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Julian Assange: “O nascimento do Google foi financiado pela Agência de Pesquisas Avançadas dos EUA”

Na segunda parte desta entrevista concedida ao jornal argentino 'Perfil', o fundador do Wikileaks fala sobre o asilo na embaixada do Equador e a perseguição do governo dos Estados Unidos

Por Jorge Fontevecchia
26 abr 2015, 19h12

Nesta segunda parte da entrevista ao jornal argentino Perfil, concedida em dezembro de 2014, Julian Assange fala sobre seu o novo livro e o uso das informações postadas por usuários das redes sociais pelo governo dos Estados Unidos. Apesar de estar asilado há mais de dois anos na embaixada do Equador em Londres, o fundador da Wikileaks não perde o otimismo.

O Google, como ferramenta de controle da segurança dos Estados Unidos, é o tema do seu novo livro. O perigo da penetração sem limites do Google poderia ser solucionado facilmente pelas leis antimonopólio, como aquelas que, no século XX, obrigaram as companhias telefônicas nos Estados Unidos a se dividirem em sete partes? Isso é o que deveria ser feito. Falamos sobre quão terrível foi quando a Rússia anexou parte da Ucrânia, mas a realidade é que o Google faz o mesmo com 80% de todos os smartphones do mundo, e a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos também, através da sua habilidade de ter acesso sobre o Google e mediante a sua interferência massiva nas telecomunicações e sua pirataria automática. A maioria dos sistemas de Informática das pessoas apresenta uma situação muito interessante, na qual a noção de fronteiras entre as nações está se apagando num nível muito prático, o que fez com que as pessoas da década de 90 falassem da globalização e da eliminação de fronteiras num simulacro de fluxos comerciais. Mas isto é algo muito mais importante, é a perda de controle. Após o lançamento deste livro em inglês, uma moção foi apresentada no Parlamento Europeu a fim de que o Google seja dividido dentro da Europa. Atualmente, isso não é obrigatório, mas é um potente sinal enviado à Comissão Europeia, a qual está investigando violações antimonopolistas da parte do Google, para avançar em profundidade. O Google converteu-se no maior grupo de pressão em Washington. Mais do que a Lockheed Martin, mais do que a Raytheon, mais do que a Boeing. Por isso, minha opinião é que não ele se dividirá nos Estados Unidos.

Há mais de uma década, o Congresso dos Estados Unidos obrigou à Microsoft a reduzir a sua posição dominante. Ao não fazer o mesmo com o Google, é pçossível concluir que o Google é uma ferramenta militar em favor dos Estados Unidos, enquanto que a Microsoft não era. A Microsoft era e até certo ponto ainda é, mas não igual ao Google. Não obstante, há dez anos, esta intervenção, em relação à Microsoft e ao pacote onde integrava o seu navegador Internet Explorer no sistema operacional da Microsoft, foi uma tarefa antimonopólio relativamente fraca, que realmente não dividiu a companhia.

Mas pelo menos foi diferente a atitude com a Microsoft. Ela foi pressionada pela Netscape. Havia um grupo industrial pressionando para que a FTC interviesse na Microsoft, não era uma reivindicação dos usuários. Se levarmos em conta o que aconteceu na Europa em relação ao Google, as pessoas começaram a fazer perguntas a respeito, houve várias revelações, meu livro foi lançado, mas também houve grupos industriais pressionando no trabalho. Axel Springer, por exemplo, o maior editor alemão e, quiçá, o maior editor europeu, fez campanha publicamente, apresentou uma denúncia perante a Comissão Europeia. A Apple também fez campanha contra o Google na Europa. Aquilo que está acontecendo não é só um processo democrático.

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Mas o fato da Microsoft aconteceu dentro dos Estados Unidos. A Apple é a maior companhia em termos de capitalização de mercado dos Estados Unidos. O Google era a segunda maior. É muito interessante que o conflito natural, entre estas duas e entre a Microsoft e o Google, não tenha produzido uma forte ação normativa nos Estados Unidos. Penso que é uma característica interessante e pouco comum.

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No seu livro, o senhor explica que o nascimento do Google foi financiado pela Agência de Pesquisas Avançadas da Defesa Norte-americana. Sim.

Mas a história oficial do Google diz que nasceu como parte do Projeto de Biblioteca Digital da Universidade de Stanford. Utilizaram a Stanford como um firewall? A história do Vale do Silício remonta até a Segunda Guerra Mundial. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve um esforço enorme de pesquisas com a finalidade de desativar os sistemas de radares que as forças armadas alemãs tinham instalado na Alemanha e na França. Tratava-se de uma rede de radares muito complexa e sofisticada que detectava e destruía bombardeiros americanos e britânicos. Na costa oeste, onde fica Stanford, alguns engenheiros e acadêmicos entraram no sistema de pesquisas militares secretas, foram subsidiados amplamente pelo sistema de financiamento do Governo dos Estados Unidos e, logo mais, instados a constituir pequenas empresas para produzir componentes de mísseis e a trabalhar como empreiteiros militares para a Agência de Segurança Nacional. Este foi o nascimento do Vale do Silício e também o nascimento do capital de risco. O Vale do Silício e Stanford, o seu núcleo. Stanford tem sido usada, desde a Segunda Guerra Mundial, como uma fonte de tecnologia para o complexo de guerra dos Estados Unidos. Por isso, é habitual que os projetos de tecnologia de Stanford e de muitas outras universidades americanas sejam subsidiados pela Agência de Pesquisas Avançadas de Defensa.

Seria certo dizer que a União Soviética perdeu a Guerra Fria devido a uma falta de desenvolvimento de novas tecnologias? Existia uma deficiência de escala. O Ocidente tinha o embargo a fim de evitar que a tecnologia, incluindo a tecnologia de criptografia, chegasse a países hostis. Isso afetou a Rússia, mas ela estava avançando devagar e tinha sua própria tecnologia, seus próprios programas de pesquisas e formas de vencer este embargo. O que realmente derrubou a União Soviética foi a manipulação do preço do petróleo, planejado conjuntamente com a Arábia Saudita, o que é muito interessante devido à recente decisão da Pick Oil de reduzir o preço do petróleo. Parece haver múltiplos fatores em jogo, mas talvez o mais importante seja a crescente produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos. Conheço vários russos que estão preocupados com este assunto. Temem que se repita o fenômeno que aconteceu na década de 1980: a Rússia, como a ex-União Soviética, é um país dependente da exportação de petróleo e do preço do petróleo. Um acordo entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos para destruir o preço do petróleo, destrói a sua economia. Isto aconteceu realmente, não é uma teoria.

A China limitou a entrada de empresas norte-americanas de tecnologia e criou os seus próprios Google e Twitter chineses, mas a Europa não o fez. O senhor acredita que a China fez isso como ameaça militar implícita ou por razões comerciais e de censura? É difícil dizer isso. A China tem uma longa história de adquirir tecnologia por meio de associações com outros países e depois tratar de fazer essa tecnologia local e endêmica. Esta noção de autossuficiência é comum dentro da cultura chinesa e do Partido Comunista Chinês, que querem trazer e ter sua própria versão de qualquer tecnologia que esteja se utilizando muito. Não sei se, necessariamente, foi o entendimento sobre para onde se poderia estar direcionando o Facebook e a sua importância na desestabilização política nas comunicações ou a evidência da coleta da inteligência dos Estados Unidos. Na realidade, se analisamos o caso da VK, que é o equivalente do Facebook na Rússia, comparado com a versão chinesa, esta última conseguiu se posicionar, em parte, porque a China colocou um firewall para que fosse mais difícil para as pessoas usarem o Facebook. O Badoo, o buscador chinês, também se tornou dominante devido a este firewall do Google. Observa-se que o caso da Rússia é bastante interessante para comparar as diferenças. O Yandex, o equivalente russo do Google, tem perto de 60% ou 70% do predomínio do mercado, mas não há firewalls. Então, esse predomínio do mercado deu-se simplesmente porque o Yandex é um melhor buscador para materiais redigidos em russo. De maneira similar ao VK, não houve proteção de firewall do Facebook na Rússia, e atingiu o predomínio pelo mesmo motivo: simplesmente foi uma versão melhor do Facebook. Então, se agora pensamos no contexto espanhol, no contexto latino-americano, será que a América Latina pode produzir a sua própria versão do Facebook, a sua própria versão do Google? Sem esta vantagem que os chineses tiveram de bloquear a concorrência com um firewall, o exemplo da Rússia demonstra que a resposta é sim.

O GPS é outro exemplo de uma ferramenta tecnológica civil que se utiliza como arma militar. Neste caso, a Europa criou o seu próprio sistema de navegação global com o Galileo. Será que a Europa não estava ciente dos problemas de segurança que o Google e outras companhias de tecnologia representam? A massa crítica de pessoas não estava. Certamente, as pessoas do BND (Serviço Federal de Inteligência alemão, Bundes-nachrichtendienst), o equivalente da Agência de Segurança Nacional, e do Quartel Geral de Comunicações do Governo, também estava ciente. Houve uma parte da qual participaram, porque estão envolvidos na atividade de intercâmbio de informações com os Estados Unidos. Existem vários assuntos envolvidos: o primeiro é a habilidade dos Estados Unidos para manter segredos e extrair informações do Google. O segundo é que o Google não divulga as suas relações com Departamento de Estado dos Estados Unidos nem o fato de que presta serviços para as forças armadas americanas. O terceiro é que as informações não surgiram das agências de inteligência europeias, não surgiram do nicho dos especialistas, nem chegaram aos agentes públicos que tomam as decisões, e nunca chegaram ao público em geral. Assim, não havia um número grande de pessoas informadas que poderiam tomar uma decisão.

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No seu livro, o senhor cita o CEO do Google dizendo que para o sistema de defesa norte-americano, o Google é, no século XXI, aquilo que a Loockheed Martin e os seus aviões foram no século XX. Isso é o que diz Schmidt, o CEO do Google.

Sim. E o senhor disse, ironicamente, que o McDonald’s não teria sido bem-sucedido em todo o mundo sem a existência do punho invisível da McDonnell Douglas, uma das maiores empresas de defesa. O Google permite que os Estados Unidos espionem empresas estrangeiras para oferecer informações confidenciais para as empresas norte-americanas? Em parte. A forma como funciona é baseada na nossa compreensão, a partir do material de Snowden.

No caso da Petrobras, por exemplo… Sim e de ex-membros do governo dos Estados Unidos. É feita uma ampla espionagem a respeito das companhias que são rivais de companhias dos Estados Unidos, como no caso do Google quanto à Petrobras, mas também sobre os órgãos reguladores. Outro exemplo: o regulador antimonopólio europeu, que está investigando o Google, era espiado pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Essas informações voltam e são difundidas dentro do Governo dos Estados Unidos.

O senhor falou sobre Rupert Murdoch. Ele teve de fechar o jornal News of the World após o escândalo das escutas telefônicas ilegais. A diferença entre os grampeamentos de telefones de Murdoch e as infiltrações da Wikileaks é que num caso são fofocas e, no outro, informações de valor público? A história do News of the World sempre me pareceu bastante inoportuna. Em 2009, escrevi um artigo no qual disse que, para o Reino Unido essa história era quase irrelevante, e a acusação era que esse tabloide tinha contratado investigadores particulares que acessaram as caixas de correio eletrônico e as secretárias eletrônicas de certas pessoas. No caso das pessoas que não tinham trocado a senha predeterminada, 1234, simplesmente copiaram esses números, receberam algumas das mensagens e forneceram algumas transcrições para o News of the World. Então, como a história se desenvolveu, parece que durante um tempo envolveu até 5 mil famosos e pessoas muito conhecidas no Reino Unido. Isto é completamente insignificante comparado com o que o GCHQ (Quartel Geral de Comunicações do Governo inglês) está fazendo, que é espionar cada pessoa que mora no Reino Unido e em outras centenas de países que têm telecomunicações e tráfico de dados com o Reino Unido. O tema central é que o jornal The Guardian é rival do The Times e da mesma empresa do News of the World, e essa rivalidade fez com que o The Guardian começasse a investigar os concorrentes. E acontece algo mais, muito interessante: Murdoch renunciou à sua cidadania australiana em favor da dos Estados Unidos para evitar a regulamentação sobre a concentração da propriedade da mídia nos Estados Unidos, mas, ainda assim, a sua agência de notícias não é britânica. É um invasor estrangeiro. Acredito que, graças à telefonia celular, os correios eletrônicos e demais, as comunicações dentro da estrutura do Reino Unido tornaram-se cada vez mais rápidas e mais unificadas. Imagine que, por um instante, ninguém pudesse se comunicar com ninguém, o que faria que todos se separassem. Portanto, quanto mais comunicações existirem entre as pessoas, mais unidas elas estarão. Por isso, acredito que se uniram de tal forma que começaram a deslocar este invasor externo. Isto é o que, em certa medida, aconteceu aqui com o jornal News of the World. Murdoch foi uma força preponderante e, às vezes, negativa para o jornalismo, mas o que aconteceu no Reino Unido em relação a ele não deveria ser visto de maneira positiva. Aqui tem grande player oficial: a BBC. Domina, quase por completo, toda a mídia, e é utilizada, de maneira muito agressiva como agente do estado quando a classe dirigente britânica quer fazer algum coisa como, por exemplo, invadir o Iraque ou, recentemente, o conflito com a Síria. É possível que muitos não saibam que a BBC tem colaborado durante décadas com a CIA em relação com algo chamado de FBIS, o Serviço de Informações de Emissões Estrangeiras. A BBC e a CIA dividiram o mundo para monitorar o que toda a imprensa local faz e, assim, intercambiar os resultados desse monitoramento. Aqui no Reino Unido, isso é pago pelo governo britânico.

No século XIX, existiam as “câmaras pretas” nos escritórios centrais do serviço postal, onde, com técnicas especializadas, abriam, copiavam e fechavam de novo cartas de pessoas suspeitas, sem deixar rastos. Em 1844, houve um escândalo em Londres quando ficou conhecido que as cartas do escritor exilado Giuseppe Mazzini eram lidas porque, com essa informação, assassinaram, na Itália, seus revolucionários. O ser humano é igual: a tecnologia m muda, mas não as atitudes?Sim.

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A batalha, então, é pela ética? Não tenho certeza se os seres humanos não mudam muito com o tempo. Se você lê literatura grega ou romana, ou obras teatrais gregas, os seres humanos e os amplos parâmetros da ética não mudaram muito ao longo do tempo. Você não deve trair seu pai ou seu irmão, deve tratar bem os seus amigos, ser honesto nos seus acordos. O que mudou muito com o tempo é a tecnologia e os seres humanos. Então, devem se adaptar à tecnologia para não se tornarem incapazes. Porque se um grupo se adapta a ela e outro grupo não, o grupo que se adapta terá todo o poder e o outro deixará de fazer parte da história. Às vezes, uma ideia pode se difundir, se você pensa numa ideia como um tipo de tecnologia que faz funcionar o cérebro humano. Considere-o como um programa ou algo que se estende de um computador para outro, uma ideia pode se estender de uma pessoa para outra.

A infraestrutura muda a superestrutura? Sim, é interessante especular de todas as formas, se eu suspeito que estas ideias só foram bem sucedidas, em mentes humanas, quando mudou aquilo que está acontecendo ao seu redor. Uma maneira diferente de viver a vida, devido à invenção da panela ou da chaminé, ou da bomba ou do telefone. Isto muda a maneira pela qual os seres humanos vivem as suas vidas. Quando os seres humanos mudam a maneira na qual vivem as suas vidas, suas mentes começam a se interessar por ideias diferentes porque necessitam de novas ideias para refletir a mudança que está se produzindo ao seu redor. Portanto, devido à mudança tecnológica que ocorreu, nos encontramos num estado no qual também vão se expandir as novas ideias, em especial aquelas a respeito de como um ser humano deveria viver a sua vida.

Como imagina o WikiLeaks daqui a cinco anos? O mundo está mudando tão rapidamente que cinco anos parece tempo demais, e é difícil dizer. Tivemos este grande conflito com os Estados Unidos durante quatro anos, de maneira séria. Sim, eu predisse quando começamos, quando estabelecemos esse conflito em 2010, que levaria de cinco a sete anos para solucioná-lo. Desta forma, acredito que é difícil predizer exatamente como se verá o Wikileaks daqui a cinco anos, mas participamos de vários desenvolvimentos tecnológicos de longo prazo, publicamos quase 8 milhões de documentos, temos um motor de buscas que é significativamente mais sofisticado do que o Google e busca esses documentos. Estamos integrando tecnologia como Bitcoin, por exemplo. Encontramos formas para vencer bloqueios bancários e outros. Então, se queremos seriamente fazer alguma coisa, só pode ser feito a partir de duas frentes. Número um, nova tecnologia que permite que novas coisas sejam feitas em escala. Fazemos algumas, inventamos algo e o mundo inteiro pode usá-lo. E número dois, criamos ideias ou conceitos que tenham uma aplicação geral e, quiçá, as pessoas podem adotar essa ideia. Em casos individuais, você sabe que fizemos coisas importantes, como publicar estes acordos comerciais, que são uma espécie de Santo Graal para o jornalismo, em relação a estes convênios, os quais têm valor estratégico, coisas tais como o TPP (Acordo Estratégico Transpacífico de Associação Econômica) e o TISA (Acordo sobre o Comércio de Serviços). Em definitivo, esses casos individuais de jornalismo não podem ser insignificantes, mas jamais poderão ser tão significativos como algo que pode chegar ao mundo inteiro, de maneira permanente.

O senhor imagina um Wikileaks na Argentina e no Brasil investigando corrupção? Para nós, que frequentemente lidamos com estes casos, existes tantos escândalos que teríamos que aumentar, drasticamente, o número de funcionários que temos. O problema, então, é que você não pode ter a mesma qualidade. Não pode ter pessoas realmente diligentes que estejam acostumadas a se envolver com procedimentos de segurança, que sejam suficientemente boas como para tratar com o Departamento de Estado, e a Agência Nacional de Segurança e a CIA. Essas pessoas são simplesmente excepcionais demais e são caras.

É difícil publicar quando as informações vão contra o que a maioria da mídia de um país representa? Muito difícil e o seu problema é básico. Você quer que a sua publicação tenha impacto. Portanto, quer uma organização com reputação para publicá-la e que as pessoas confiem nas informações. Mas a reputação é valiosa e poderosa. Quando uma organização chega a ser poderosa, é convidada para sentar-se à mesa com o poder, tanto no nível de organização quanto no nível social para as pessoas nessa organização. Elas são corrompidas pelos mesmos grupos que deviam vigiar.

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Por que o senhor acredita que Snowden decidiu infiltrar os seus documentos através do jornalista do The Guardian, Glenn Greenwald, em vez de fazê-lo através da Wikileaks? O The Guardian publicou, nos seus livros, que Edward Snowden estava ameaçando ir ao Wikileaks, mas que se desviou depois que um intermediário ponderou que, devido ao fato de eu estar nesta embaixada, era muito perigoso se comunicar comigo.

Por que as pessoas continuam abrindo contas no Gmail, Facebook, Twitter e outras redes sociais, após todas estas denúncias? À maioria das pessoas não se preocupa em ser monitorada? Acho que elas não têm certeza de que existe esse monitoramento porque não podem ver. A Agência de Segurança Nacional é como Deus. Então, qual é a reclamação? A reclamação é que se tem algo invisível aí fora que observa e registra tudo aquilo que fazemos, mas não podemos vê-lo. E os seres humanos viraram céticos, perante essas denúncias, e dizem: “Sim, é importante e é certo”, e, logo mais, ignoram as regras. Não durma com a mulher do outro, não roube, etc. As pessoas dizem: “Sim, acredito que Deus existe”. Mas, em seguida, vão e fazem todas essas coisas que demonstram que, na realidade, não acreditam. Devido à complexidade e à reserva que rodeia as atividades da Agência de Segurança Nacional, as atividades do Google, as pessoas não acreditam realmente que isto aconteça.

Alan Turing, pai da inteligência artificial, também foi criptografista e, na Segunda Guerra Mundial, isso permitiu à Inglaterra decifrar o código militar nazista, mas também ele foi acusado do que, naquela época, consideraram um crime sexual. Durante esses anos de perseguições e acusações de crimes sexuais na Suécia, alguma vez pensou em Turing e quão injustas são as sociedades com aqueles que se adiantam à sua época? Estudei Turing anteriormente e, certamente, este último filme sobre ele, The Imitation Game [O Jogo da Imitação], não é muito bom. O uso de acusações sexuais para atacar os indivíduos tem, logicamente, uma longa história. Aquilo que considero interessante é que, nestes tempos, os ataques funcionam de uma maneira muito eficaz. O outro aspecto interessante para mim é que temos uma situação nas quais ambas as mulheres, no meu caso na Suécia, negaram ter sido violentadas. Isto está na ocorrência policial.

Qual diferença ontológica existente entre os documentos norte-americanos, que a Wikileaks revelou, e o chamado caso dos “Papéis do Pentágono” sobre a Guerra do Vietnã, publicados pelo The New York Times e pelo The Washington Post nos anos 70, e com os quais eles ganharam prêmios Pullitzer, e que também foram tirados clandestinamente por um funcionário do Pentágono? É relativamente similar.

Mas Daniel Ellsberg, finalmente saiu livre na década de 1970 e, agora, Manning foi sentenciado a 35 anos de prisão. Ah, entendo ao que se refere. Tem dois fatos importantes envolvidos. No primeiro lugar, durante o caso dos Papéis do Pentágono, os democratas eram a oposição, Nixon estava na Casa Branca e uma corrente de acontecimentos que surgiram a partir do caso dos Papéis de Pentágono, levou à descoberta do Watergate. E o relatório, mais adiante, indicou que Daniel Ellsberg, efetivamente, tinha sido politicamente correto em relação com os democratas. Então, ele foi apoiado por uma grande constelação de poder que o usou como um meio para atacar à admi­nistração de Nixon.

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“De Watergate a Wikileaks” demonstra como a atmosfera da liberdade de expressão e o apreço pelo jornalismo tem diminuído nestes quarenta anos? É o que Daniel Ellsberg diz. É certo que o procedimento que se utiliza num Tribunal é mais exigente na atualidade. E também existe uma maior concentração de poder na mídia dos Estados Unidos.

E, ao mesmo tempo, o 11 de setembro afastou os Estados Unidos da tradição da livre expressão, dos direitos humanos. Penso que isso, de qualquer maneira, já estava ocorrendo e o que o 11 de setembro ajudou.

O senhor acha que a situação de Manning mudará? É pouco provável que cumpra a totalidade da pena. Ele poderia comparecer perante a Câmara de Apelações do Exército dos Estados Unidos, mas, em teoria, o máximo que cumpriria seriam sete anos e já transcorreram quatro.

O mesmo que com você. Não seria bom que Hillary Clinton se envolvesse. Se os democratas estivessem na oposição, acredito que as coisas melhorariam. É difícil enxergar para onde os Estados Unidos estão se direcionando. De um lado, e é para lá onde o jornalismo ocidental está indo, existe mais integração quando se a administração é democrata. Não pode haver maior transgressão, contra a população, do que um governo que decide assassinar indivíduos de forma arbitrária. Do outro lado, vemos eventos como os que acompanhamos em Ferguson, a descriminalização da maconha no Estado de Washington, a diminuição, ano após ano, do apoio à pena de morte que atualmente está em 54% e, em alguns anos, ficará abaixo de 50%. Acredito que a história verá isso num sentido muito positivo. Fizemos campanha durante quatro anos para reconhecer Bradley Manning como prisioneiro político. A Anistia Internacional juntou-se a nós nessa campanha e, precisamente, há poucos dias transformaram isso numa das partes centrais da sua campanha de dezembro.

O senhor se sente responsável por Manning? Não num sentido, porque a alegação de Manning é que ele não seguiu os procedimentos de segurança. Ele falou com mais pessoas, não falou só conosco, e foi traído por alguém que garantia ser um jornalista dos Estados Unidos. Mas no sentido de que estamos envolvidos nesta, sim.

Tem algo que eu não perguntei ao senhor e que queira dizer para acrescentar a esta entrevista? O importante é não ceder nunca e, se olharmos para o essencial da América Latina, ela está numa posição muito melhor para a colaboração e independência do que aquela na qual está, ou estava, a União Europeia, podendo se incluir também a população mais jovem.

Continua sendo otimista. Sou ciente da grande maioria dos problemas. Mas, de certo modo, essa é uma visão otimista desses problemas porque essas são coisas que foram identificadas e que podem ser superadas.

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