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Casos de ‘quase colisões’ entre aeronaves no Brasil e nos EUA alertam para riscos

Operações simultâneas de pouso e decolagem e aumento do tráfego aéreo mundial causam preocupação, mas tecnologias anticolisão minimizam perigo

Por Diego Braga Norte e Jean-Philip Struck
23 Maio 2014, 19h25

Houston, Texas, um piloto recebe orientação errada para virar à direita e quase colide com outra aeronave. Newark, Nova Jersey, um avião que estava decolando quase bateu em outro que estava pousando, na intersecção entre as duas pistas. Aracaju, Sergipe, um comandante aborta a decolagem depois que o sistema anticolisão captou um helicóptero perto demais. Notícias recentes sobre situações de quase colisão entre aeronaves chamaram a atenção para esse tipo de ocorrência e provocaram mudanças em ao menos um dos casos: em Newark, uma das pistas deixou de ser utilizada.

Em São Paulo, o aeroporto internacional de Guarulhos anunciou que pretende autorizar operações de pouso e decolagem simultâneas, como forma de desafogar o tráfego aéreo – parte das preparações da Copa do Mundo. Será o primeiro aeroporto brasileiro a adotar a prática, comum nos EUA. A diferença em relação ao sistema de Newark é que lá, as pistas se cruzavam, enquanto as de Cumbica são paralelas. De qualquer forma, operações simultâneas vão exigir mais atenção. “Operações simultâneas implicam um risco maior. Quando uma aeronave decola ou aterrissa, suas turbinas criam uma esteira de turbulência que podem prejudicar a estabilidade de outros aviões próximos. Dependendo das condições atmosféricas e do porte dos aviões envolvidos em uma situação como essa, pode acontecer um acidente mesmo sem ocorrer uma colisão”, analisa Elones Ribeiro, diretor da faculdade de ciências aeronáuticas da PUC-RS.

Atualmente, a aviação comercial conta com protocolos e mecanismos avançados para evitar colisões. Esses padrões e equipamentos foram evoluindo a partir de informações coletadas em acidentes. Segundo dados do Departamento de Transportes dos EUA, em 2012 (último ano com números disponíveis), pilotos relataram 85 ‘quase colisões’ no ar, sendo que doze foram consideradas críticas – evitadas apenas pela sorte, o que significa para as autoridades americanas, que os aviões ficaram a menos de 30 metros de uma colisão. No Brasil, a FAB considera que o risco é crítico quando a proximidade vertical e horizontal entre as aeronaves fica abaixo de 500 pés (150 metros).

Choque de ultraleves no DF

Há também casos que fogem de qualquer protocolo. No último dia 19, dois ultraleves se chocaram no ar perto do aeródromo Botelho, no Distrito Federal. As aeronaves faziam um voo conjunto, lado a lado, mas uma manobra mal executada casou a colisão. Um dos dois conseguiu pousar. A outra aeronave caiu sem controle e o piloto faleceu. O aeródromo particular tem mais de sessenta hangares e é usado para pousos e decolagens de aviões de pequeno e médio porte.

Apesar da aparência preocupante dos números americanos, os incidentes envolvendo quase colisões vêm caindo desde a década de 80. Em 1985, haviam sido registradas 758 nos EUA, sendo que 180 foram consideradas graves. A queda foi resultado em grande parte da reforma na comunicação do tráfego aéreo e da entrada em cena de modernos equipamentos. O principal deles é o Traffic Collision Avoidance System (TCAS, ou Sistema Anticolisão de Tráfego), um conjunto eletrônico que emite alertas quando uma aeronave está indo de encontro a outra.

No dia 14 deste mês, um piloto da companhia Azul que realizava um voo de Aracaju para Maceió com noventa passageiros a bordo relatou ter evitado um choque com um helicóptero graças ao sistema. Um vídeo mostrou o piloto anunciando para os passageiros que a aeronave foi forçada a frear devido ao risco de colidir apenas 20 segundos após a decolagem. Ninguém se feriu. Apesar do aviso emitido pelos equipamentos, a Força Aérea Brasileira (FAB) afirmou que o helicóptero se aproximava por outra rota e nunca houve risco de colisão.

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Homem x máquina – No Brasil, todas as aeronaves configuradas para transportar mais de dezenove passageiros ou que tenham peso de decolagem superior a 5,7 toneladas são obrigadas a contar com o TCAS, que funciona interligado ao transponder, equipamento que transmite dados precisos de posição do avião para centros de controle e outras aeronaves. Usando o transponder, o TCAS consegue detectar se outro avião em rota de colisão com 20 a 40 segundos de antecipação, e emite um alerta sonoro em inglês que diz Traffic! Traffic! (Tráfego! Tráfego!). Se as ações imediatas do piloto não forem suficientes, o sistema entra no modo RA (resolução de tráfego) e uma voz ordena “climb, climb” (subir, subir), “descend, descend” (descer, descer), ou ainda “monitor vertical speed” (monitore a velocidade vertical), para manter a altitude.

Se as duas aeronaves envolvidas no incidente dispuserem do sistema, os dois computadores podem “conversar” entre si e indicar procedimentos de segurança diferentes para cada avião, evitando que sigam o mesmo caminho de fuga. Desta forma, os TCAS conseguem indicar “descend” para um dos pilotos e “climb” para o outro. Os aviões menores também podem contar com uma versão do equipamento, o Portable Collision Avoidance System (PCAS), que custa a partir de 500 dólares em sites americanos.

Ainda assim, é preciso considerar também as interferências humanas. No quase acidente de Houston, o controlador percebeu a tempo que havia emitido uma instrução errada e ordenou o piloto a interromper a manobra de virar e subir. A imprensa americana divulgou ainda gravações posteriores nas quais um piloto pergunta a outro se ele viu o que aconteceu. “Vocês basicamente cruzaram um diretamente por cima do outro”, disse um dos comandantes, segundo informação do USA Today. O piloto do voo que recebeu a informação equivocada acrescenta: “Eu acho que ele deveria ter nos orientado a virar à esquerda”.

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Acidentes fatais – No acidente com o voo 1907 da Gol que se chocou um Legacy da Embraer em 2006, o relatório da investigação apontou falhas do controle de tráfego, que colocou os dois aviões na mesma rota. Mas os problemas foram agravados pela decisão dos pilotos americanos do Legacy de desligar o transponder. Sem o equipamento, o TCAS da aeronave ficou sem funcionar e o sistema do avião da Gol não conseguiu detectar a ameaça.

E, mesmo quando os sistemas estão ligados, a interferência humana pode entrar em cena e causar um acidente. Em 2002, um Tupolev que transportava sessenta pessoas (45 delas crianças) e um cargueiro Boeing 757 se chocaram nos céus de Überlingen, na Alemanha. As investigações revelaram uma série de problemas, entre eles o fato de o controle aéreo da região estar sob responsabilidade de uma empresa terceirizada sediada na Suíça. Além disso, apenas um funcionário estava de prontidão no momento, acumulando duas telas de controle enquanto um colega descansava – uma prática irregular. Mais grave, porém, foi o fato de que, ao perceber que os dois aviões rumavam para uma colisão, o controlador deu instruções conflituosas para o Tupolev. O TCAS dos dois aviões já havia entrado em ação e instruiu que o Tupolev subisse e o Boeing descesse. Só que o controlador mandou o avião russo descer. Confusos, os pilotos do Tupolev resolveram obedecer ao controlador. Sessenta e nove pessoas morreram.

Hoje, quando as orientações dos operadores forem conflitantes com as informações do TCAS, a recomendação das companhias aéreas é para os pilotos seguirem o aparelho de segurança. De acordo com o professor Ribeiro, o TCAS é um aparelho extremamente preciso e sempre se manifesta após “conversar” com o sistema de outras aeronaves, o que minimiza riscos. Versões mais modernas já incluem um “recalculo” da ordem caso um dos pilotos escolha desobedecer a máquina ou ouvir instruções contrárias de um controlador. Assim, se um dos comandantes receber a ordem de subir por parte do computador e mesmo assim descer, quem está no controle da outra aeronave vai receber imediatamente uma nova ordem para evitar o choque.

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De acordo com dados da Federal Aviation Administration (FAA), o órgão que cuida da aviação civil nos Estados Unidos, a maioria dos choques entre aviões ocorre abaixo de 1.000 metros (3.000 pés). Dados de 105 acidentes ocorridos nos anos 60 mostraram que 77% das colisões ocorreram perto de aeroportos, no momento da aproximação final ou da decolagem. Um manual da FAA sobre como evitar colisões põe ênfase tanto nos instrumentos quanto na capacidade dos pilotos, afirmando que vários acidentes ocorrem porque a tripulação não estava atenta. “Na maioria dos casos um dos pilotos envolvidos poderia ter visto a outra aeronave e evitado o choque”. Dessa forma, o manual sugere que os pilotos olhem regularmente pela janela do cockpit para observar o ambiente.

“O tráfego aéreo mundial aumentou muito. Na Europa e Estados Unidos é comum ter pousos e aterrissagens simultâneas, mas os problemas que acontecem são responsabilidade do sistema como um todo e não apenas de fulano ou beltrano”, pontua o professor da PUC. “As torres de controle dos aeroportos têm um raio de ação limitado a apenas 5 quilômetros. No ar, voando em altitude de cruzeiro, o responsável pelo avião é o Centro de Controle que monitora a área. Depois, o avião passa para o Controle de Aproximação, que é outra instância, e só por último ele passa a ser orientado pela torre de comando dos aeroportos. As transições entre as determinadas áreas de controle devem ser muito precisas, mas sempre pode haver falhas de comunicação, pane nos radares, erro humano e outros riscos”.

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