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Escócia Vanguardista?

O nacionalismo escocês não foi criado por uma crise econômica recente, mas o plebiscito foi, afirma membro da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha

Por Robert Skidelsky
17 set 2014, 13h45

Como acredito que os escoceses são sensatos, penso que irão votar “não” para a independência esta semana. Mas, seja qual for o rumo que tome o pleito, a ascensão espetacular do nacionalismo, na Escócia e em outros países da Europa, é um sintoma de uma cena política doente.

Muitos agora estão convencidos de que a maneira como lidamos com as nossas questões atualmente não merece fidelidade inquestionável; que o sistema político encerrou o debate sério sobre alternativas econômicas e sociais; que os bancos e as oligarquias governam; e que a democracia é uma farsa. O nacionalismo promete uma fuga da disciplina de alternativas “sensatas” que no fim provam não oferecer alternativa alguma.

Os nacionalistas podem ser divididos em dois grupos principais: aqueles que genuinamente acreditam que a independência providenciará a saída de um sistema político bloqueado, e aqueles que a usam como ameaça para forçar concessões dos poderes estabelecidos. De qualquer forma, políticos nacionalistas aproveitam a enorme vantagem de não precisarem de um programa prático: tudo que é bom virá com a soberania.

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Embora políticas nacionalistas tenham sido suprimidas depois da II Guerra Mundial pela prosperidade econômica e pelas lembranças dos horrores do pré-guerra, a Europa oferece solo fértil para a sua volta. E não só pelo mal-estar econômico prolongado, mas porque praticamente todas as nações-estados da Europa contêm minorias étnicas, religiosas ou linguísticas geograficamente concentradas. Além disso, a incorporação desses Estados à União Europeia – uma espécie de império voluntário – desafia a lealdade dos seus cidadãos. Consequentemente, os nacionalistas podem esperar tanto que a Europa os proteja dos seus próprios Estados, ou que seus Estados os protejam do império europeu.

É por isso que a Inglaterra deu origem simultaneamente dois nacionalismos. O Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip), liderado pelo populista Nigel Farage, espera que Londres proteja a independência britânica da burocracia da UE. O Partido Nacional Escocês (SNP), liderado pelo astuto Alex Salmond, espera que Bruxelas proteja a Escócia do Parlamento “imperial” em Westmister. Dadas as condições adequadas, o nacionalismo sempre irá descobrir um “outro” contra o qual se definir.

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O nacionalismo escocês não foi criado por uma crise econômica recente, mas o plebiscito foi. A Escócia convocou o seu primeiro Parlamento regional em 1999, dando ao SNP uma plataforma política em Edimburgo de onde fazer uma campanha pela independência. A retirada do Partido Trabalhista do poder em Londres, em 2010, foi a maneira de os eleitores punirem a legenda pelo colapso econômico de 2008-2009. Mas, embora a punição do Partido Trabalhista tenha levado ao poder o Partido Conservador em Londres, também gerou uma vitória por maioria para o SNP em Edimburgo em 2011. Para manter a governabilidade na Escócia, o primeiro-ministro britânico David Cameron foi forçado a permitir um plebiscito sobre a independência.

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Um governo escocês independente enfrentaria enormes custos econômicos. Ele herdaria a sua parte da dívida do setor público do Reino Unido e futuras responsabilidades sem o benefício do subsídio considerável que atualmente recebe do Tesouro Britânico. O SNP alega que rendimentos adicionais de petróleo do Mar do Norte compensariam o subsídio. Mas esses rendimentos naturalmente têm tempo limitado, e o SNP falhou em mencionar os altos custos de desativação com que o país terá que arcar quando o petróleo acabar. Então, é quase certo que os impostos escoceses teriam que ser mais altos que os impostos do Reino Unido. Além disso, os principais bancos escoceses e muitas grandes empresas já disseram que transfeririam algumas de suas operações para Londres. A Escócia também ficaria ameaçada com a perda dos contratos de defesa britânicos.

De acordo com o SNP, a Escócia independente não causaria fragmentação no mercado interno do Reino Unido, porque manteria uma união monetária com a Inglaterra. Mas, além dos três principais partidos políticos ingleses, o Banco da Inglaterra rejeitou a ideia. Se os escoceses querem a soberania, vão precisar ter sua própria moeda – e o seu próprio banco central: nenhum credor de última instância estaria disponível para os bancos da Escócia.

A Escócia pode tentar manter a sua moeda em paridade com a libra esterlina, mas isso exigiria reservas maiores do que um banco central escocês poderia comandar, ao menos a princípio. E uma moeda escocesa que concorresse com a libra britânica significaria custos de transação elevados e comércio reduzido entre os dois países.

Também não há uma saída fácil, ao menos em curto prazo, para aderir à União Europeia, que pode muito bem exigir que a Escócia seja independente para se candidatar a membro. (Continue lendo o texto)

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Em suma, o sonho do SNP de democracia social em um país independente bateria de frente com as interdependências maiores que interligam os membros do Reino Unido, e que ligam o Reino Unido à União Europeia e a União Europeia ao resto do mundo globalizado. Nada disso intimida os nacionalistas escoceses.

Na marcha progressiva do nacionalismo da Europa pós-crise, seus porta-estandartes frequentemente utilizam a imigração para explorar ressentimentos pré-crise com a globalização, notavelmente a erosão de culturas e identidades, senso de comunidade em declínio, estagnação salarial, desigualdade crescente, bancos descontrolados e altos índices de desemprego. Eles questionam se as pessoas podem desfrutar dos benefícios da globalização e ao mesmo tempo serem protegidas dos seus custos – e que alternativas existem para o “fundamentalismo de mercado” que definiu o capitalismo desde fins do século XX.

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Nesta atmosfera, as pessoas estão mais inclinadas a minimizar os custos do nacionalismo – porque agora duvidam dos benefícios do seu rival, o capitalismo liberal. O russo médio, por exemplo, recusa-se a reconhecer os custos da política do seu governo em relação à Ucrânia, não só porque os subestima, mas porque de alguma forma eles parecem insignificantes comparados ao enorme incentivo psicológico que esta política traz.

O nacionalismo hoje não é de nem de longe virulento como era nos anos 1930, porque a angústia em relação à economia é muito menos pronunciada. Mas o seu retorno é um sinal do que acontece quando uma forma de política alega satisfazer todas as necessidades humanas, exceto o aconchego de pertencer a uma comunidade – e depois decepciona o povo.

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Robert Skidelsky é membro da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha e professor emérito de política econômica na Universidade de Warwick.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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