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Aleppo nunca mais

Em artigo, Javier Solana condena a série de fracassos internacionais na Síria e ressalta que cada colapso teve desdobramentos desastrosos

Por Javier Solana*
23 jan 2015, 16h26

Já se passaram quase quatro anos desde os primeiros protestos em Damasco e o início da guerra civil síria. Em todo o país, mais de 240 mil pessoas morreram. Outros 7,5 milhões perderam suas casas ou fugiram do país, tornando-se refugiados. A Síria está se afogando em um conflito sangrento, cruel e sem sentido. É hora de dar um basta – partindo da devastada cidade de Aleppo. Não será fácil suspender a luta. Será necessária a coordenação e a cooperação de rivais regionais e globais. Mas a chance de fechar um cessar-fogo não é apenas uma oportunidade para acabar com um desastre humanitário; poderia também marcar o início de uma nova abordagem para a resolução e prevenção de crises em outros lugares.

Aleppo é uma das cidades habitadas mais antigas do mundo – e um dos campos de batalha mais sangrentos na guerra. A antiga cidade murada é um dos seis locais de Patrimônio Histórico Mundial da Unesco na Síria. Uma boa parte dela já foi irreversivelmente destruída. Hoje, Aleppo está sob o controle de rebeldes – cercada pelo Exército sírio. Militantes leais ao Estado Islâmico espreitam a algumas dezenas de quilômetros de distância.

A série de fracassos internacionais neste conflito, até agora, é indesculpável. Cada colapso subsequente nas negociações, incluindo as conversações em Genebra , não apenas levou para longe paz, mas tem também contribuiu para os desastrosos desdobramentos, incluindo o ressurgimento do terrorismo extremista e o surgimento do Estado Islâmico.

Um cessar-fogo em Aleppo não pode mais ser adiado. Enormes esforços humanitários serão necessários para abordar a situação catastrófica que a guerra deixou, e imensa dedicação do enviado especial das Nações Unidas, Staffan de Mistura, será decisiva.

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Felizmente, os dois principais aliados do presidente sírio, Bashar Assad, Irã e Rússia, têm motivos para buscar um cessar-fogo. A queda dos preços do petróleo e as sanções econômicas afetaram aos dois países. O Irã se sente cada vez mais desfalcado pelo apoio econômico oferecido ao Exército da Síria e ao Hezbollah no Líbano, enquanto as autoridades da Rússia, agora também estão enfrentando uma crise financeira e estão lutando contra a “tempestade perfeita”. Ambos os países também têm motivos para demonstrar que podem contribuir para a estabilidade regional e global – o Irã, especialmente, já que as negociações internacionais sobre seu programa nuclear se encontram em estado crítico.

Se a Rússia e o Irã ameaçarem retirar o apoio, Assad não terá nenhuma opção além de sentar-se à mesa. No entanto, o maior obstáculo para uma trégua é o mesmo que se apresentou durante as negociações sobre armas químicas da Síria: qualquer acordo exigirá aceitar Assad como parceiro nas negociações.

Se um cessar-fogo for alcançado nesta fase, ele vai refletir a rápida mudança na natureza do ambiente geopolítico atual. Interromper os combates exigirá que os Estados Unidos, a União Europeia, a Rússia, o Irã e possivelmente a Arábia Saudita e o Catar trabalhem juntos em direção a um objetivo comum. Para alcançar resultados no futuro, as coalizões internacionais terão de ser mais amplas, mais inclusivas e mais representativas dos interesses de todos.

Hoje, vários “polos” estratégicos estão disponíveis, cada um com a capacidade de atrair e influenciar. Neste contexto multipolar, uma ação unilateral falhará cada vez mais em atingir os seus objetivos. Se as negociações até agora tivessem reconhecido esse aspecto e tivessem sido realizadas com mais tenacidade, o conflito na Síria poderia ser ter sido resolvido há muito tempo, evitando muitas mortes e destruição.

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Para a Europa, o colapso da Síria deve servir como um despertar. As dificuldades apresentadas lá não se limitam ao cronicamente instável Oriente Médio e a Europa deve enfrentar a situação imediatamente. Mas o poder do polo de atração europeu está diminuindo. Mesmo que a UE continue a lutar com o mal-estar econômico, ela se encontra no meio de um redemoinho geopolítico crescente, com crises na Ucrânia, Rússia, norte da África e no Oriente Médio, cada um apresentando desafios importantes.

A União Europeia tem de reconhecer que não é mais o centro em torno do qual giram seus vizinhos. Como Stefan Lehne, professor visitante na Carnegie Europe, recentemente colocou, a Europa passa por uma revolução copernicana. A realidade de um mundo multipolar é que outros jogadores podem atrair e influenciar. Por exemplo, a China está trabalhando para restaurar o último trecho da antiga Rota da Seda para alcançar os portos do Mediterrâneo. Esse trecho passa no meio dos Balcãs.

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O Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker pediu ao novo comissário de política regional, Johannes Hahn, para fazer recomendações destinadas à redefinição da Política Europeia de Vizinhança, a estrutura através da qual a UE refere-se à sua urgente geopolítica. A política precisa de uma revisão completa. Já não faz sentido aplicar uma norma única. A oferta da UE não é mais exclusiva e enfrenta a concorrência de outras estruturas para integração, outros atores e um leque de oportunidades estratégicas. Neste contexto, pode ser igualmente importante considerar os vizinhos dos vizinhos da Europa.

A política europeia de vizinhança deve ser mais flexível. O condicional claramente falhou em entregar os resultados pretendidos, porque, em última análise, seu sucesso depende da vontade dos países em aceitar a agenda europeia. Países que são considerados estrategicamente importantes vão exigir mais atenção e mais comprometimento.

A política internacional está testemunhando uma alteração excepcional e de grande alcance. A menos que a multipolaridade seja atingida com uma abordagem multilateral eficaz, problemas como a guerra civil na Síria se tornarão muito mais frequentes – e mais difíceis de resolver. A Síria e sua maior cidade são o lugar perfeito para começar a buscar um caminho melhor.

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*Javier Solana foi alto representante da União Europeia para Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, secretário-geral da Otan e ministro dos Negócios Estrangeiros da Espanha. Atualmente é presidente da Esade Centro de Economia Global e Geopolítica e Membro Honorário da Brookings Institution.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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