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O filho de um terrorista

Zak Ebrahim, filho do homem que planejou o primeiro atentado à bomba ao World Trade Center, conta como decidiu contornar a violência e propagar a tolerância

Por Julia Braun e Diego Braga Norte
5 set 2015, 15h48

Abdulaziz El Sayyid Nosair é filho do primeiro jihadista islâmico conhecido por tirar uma vida em solo americano. Em 1990, seu pai, El Sayyid Nosair assassinou o rabino Meir Kahane, líder da Liga de Defesa Judaica. ‘Z’, apelido de Abdulaziz, ainda menino, assistiu tudo pela TV. Nosair foi preso, mas, mesmo de dentro da cadeia, foi capaz de planejar o primeiro atentado à bomba ao World Trade Center, que matou seis pessoas e deixou mais de 1.000 feridas no ano de 1993. Desde então, ele nunca mais deixou o cárcere.

O pai de ‘Z’ nasceu no Egito, onde se formou engenheiro. Mudou-se para os Estados Unidos por melhores oportunidades e, em solo americano, conheceu sua esposa, Karen Mills, uma católica convertida ao islamismo. Depois da prisão de Nosair, a família teve de se mudar muitas vezes, fugindo do preconceito e do ódio. Para tentar apagar os vínculos com o pai terrorista, Abdulaziz El Sayyid Nosair mudou seu nome para Zak Ebrahim.

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Ainda que Zak não tivesse culpa alguma pelos terríveis atos de seu pai, ele sofreu muitos anos pelo fato de ser filho de um terrorista e por ter recebido uma educação guiada pelo ódio. Ele então decidiu contar sua história ao mundo. Em seu livro “O Filho do Terrorista” (Editora Alaúde), ele conta como se recusou a seguir os passos do seu pai e escolheu o caminho da paz. “Eu escolhi usar minha experiência para revidar o terrorismo, lutar contra a intolerância. Um filho não tem que seguir o caminho de seu pai. Eu não sou meu pai”. A ideia veio após ser convidado para dar uma palestra para o TED, uma organização sem fins lucrativos que divulga ideias e tecnologias inspiradoras.

Em entrevista exclusiva ao site de VEJA, Zak falou um pouco de suas experiências e descobertas de como quebrar estigmas relacionados ao mundo islâmico, dialogar com as diferenças e combater o discurso de ódio.

Após o casamento dos seus pais, sua família tinha uma vida bastante estável. Quais circunstâncias podem ter levado à radicalização do seu pai?

Quando ele veio para os Estados Unidos, veio pelas mesmas razões que muitos outros imigrantes, por melhores oportunidades. E parecia estar indo muito bem. Quando conheceu a minha mãe, eles tinham um casamento normal e muito feliz. Eu realmente acredito que sua cabeça começou a mudar quando nos mudamos para Nova Jersey e ele começou a interagir com o ‘xeque cego’ Adbel-Rahman [terrorista que cumpre prisão perpétua nos EUA] e muitos dos homens que mais tarde estariam envolvidos no atentado ao World Trade Center.

O governo francês afirmou ter expulsado 40 clérigos radicais estrangeiros nos últimos três anos. Depois dos ataques terroristas na Tunísia, o governo prometeu também expandir os sistemas de vigilância a islâmicos radicais e mesquitas. De acordo com seu livro, seu pai foi radicalizado em uma mesquita. Como o governo e a sociedade podem lidar com os clérigos extremistas e mesquitas radicais?

Eu passei grande parte da minha vida tentando entender as motivações do meu pai e as motivações de homens e mulheres que, assim como ele, escolhem um caminho tão violento em nome de suas crenças. Eu acho que a solução passa pela relação entre o governo dos Estados Unidos e a comunidade muçulmana americana. Essa relação não deveria ser construída com base em suspeitas. Infelizmente, nas últimas duas décadas a estratégia do governo dos EUA foi, por vezes, tentar infiltrar gente em mesquitas que não tinham integrantes com motivações extremistas. Isso criou suspeitas da própria comunidade muçulmana contra o governo. Contudo, nos últimos anos, vimos muito progresso nas relações entre o governo, líderes comunitários e líderes da comunidade muçulmana. O governo entendeu que a grande maioria dos muçulmanos americanos é como qualquer outro cidadão dos Estados Unidos. Mesmo sendo ateu, eu estou muito envolvido em projetos para desenvolver o diálogo e unir as religiões, para que as pessoas passem um tempo umas com as outras, não para debater questões religiosas, mas para interagir umas com as outras e perceber que nós somos todos iguais.

O discurso de ódio está presente não só na religião, mas também na política e em outros setores da sociedade. Como acredita que o ódio pode ser combatido?

Podemos encontrar discursos de ódio em todas as religiões e em praticamente todas as sociedades. Existem pessoas que acreditam tanto em suas crenças que estão dispostas a dizer e fazer qualquer coisa para dar poder a essas crenças. E para combater isso eu acho que a forma mais simples é a interação. Existem muitos grupos, de diversas fés, que trazem as pessoas uma para perto das outras. Grupos que normalmente se consideram inimigos e que não costumam interagir uns com os outros. Acredito que mais informação precisa ser difundida. Eu descobri que, quanto mais nós sabemos sobre as mensagens difundidas pelas religiões, mais nós podemos entender a motivação das pessoas por trás delas. E com um melhor entendimento, nós poderemos combater melhor o mal que elas causam.

Falar abertamente sobre o que aconteceu com seu pai pode ser perigoso. Por que decidiu contar sua história?

Esse foi um processo muito longo. Eu comecei a me envolver nesse movimento após o 11 de setembro, com as invasões do Iraque e do Afeganistão. Eu mantinha a minha história em segredo, sem nunca contar para ninguém. Mas comecei a pensar que, talvez oferecesse algo de importante às pessoas mostrando que, apesar de crescer em meio a essa ideologia que elas tanto temem, escolhi promover a paz. A razão pela qual eu decidi falar publicamente e escrever esse livro é porque eu acredito que é muito importante que as pessoas entendam que nós somos iguais. Que nossas diferenças são muito pequenas e muito fáceis de superar quando interagimos uns com os outros.

Por que escolheu não seguir a religião islâmica?

Eu deixei a religião quando eu tinha 20 anos. Pode parecer estranho dizer isso, mas não teve muita relação com as ações do meu pai. Quando eu completei 20 anos eu já estava bem ciente que as crenças do meu pai e as ações que ele tomou por causa dessas crenças iam muito além da corrente principal da religião muçulmana. A grande maioria dos muçulmanos não acredita nas coisas que ele fez. Para mim, foi simplesmente uma perda de fé. Eu tinha dificuldade em acreditar num Deus que nos criou do jeito que somos e nos julga pela eternidade por ser dessa forma.

Você pretende reestabelecer contato com seu pai?

Alguns anos depois que eu comecei a falar publicamente eu recebi um e-mail da prisão dizendo que um prisioneiro queria entrar em contato comigo. É claro que era o meu pai. Para ser honesto, antes de eu começar a falar publicamente, eu sabia que queria falar com ele. Eu não tinha me comunicado com meu pai em 10 anos, mas eu tinha muitas perguntas na minha cabeça que me pesavam muito: por que ele escolheu esse caminho e por que ele estava disposto a sacrificar o bem estar de sua família por essa crença? Tudo começou bem, ele parecia estar apoiando o trabalho que eu estava fazendo para promover a paz e acabar com os estereótipos comumente associados aos muçulmanos. Infelizmente, quando ele descobriu que eu não era mais muçulmano, o tom dos e-mails começou a mudar. Basicamente, quando eu perguntava a ele algumas perguntas pessoais, ele resumia tudo que aconteceu como um plano de Deus. Dizia que se eu retornasse ao Islã todos os meus problemas estariam resolvidos. Francamente, eu achei as respostas dele muito simplistas. Falar com ele não estava me ajudando emocionalmente.

Em seu livro, você menciona que Jon Stewart foi uma grande influência em sua vida e que ele te ajudou a questionar alguns dogmas. Qual foi sua reação quando ele deixou o ‘Daily Show’ recentemente?

Foi muito estranho para mim, por um lado me fez sentir muito velho, por que ele está na televisão por muito tempo e eu estou o assistindo desde o dia em que começou. Foi triste para mim, foi como perder um mentor. Com o passar dos anos, eu estava acostumado a aprender lições incríveis com ele em tantos assuntos diferentes. Ele me ajudou a ser intelectualmente honesto e me fez perceber que eu não queria ser a pessoa que odiava os outros por razões arbitrárias.

Qual sua opinião sobre o discurso propagado por Donald Trump, pré-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos?

​​Donald Trump é o típico ególatra. Ele fará qualquer coisa por atenção. Não se importa se suas palavras incitam violência ou ódio, desde que seu rosto esteja em frente a uma câmera. Eu nunca ouvi nada de valor sair de sua boca e ele é essencialmente o bobo da corte do século XXI. Não há valor em nenhuma palavra que ele diz. As crenças dele são tão absurdas e irracionais que podem ser perigosas.

https://youtube.com/watch?v=TObqEIfwBko%3Frel%3D0

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