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“EUA falharam e ajudaram o terror”, diz especialista autor de livro sobre o Estado Islâmico

Michael Weiss, jornalista e analista político, aponta os erros do governo americano no Oriente Médio. Para ele, as prisões americanas no Iraque ajudaram a construir o atual EI

Por Julia Braun e Diego Braga Norte
22 ago 2015, 08h08

Os Estados Unidos falharam em sua campanha antiterrorista no Iraque e abriram brechas para o crescimento de organizações extremistas como o Estado Islâmico (EI), diz Michael Weiss, jornalista americano, analista e colunista da revista de relações internacionais Foreign Policy e autor de um dos mais recentes e completos livros sobre o grupo jihadista – Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror.

De acordo com Weiss, o sistema prisional americano no Iraque foi um dos grandes responsáveis pela radicalização dos terroristas que hoje lideram o Estado Islâmico. O jihadismo defendido pelo EI fermentou em uma prisão americana no Iraque chamada Camp Bucca, próxima de Bagdá. Enquanto estavam presos, seguros e bem alimentados, os extremistas arregimentaram presos comuns. “Se observarmos a liderança do EI hoje, incluindo Abu Bakr al-Baghdadi, todos ficaram presos em Camp Bucca. Isso não é coincidência. Essa foi a falha colossal de planejamento de guerra dos Estados Unidos: sua política de detenção”, disse o autor em entrevista ao site de VEJA.

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O especialista também discorreu sobre a atual força e futuro do EI, os métodos de cooptação de novos recrutas do grupo e a influência do ditador sírio Bashar Assad no complexo jogo político na região. Weiss, ao lado do analista sírio Hassan Hassan, conseguiu investigar a história, as convicções, objetivos e métodos do grupo terrorista que vem impressionando o mundo com sua crueldade. Os autores fizeram dezenas de entrevistas com oficiais militares, agentes de serviços de inteligência, diplomatas e até mesmo membros do EI para construir um perfil do grupo extremista.

Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror parte da trajetória de Abu Musab al-Zarqawi, fundador do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (nome original do grupo), explica sua aproximação com a Al Qaeda e detalha como a organização terrorista se reergueu após a intervenção do Ocidente no Iraque. Weiss e Hassan examinam também as estratégias de propaganda usadas pelos terroristas e elaboram perfis comportamentais dos integrantes do grupo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Em seu livro, o senhor menciona erros dos Estados Unidos na campanha no Iraque que ajudaram a consolidação de grupos extremistas. Em sua opinião, qual foi o maior erro dos EUA? Quando os americanos passaram o controle das prisões no Iraque para o governo iraquiano, muitas pessoas haviam sido presas por outros crimes, pessoas que não estavam tentando ir atrás dos americanos e não eram uma ameaça ao Estado do Iraque. E é aqui que está o colossal fracasso no planejamento dos EUA: as instalações de detenção, principalmente a de Camp Bucca, que é a maior. Quando capturávamos os jihadistas, nós os tirávamos de zonas de combate ativo, dávamos proteção a eles, três refeições por dia e assistência médica. Nós essencialmente demos a eles uma área para recrutar outros membros, descansar um pouco da guerra e coordenar futuros ataques. Muitas pessoas aprenderam como construir bombas em Camp Bucca. Presos por crimes bobos se tornaram radicais na prisão pelo contato com detentos leais à Al Qaeda. Se observarmos a liderança do EI hoje, incluindo Abu Bakr al-Baghdadi [chefe do EI que os EUA acreditam estar gravemente ferido], todos ficaram presos em Camp Bucca. Isso não é coincidência.

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Como acontece o processo de coerção e radicalização dos recrutas do Estado Islâmico? Muitas das pessoas que vão lutar com o EI não começam como islamistas ou jihadistas. Podem não ser sequer muçulmanos fiéis. Algumas das pessoas que entrevistamos disseram que foram atraídos pela guerra contra a presença de tropas estrangeiras e contra regimes corruptos, particularmente no Iraque e na Síria. Quando entraram, primeiro se juntaram a outros grupos rebeldes, mas se desencantaram com eles, pois achavam que também eram corruptos ou hipócritas. Os jihadistas do EI eram diferentes, diziam que não apenas criavam combatentes, mas mostravam a única forma real de ser muçulmano. É assim que eles agem, convencendo as pessoas de que a sua filosofia é o verdadeiro caminho para a iluminação espiritual e para qualquer forma de vida feliz. Os soldados são quebrados psicologicamente e são reconstruídos novamente à imagem do EI.

Esse é também o processo com os jihadistas ocidentais que vão para o Oriente Médio se juntar ao EI? Não é coincidência que muitos dos recrutas sejam adolescentes, tenham menos de 20 anos. Muitos deles vêm de um ambiente muito bom. São filhos de médicos ou advogados, de classe média, vivendo na Bélgica, França, Grã-Bretanha ou na Escandinávia. Mas, como tantos jovens em países ocidentais, muitos deles não têm um propósito, são adolescentes rebeldes, são um clichê. Os recrutadores do EI sabem encontrá-los e se aproveitar disso.

O governo dos EUA demorou em perceber a ameaça do Estado Islâmico? O presidente Obama subestimou o Estado Islâmico. Ele os chamou de “time júnior de terrorismo”. Isso aconteceu apenas seis meses antes de eles conquistarem um território do tamanho da Grã-Bretanha.

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Como o EI se tornou tão poderoso? Parte da explicação está nos erros cometidos pelos iraquianos e pelos americanos. Além disso, é preciso atribuir parte da responsabilidade ao regime do ditador sírio Bashar Assad, que facilitou as operações da Al Qaeda no Iraque até o início da guerra civil em seu próprio quintal, e mesmo depois.

Seu livro é claro sobre a importância do Irã no xadrez do Oriente Médio. Em que medida o recente acordo nuclear do Ocidente com os iranianos interfere nesse jogo? O Irã está mais poderoso agora. Ouvimos de muitas pessoas que está tudo bem porque o Irã está lutando contra os sunitas do EI. Acho isso uma tolice. Abu Musab al-Zarqawi dizia até pouco antes de o matarmos que a maior ameaça para a sua franquia não eram os americanos, curdos ou outras minorias como os cristãos, mas a maioria de xiitas no Iraque e, por trás deles, a Guarda Revolucionária do Irã. Zarqawi acreditava que os americanos afrouxariam suas forças no Iraque e acidentalmente entregariam o país ao Irã, a maior potência xiita da região. A propaganda do EI é muito efetiva e prega que os americanos infiéis, ligados aos judeus e aos xiitas querem eliminar os sunitas. Para o Estado Islâmico, esse acordo nuclear só certifica essa teoria da conspiração.

Seu livro dá a impressão de que grupos terroristas existirão para sempre no Oriente Médio. É uma visão muito pessimista? Não há dúvida de que em um futuro próximo não veremos a ameaça imposta pelo EI e outras organizações jihadistas encolher. Uma das principais razões é o fato de que a Líbia se tornou um Estado falido e um abrigo para todos os tipos de organização jihadista internacional. Elas brigam entre si, é verdade, mas têm um santurário onde se abrigar.

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Como essa guerra sectária entre vertentes de jihadistas afeta o Ocidente? Atualmente EI e Al Qaeda competem como as duas mais impressionantes franquias jihadistas. Uma das formas como vão competir é tentando explodir coisas no Ocidente. Então, agora, não temos apenas a guerra ao terror, mas também uma guerra dentro do terror, e essa guerra vai ser jogada com vidas ocidentais. Isso já tem ocorrido, na França, na Austrália, na Bélgica. E tende a piorar.

Recentemente, o ‘The New York Times’ publicou uma reportagem afirmando que o EI está se transformando em um Estado funcional que usa o terror como ferramenta. Esta é uma perspectiva aterrorizante… O Exército americano capturou recentemente alguns documentos reveladores na Síria. A conclusão de muitos que os analisaram é que o EI já se comporta e funciona como um Estado. Não uma nação propriamente dita, mas um Estado em construção, com funções definidas. Os jihadistas do EI têm pretensões de ser um Estado; eles não se chamam Estado Islâmico por nada. Em áreas ocupadas, eles se comportam como um Estado: controlam a Justiça, serviços sociais, escolas, policiamento, comércio.

Os EUA terão eleições presidenciais em 2016. Como o senhor acha que serão as políticas de combate ao EI do próximo governo? Quem quer que se torne presidente vai ser mais intervencionista do que Obama tem sido. Nós sabemos o lema de Obama: “Os EUA só tornam as coisas piores quando se envolvem no mundo”. Eu acho que vai haver uma mudança nessa área da política americana. Tem de haver.

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