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“Há muitos mitos sobre a concessão de asilo na Alemanha”, diz embaixador do país no Brasil

Por Da Redação
4 out 2015, 08h54

Antes de assumir a Embaixada da Alemanha em Brasília, Dirk Brengelmann ocupou importantes cargos diplomáticos em seu país e na Europa, como os de encarregado para a Política Internacional de Cibernética do governo de Angela Merkel e de secretário-geral adjunto da Otan, a aliança militar ocidental, em Bruxelas. Em entrevista ao site de VEJA, Brengelmann aproveitou-se dessa experiência para falar sobre guerra virtual e os novos desafios militares da Europa. Ele explicou, também, o significado histórico da recepção alemã aos refugiados sírios. “A memória dos duros tempos pós-II Guerra, que obrigou muita gente a fugir, ainda está viva.”

O que a Europa tem feito de concreto para resolver a crise dos refugiados? A Europa, principalmente a Alemanha e a Suécia, recebeu uma grande quantidade de refugiados nas últimas semanas. Só na Alemanha está prevista a chegada de 800.000 pessoas este ano. Por razões humanitárias, a chanceler Angela Merkel disse que o país está disposto a assumir sua parte na responsabilidade de receber a maioria dos asilados políticos, mas ela também deixou claro que este é um tema de solidariedade europeia e que outros países precisam participar. Recentemente ocorreu um encontro entre os chefes de governo da União Europeia em Bruxelas, em que se chegou a um consenso em relação à necessidade de financiar, com 1 bilhão de euros, melhorias nos campos de refugiados em países vizinhos à Síria, como o Líbano, a Jordânia e a Turquia, onde vivem milhões de pessoas que fugiram da guerra. É preciso garantir boas condições de moradia para os refugiados nesses lugares. Além disso, concordou-se em erguer centros de registro nas fronteiras externas da União Europeia, para melhorar o processo de análise dos pedidos de asilo e fazer a distribuição dos refugiados para outros países, quando for o caso. Alguns dias antes, no encontro dos ministros do Interior europeus, acertou-se a realocação de cerca de 120.000 refugiados dentro da Europa, principalmente os que estão na Grécia, onde os números são demasiadamente altos.

Dirk Brengelmann, embaixador da Alemanha no Brasil
Dirk Brengelmann, embaixador da Alemanha no Brasil (VEJA)

Há algumas semanas, refugiados que estavam sendo impedidos de embarcar rumo à Europa Central em uma estação de trem em Budapeste, na Hungria, clamavam “Alemanha, Alemanha!” e mostravam cartazes com o rosto da chanceler Angela Merkel. Como é para um alemão ver essas cenas? Curiosamente, até cidadãos brasileiros mostraram-se agradecidos pela disposição da Alemanha em receber os refugiados. Algumas senhoras vieram entregar flores na porta da embaixada, por exemplo. Em nosso país, depois da II Guerra Mundial, uma parcela significativa da população era de refugiados em busca de um lugar seguro para se estabelecer. Os alemães, portanto, já viveram algo parecido com a situação enfrentada atualmente pelos sírios. Essas memórias estavam muito vivas na recepção que milhares de alemães deram aos refugiados na estação de trem em Munique, há algumas semanas. Além disso, a Alemanha tornou-se um país internacional. Recebemos em décadas passadas um grande número de imigrantes, os chamados “trabalhadores convidados”, muitos dos quais estão integrados à sociedade alemã. Atualmente, 20% da população pertencem a famílias de imigrantes. Metade desse grupo tem cidadania alemã. Basta lembrar do time que ganhou a última Copa do Mundo – o que no Brasil talvez seja do conhecimento de todos -, em que muitos dos jogadores tinham ascendência estrangeira .

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Por que tantos refugiados querem ir para a Alemanha? Há muitos fatores. Além da estabilidade econômica, isso tem a ver com o fato de que a Alemanha, nas últimas décadas, se consolidou como um ator responsável nas questões internacionais, com prioridade para os direitos humanos, e passou a ser vista como uma nação comprometida com a paz. A economia alemã é atrativa, mas também nossa cultura e nossa sociedade vêm ganhando confiança externa. Obviamente ficamos muito orgulhosos que, 70 anos depois da II Guerra, as pessoas busquem o país, porque demonstra que conseguimos recuperar rapidamente o respeito da comunidade internacional. Esta semana, no dia 3 de outubro, comemoramos 25 anos da Reunificação Alemã. Que possamos desfrutar dessa confiança apenas um quarto de século após a reunificação nos deixa muito orgulhosos.

Por que, por outro lado, outros países se recusam a receber refugiados, ainda que em números bem menores do que a Alemanha? Na reunião dos ministros do Interior, houve quatro países que votaram contra a redistribuição de 120.000 refugiados. Há, além disso, posições divergentes sobre quantas pessoas cada país deve receber e sobre como fazer isso. Em muitos países, inclusive na Alemanha, há cidadãos com medo de perder postos de trabalho ou que se preocupam com o estranhamento cultural provocado pela chegada de tantos estrangeiros. Devemos levar essas preocupações a sério. O que não aceitamos são manifestações de xenofobia que às vezes descambam para a violência, como ataques a casas de asilo. O governo alemão se colocou claramente contra isso. Predominou, na Alemanha, a grande disposição em ajudar quem acabou de chegar das regiões de conflito. Mas também há algumas vozes dizendo para tomar cuidado para que o peso de receber essas pessoas não se torne grande demais, inclusive porque isso traria o risco de alterar a atmosfera política no país.

O governo alemão se arrependeu de ter sinalizado que receberia um grande número de refugiados? Certamente não. Primeiramente, tínhamos uma emergência humanitária. Por isso a chanceler Merkel sinalizou que era preciso agir rapidamente frente à chegada dos refugiados, principalmente da Síria. Mas ela também foi muito clara ao dizer que era hora de a Europa assumir em conjunto esse papel de solidariedade. Por fim, foi dito também que tudo tem quer ser feito de maneira ordenada, facilitando-se os procedimentos de asilo nas fronteiras externas da Europa. Na Alemanha, os procedimentos para a análise de pedidos de asilo também estão sendo aprimorados. Outra enorme tarefa diante de nós será absorver os refugiados no mercado de trabalho e integrá-los à sociedade de maneira geral. Na Alemanha, estamos levando esse desafio muito a sério.

Ao passar a impressão de que abriu as fronteiras, a Alemanha não está estimulando outras pessoas a se aventurar na perigosa travessia para a Europa? Há muitos mitos sobre o que a Alemanha disse ou decidiu sobre o assunto. Nas redes sociais, se espalharam algumas informações erradas, como a de que na Alemanha se trabalha pouco ou que construímos uma casa para todo refugiado que chega. A Alemanha não dá asilo político para quem emigra por motivos econômicos, ou seja, que sai de países que nós classificamos como seguros. Infelizmente, não podemos controlar todos os boatos. O importante é que estamos no processo de estabelecer os procedimentos para assumir de maneira ordenada esse papel humanitário para os refugiados, principalmente os sírios, que chegam à Europa pelos Balcãs.

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As regras para asilo são mais fáceis na Alemanha? As regras básicas não são diferentes das de outros países. O que varia é a ajuda que os refugiados recebem em cada país. Há diferenças em relação à ajuda de custo que eles recebem logo ao chegar e ao tempo que precisam esperar antes de poder procurar um emprego, algo que na Alemanha é mais demorado do que em outros países. Estamos tentando encurtar esse tempo, para que os refugiados possam ser absorvidos mais rapidamente no mercado de trabalho. Mas o princípio básico do asilo político é o mesmo em toda a Europa.

A Otan pode ter um papel mais ativo na crise dos refugiados? Por exemplo, combatendo a raiz do problema, que é a guerra civil na Síria? Na crise dos refugiados, não vejo a Otan com um papel relevante. Há um grande interesse em ampliar o diálogo sobre o conflito, mas a participação da Otan na Síria ainda não está em discussão. O que de fato vem ocorrendo na Otan é, infelizmente, uma necessidade renovada em cuidar da defesa coletiva, por causa da situação na Ucrânia e pelas ações da Rússia. Com isso, tudo o que se refere ao artigo 5 (trecho do Tratado do Atlântico Norte, de 1949, que diz que um “ataque armado contra um ou mais países membros será considerado uma agressão contra todos.”) ganhou importância. Nós não queremos que o diálogo com a Rússia seja rompido, mesmo que digamos com clareza que a anexação da Crimeia e a desestabilização da Ucrânia não são aceitáveis. É evidente que os nossos parceiros no Leste Europeu e também no Báltico estão muito preocupados, e nós expressamos com muita clareza a solidariedade da Otan com estes países. Foi criada uma Força de Resposta Rápida, na qual a Alemanha, em conjunto com outros países, assumiu um papel de liderança. A Alemanha também faz policiamento aéreo nos países bálticos. Ou seja, foram tomadas medidas para demonstrar nossa solidariedade com essas nações. Há também uma importante função desempenhada pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa, que faz missões de monitoramento na Ucrânia para vigiar a implantação do acordo de Minsk (que estabeleceu um cessar-fogo no conflito no leste do país). A Alemanha terá no próximo ano a presidência dessa organização.

As guerras cibernéticas são uma previsão para o futuro ou estão ocorrendo sem que a maior parte da população tome conhecimento? O que acontece no espaço virtual, por definição, é difícil de descrever em toda a sua extensão. Primeiro, há a espionagem cibernética entre estados, que afeta de maneira muito intensa a economia. Na imprensa sempre aparecem grandes números sobre os danos que a espionagem cibernética causa na economia dos países. É muito difícil definir quem são os responsáveis por esses ataques. Segundo, existem os chamados crimes virtuais, que atingem principalmente os cidadãos. É o caso do roubo de dados de cartões de crédito. Terceiro, há os ciberataques, ou seja, operações virtuais que podem ser utilizadas para desestabilizar um governo. Também nesses casos costuma ser muito difícil saber de onde partem os ataques. A Alemanha e o Brasil defendem que se tenha uma maior cooperação internacional sobre esses temas e têm trabalhado juntos, em diversas frentes, para atingir esse objetivo. Quanto às guerras cibernéticas, acho que ainda não são uma realidade. Eu já trabalhei nessa área e leio sempre os cenários de terror que muitos analistas pintam sobre isso. Já ocorreram, sim, algumas operações cibernéticas como parte de um conflito mais amplo. O maior problema é que elas têm o poder de provocar a desconfiança entre os países. E essa desconfiança pode se tornar o estopim para o início de um conflito. Esse é o maior perigo, e o motivo pelo qual esses ataques cibernéticos precisam ser levados a sério. Precisamos nos esforçar no âmbito da cooperação internacional para encontrar normas para lidar com esse fenômeno.

O recente episódio envolvendo a Volkswagen, que produziu carros capazes de burlar as vistorias ambientais, tem o potencial de atrapalhar as exportações alemãs? O governo alemão está levando esse tema muito a sério. A chanceler exigiu explicações sobre o ocorrido. O ministério dos Transportes está em contato direto com a Volkswagen. A preocupação se justifica por se tratar de algo que afeta a confiança nos produtos alemães. Como isso vai impactar na empresa ou em outros fabricantes de automóveis não é possível prever. Tudo depende do tamanho da perda de confiança. Pelo que se vê da reação ao fato nos Estados Unidos, fica claro que lá o episódio também foi levado muito a sério.

(Da redação)

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