isso, prevejo protestos em meu principado.

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