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O DNA da política externa da Alemanha

Em artigo, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha fala sobre os rumos da política externa alemã para um mundo em crise

Por Frank-Walter Steinmeier*
4 mar 2015, 14h14

A dura realidade do ano passado criou desafios sem precedentes para a Alemanha e a sua política externa. A crise na Ucrânia entrou numa espiral fora de controle, com a anexação da Crimeia pela Rússia, seguida de escalada militar na região de Donbas Oriental, pondo em cheque a ordem europeia pós-1945. E, embora as medidas acordadas em Minsk no início deste mês ofereçam uma oportunidade de entrar em um processo político, outras crises – por exemplo, a epidemia de Ebola na África Ocidental e o avanço do Estado Islâmico – apresentaram novos e urgentes desafios.

Se a Alemanha deve assumir maior responsabilidade na procura da solução para tais problemas é uma questão calorosamente debatida, dentro e fora do país. Durante um ano inteiro do projeto “Revisão 2014”, especialistas, dirigentes e o público em geral discutiram os desafios, prioridades e instrumentos da política externa alemã e tentaram definir o papel da Alemanha no mundo. No fim das contas, os resultados são sempre concretos. Em algumas áreas, fomos bem sucedidos no ano passado; em outros, podemos e queremos fazer melhor.

A Alemanha é muito considerada por seu compromisso com a promoção da solução pacífica de conflitos, o Estado de direito e um modelo econômico sustentável. Mas fica muito claro a partir da Revisão que nossos parceiros esperam uma política externa alemã mais ativa – e ainda mais robusta – no futuro. As expectativas são altas e talvez, às vezes, altas demais. Então, o povo alemão tenta responder às difíceis perguntas: Onde ficam nossos interesses? Até onde vão nossas responsabilidades? Qual é, em resumo, o “DNA” da política externa alemã?

Os princípios básicos da política de negócios estrangeiros da Alemanha – estreita parceria com a França, dentro de uma Europa unida e uma forte aliança transatlântica em termos de segurança e cooperação econômica – têm resistido ao teste do tempo e continuarão a ser a pedra fundamental da nossa abordagem. Mas agora temos de abordar três desafios-chave: gestão de crises, mudança da ordem global e nossa posição dentro da Europa.

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Para começar, devemos enfrentar o fato de que a globalização tem feito de crises a regra, não a exceção. Apesar de a globalização e digitalização estarem movimentando rapidamente o crescimento econômico, elas também exercem pressão sobre os governos em todo o mundo para atender às expectativas crescentes dos cidadãos – mesmo quando elas restringem a capacidade de agir dos governos de forma sem precedentes.

Em nosso mundo globalizado, muitas pessoas sentem um desejo crescente de respostas claras e de validade atemporal, oferecidas por identidades simples e claras. Quando estas identidades assumem a forma de nacionalismo ou categorias étnicas ou religiosas rigidamente definidas, a consequência, muitas vezes, é a violência brutal e desenfreada, seja através de terrorismo ou de guerra civil.

No enfrentamento de crises, a política externa alemã deve reforçar seu foco na conciliação, mediação e prevenção – ou corre o risco de ficar sem nenhuma outra opção além de controlar os prejuízos. A Alemanha está disposta a fazer mais internacionalmente nesta área. Queremos agir mais cedo, mais decisivamente e de forma mais substancial – não apenas quando as crises se tornam agudas, mas também concentrando-nos na gestão de prevenção de conflitos e gestão pós-conflito. Isso requer que possamos aprimorar nossas ferramentas e desenvolver novas, variando de mecanismos de alerta a meios de cooperação internacional reforçados.

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Vamos rever como podemos ajudar as Nações Unidas mais significativamente na salvaguarda e construção da paz. Temos de abordar, com moderação e prudência – em vez de com um reflexivo “nein” – a difícil questão de se os meios militares são necessários para salvaguardar as soluções políticas. Não sabemos onde e quando a próxima crise irá entrar em erupção, mas sabemos que ela vai – e que devemos estar mais bem preparados quando ela acontecer.

Mas a política externa não deve incidir exclusivamente sobre crises. Deve também preparar para cenários futuros. E, porque a Alemanha está conectada ao resto do mundo como poucos outros países, o compromisso de uma ordem internacional justa, pacífica e resiliente é um interesse fundamental da nossa política externa. Isso significa ajuste às mudanças a longo prazo nos parâmetros da ordem existente – mudanças que têm sido forjadas, acima de tudo, pela rápida ascensão da China.

Como as placas tectônicas de política mundial se movimentam, a Alemanha deve ser mais precisa na definição de suas próprias contribuições para a manutenção de estruturas existentes da ordem internacional e estabelecer novas. Temos de pensar mais profundamente sobre maneiras de proteger os valiosos bens públicos: os mares, o espaço e a Internet.

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Como resultado, devemos encontrar o justo equilíbrio entre reforçar organizações e estruturas indispensáveis como a ONU e desenvolver novas normas e meios institucionais de minimizar os riscos a longo prazo. O principal desafio é desenvolver uma política externa proativa que invista em ordem e instituições internacionais e o fortalecimento inteligente do direito internacional.

Então, existe a Europa, que continua a ser o fundamento da política de negócios estrangeiros da Alemanha. Mas aqui, também, novos desafios exigem novas respostas. Acima de tudo, devemos evitar um dilema estratégico em que a Alemanha se sentiu forçada a decidir entre sua competitividade em um mundo globalizado e a integração europeia. A Europa deve beneficiar-se da força da Alemanha, assim como nós nos beneficiamos da Europa. Como a maior economia da Europa, temos de investir em integração. Essa é a fonte da nossa força.

Ao mesmo tempo, devemos resistir às tentações que vêm com a estatura atual da Alemanha. De maneiras muito diferentes, os EUA, Rússia e China estão oferecendo à Alemanha um relacionamento privilegiado. Mas, se quisermos manter e reforçar os laços bilaterais com países parceiros importantes, quando se trata de moldar o desenvolvimento global, a Alemanha é capaz de agir com eficácia somente dentro de uma sólida estrutura europeia.

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Não temos motivo para recuar frente a estes desafios. Mesmo sob as pressões de um mundo globalizado, os sistemas democráticos que patrocinam o Estado de direito são mais resistentes do que os regimes liberais que muitos – inclusive alguns na Europa – estão aplaudindo hoje em dia. Mas isso não significa que podemos desarmar qualquer crise por meio de ação preventiva ou intervenção inteligente. Agora mais do que nunca, compreender os limites dos recursos é uma parte essencial de uma política externa viável.

Isso não significa abraçar o relativismo moral. Nossa política externa deve manter a esperança e capacidade de agir de forma responsável. Manter com firmeza nossos preceitos morais deve andar de mãos dadas com uma avaliação realista de limites. A interconexão global da Alemanha, que tem sido vital para a nossa prosperidade e segurança, não nos permite fingir que somos uma ilha ou uma força histórica do mundo.

Dentro de qualquer estratégia eficaz de paz para o século XXI, a política externa deve centrar-se simultaneamente na prevenção de crises e na diplomacia e encorajar esforços que oferecem suporte à transformação. Para a Alemanha, todos estes objetivos devem ser perseguidos no sentido de uma União Europeia forte e integrada, onde assumimos as nossas responsabilidades de liderança para a paz e prosperidade globais. A Alemanha tem muito a oferecer ao mundo, e vamos fazer tudo isso com autoconfiança e humildade.

Frank-Walter Steinmeier é ministro das Relações Exteriores da Alemanha

Tradução: Roseli Honório

© Project Syndicate, 2015

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