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O Jogo de Espelhos da Migração

Em artigo, o representante especial da ONU Peter Sutherland defende a necessidade de mais informação para o debate sobre a questão imigratória

Por Peter Sutherland
12 set 2014, 13h58

Nos dois lados do Atlântico, políticas anti-imigração comprometem as democracias e destroem vidas. Partidos nacionalistas de extrema direita ganham força na Europa enquanto milhões de migrantes sem documentos sofrem nas sombras. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, preocupado com a habilidade do seu partido de manter o controle sobre o Senado, decidiu adiar a reforma da imigração até depois das eleições de novembro.

Mas essa pode ser a abordagem errada. Uma nova pesquisa de opinião pública realizada pelo Fundo German Marshall (FGM) revela que sentimentos anti-imigração derivam em grande parte da desinformação, e não de uma animosidade enraizada.

A descoberta mais importante da pesquisa “Tendências Transatlânticas”, do FGM, é que a preocupação com os imigrantes tem uma queda acentuada quando as pessoas são minimamente informadas. Por exemplo, quando perguntados se há imigrantes demais no seu país, 38% dos americanos participantes concordaram. Mas, quando foi dito a eles quantos estrangeiros moravam de fato nos Estados Unidos, antes de ser feita a pergunta, a sua visão mudou significativamente: apenas 21% responderam que havia imigrantes em demasia.

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O fenômeno se repetiu em diversos países onde a pesquisa foi realizada. No Reino Unido, 54% dos participantes disseram que havia imigrantes demais. Esse número caiu para 31% entre aqueles que receberam informações sobre estrangeiros. Na Grécia, 58% tornaram-se 27%. Na Itália, o percentual diminuiu de 44% para 22%, e assim por diante.

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Os únicos países que não apresentaram este desnível foram aqueles de imigração muito reduzida, como a Polônia, ou com um debate político mais aberto, progressivo e bem informado, como Suécia e Alemanha.

Outras pesquisas apontaram desvios extraordinários na visão sobre os imigrantes. Em muitos países desenvolvidos, por exemplo, as pessoas acreditam que há três vezes mais imigrantes residentes no país do que há de fato. O britânico médio acredita que 34% dos residentes do Reino Unido são estrangeiros. O número real é de apenas 11%.

Essas distorções desaparecem em países onde os desafios da migração são confrontados abertamente, discutidos razoavelmente e tratados com convicção. O sueco médio, por exemplo, acredita que 18% da população do país é composta de imigrantes. O número real está próximo dos 13%. Como resultado, o populismo nessas sociedades não está em ascensão, e os líderes políticos não difamam minorias e imigrantes.

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Essas são fortes evidências de que o debate e a criação de políticas baseados na realidade podem fundamentalmente transformar a dinâmica negativa. Também sugere que, ao falhar em informar os eleitores sobre a realidade da migração, os líderes políticos europeus dando munição para partidos extremistas. Esta ferida política autoinfligida é extremamente perigosa.

A pesquisa “Tendências Transatlânticas” também aponta que o povo americano não se preocupa com a imigração legal, enquanto cerca de dois terços acreditam que os filhos dos imigrantes estão sendo bem integrados às suas comunidades. Essas descobertas deveriam incentivar os legisladores a serem mais proativos em criar caminhos para a imigração legal e políticas para integrar os imigrantes.

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Mesmo quando se trata de imigrantes ilegais, embora os cidadãos americanos demonstrem preocupação, eles são mais razoáveis do que os seus líderes políticos sobre como resolver o problema. Um grande número de americanos participantes, por exemplo, disse que deveria ser permitido aos imigrantes ilegais regularizar a sua situação.

Uma abordagem deliberativa para informar o público sobre outros aspectos da migração poderia ajudar a superar sentimentos antimigração. Por exemplo, pesquisas recentes em diversos países apontaram que os imigrantes como um todo contribuem mais para suas comunidades do que tiram delas economicamente. Na Alemanha, um estudo realizado pela Fundação Bertelsmann, que será publicado no próximo mês, mostra que a contribuição líquida por imigrante chegou a 3.300 euros (quase 9.800 reais) em 2012. Esse dado contradiz o senso comum de que os imigrantes são exploradores dos serviços públicos.

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É claro que a migração cria desafios reais para as comunidades, e pode levar ao desemprego e a salários mais baixos para os trabalhadores nativos. Mas, também neste caso, o problema é a falta de atenção a esses problemas, e não necessariamente a presença de imigrantes.

Implementar políticas vigorosas de reciclagem profissional, por exemplo, seria uma maneira melhor de superar os efeitos adversos do que exigir deportações em massa. Esta é uma das razões por que os sindicatos, que antes se opunham à imigração em todos os âmbitos, agora são muito mais favoráveis a medidas que regularizem a situação de trabalhadores sem documentação e criem mais caminhos para a migração.

O debate público informado é o sine qua non de um Estado democrático. Na sua ausência, prevalecem o preconceito e o populismo. O debate sobre a imigração nunca será fácil, mas pode se tornar menos tendencioso e mais deliberativo se os seus participantes levarem em conta os fatos.

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Peter Sutherland é representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Migração Internacional e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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