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O desafio da imigração na Europa: problema enorme para soluções pequenas

A complexidade e a gravidade do problema com a imigração exigem múltiplas ações, coordenação política afinada entre os 28 países do bloco europeu e, claro, muito dinheiro

Por Diego Braga Norte e Edoardo Ghirotto
26 abr 2015, 19h53

Há uma semana, mais de 800 imigrantes ilegais que tentavam alcançar a Europa morreram na costa da Líbia após o barco que os levava naufragar. Os pouco mais de vinte sobreviventes informaram às autoridades italianas que os resgataram que muitos dos mortos eram mulheres e crianças, que viajavam trancadas no porão da embarcação. A tragédia motivou reuniões de emergência e voltou a acender a luz vermelha nos gabinetes da União Europeia (UE) em Bruxelas. A Europa enfrenta um sério problema com a afluência de imigrantes ilegais que se arriscam na travessia do Mar Mediterrâneo em barcos precários e ainda está longe de resolver a questão.

A complexidade e a gravidade do problema com a imigração exigem múltiplas ações, coordenação política afinada entre os 28 países do bloco europeu e, claro, muito dinheiro. Yves Pascouau, diretor de políticas de imigração do Centro Europeu de Políticas Públicas, em Bruxelas, acredita que do ponto de vista econômico, a Europa é capaz de absorver os imigrantes econômicos (que buscam emprego e melhoria de vida) e os refugiados (que fogem de áreas de conflito). O grande problema é o custo político que os governos nacionais teriam de enfrentar. “Nem todas as pessoas contrárias à imigração são xenófobas e racistas, mas elas apenas não confiam mais nos partidos convencionais e por isso votam em plataformas de extrema-direita, mais nacionalistas. Os partidos de extrema-direita estão capitalizando essa frustação e hoje fazem parte do jogo político em muitos países. Isso tem um efeito forte na agenda política e está ficando cada vez mais difícil discutir o problema em alguns países e mesmo em nível continental. Em outras palavras, o problema se tornou tóxico para o discurso e as ações políticas”.

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Há ainda questões políticas que contrapõem países do sul do bloco (Espanha, Itália Grécia, Malta e Chipre) às nações do norte. “Não é inteligente para a UE opor os países do sul aos do norte. Mas é verdade que a Itália e a Grécia estão enfrentando uma situação extrema e estão tendo um trabalho muito árduo. Já alguns Estados do norte estão tendo que lidar com o oferecimento de asilo, enquanto outros não estão muito comprometidos da forma como deveriam estar”, diz Roderick Parkes, consultor do Instituto Alemão de Relações Internacionais. “Há países europeus do Norte que não aceitam discutir a imigração e querem que a Itália, Espanha, Grécia e Malta sofram sozinhos. Este é um fracasso político da Europa”, acrescenta Pascouau.

Outra crítica dos especialistas diz respeito ao tempo de resposta da UE, que teria demorado muito em agir. Martin Baldwin-Edwards, do Centro Internacional para Políticas Migratórias, em Viena, afirma que “não existe e nunca existiu uma política europeia de imigração”. Para ele, “há muitas peças de legislação em diferentes países, mas não há um acordo político sobre muitos pontos, exceto o desejo de manter os imigrantes fora da Europa”. Para Baldwin-Edwards, a Europa deve aceitar cotas de refugiados de zonas de guerra ou de países em crise e deve distribuir essas pessoas em toda a UE. Apesar das altas taxas de desemprego, há na Europa muitos postos de trabalho que estão vagos. “Isso é um fato. Há trabalhos que os cidadãos da UE simplesmente não querem mais. Basicamente falando, são os ‘DDD jobs’ [empregos sujos, perigosos ou pesados, tradução de dirty, dangerous and demanding jobs], e os refugiados poderiam preencher essas vagas”, explica Pascouau.

Elisa De Pieri, especialista em imigração da Anistia Internacional, afirma que os países da UE têm feito pouco para os refugiados. “Os países vizinhos da Síria – Líbano e Egito – estão acolhendo 3,9 milhões de refugiados. Entre 2012 e 2014 os 28 países da UE receberam 186.000 novos pedidos de asilo, mas só concederam 40.000. É evidente que é vergonhosamente pouco”, lamentou Elisa, ressaltando ainda que países como Alemanha e Suécia, que recebem mais de um terço de todos os refugiados, “têm feito muito mais do que a maioria dos outros juntos”.

Somente em 2014, segundo dados da agência da ONU para refugiados, mais de 200.000 imigrantes entraram ilegalmente na Europa vindos da África e outros mais de 3.200 morreram no mar. Neste ano, até o momento, cerca de 35.000 pessoas já conseguiram alcançar o continente europeu e mais de 1.700 morreram tentando. As consequências do maior fluxo migratório que o continente europeu já enfrentou são sentidas em diversas esferas: no âmbito político, partidos nacionalistas extremistas (alguns abertamente xenófobos) ganharam espaço em muitas nações; na economia, países como Grécia, Malta e Itália gastam milhões por ano para manter funcionando abrigos e operações de resgate no mar; na área social, Alemanha, Holanda e Suécia, mesmo enfrentando resistência de suas próprias sociedades, tentam integrar os imigrantes com custosos programas de inserção que envolvem aulas de línguas e cursos de formação profissional.

Há ainda outros exemplos significativos do impacto dessa nova onda migratória: a Itália gasta mais de 1 milhão de euros (3,2 milhões de reais) em subsídios por dia para manter os abrigos que acolhem os imigrantes; o medo do terrorismo motivou a Bulgária a erguer um muro de mais de 30 quilômetros na fronteira com a Turquia; o governo sueco precisou abrir novos empregos públicos para trabalhar com o aumento dos pedidos de asilo; na minúscula cidade alemã de Vorra, neonazistas incendiaram um centro de acolhimento recém-construído e pintaram suásticas vermelhas semanas antes da chegada de imigrantes ao local.

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Novas ações – Nesta quinta, após a reunião com os chefes de Estado da UE, o bloco anunciou que irá triplicar o tamanho da missão de buscas navais no Mediterrâneo. A UE deu garantias de que haverá capacidade, recursos e alcance comparáveis à operação italiana Mare Nostrum, que acabou há seis meses e foi substituída por ações menores: a Triton, liderada pela Itália, e a Poseidon, comandada pela Grécia. Outra medida anunciada é uma possível operação militar contra o tráfico de pessoas a partir da Líbia – principal área de onde partem os imigrantes ilegais. Mas, para realizar ações militares que podem envolver incursões em águas e territórios líbios, a União Europeia precisa da autorização legal das Nações Unidas.

O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi disse que França e Grã-Bretanha apresentarão uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU com o objetivo de obter o aval para a operação militar. A empreitada está a cargo da chefe da diplomacia europeia, a também italiana Federica Mogherini. E o objetivo da ação é “capturar e destruir” os barcos utilizados pelos traficantes de pessoas. Ainda não estão definidos os países que integrariam essa força naval conjunta europeia e tampouco outros fatores, como tamanho da esquadra e a quantidade de soldados que seriam utilizados.

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Mapa mostra as últimas tragédias envolovendo imigrantes ilegais no Mar Mediterrâneo
Mapa mostra as últimas tragédias envolovendo imigrantes ilegais no Mar Mediterrâneo (VEJA)
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