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A tirania do silêncio

Uma cruel inversão de valores leva muitos a fechar os olhos à dimensão político-religiosa de atentados bárbaros e, imediatamente depois deles, culpar a “islamofobia”

Por Vilma Gryzinski
Atualizado em 30 jul 2020, 21h42 - Publicado em 10 jan 2015, 00h00

Em algum lugar entre dois extremos está a razão. Uma das extremidades é bem conhecida: a cada vez que é cometido um atentado sanguinário em consonância com os ensinamentos do fundamentalismo muçulmano, multiplicam-se as reações garantindo que a violência não tem absolutamente nada a ver com a religião revelada há 1 400 anos a Maomé, por inspiração divina segundo acreditam seus seguidores. Ao contrário, dizem, o Islã é a religião da paz e quem comete atrocidades em seu nome está desvirtuando seus fundamentos. Ou talvez seus autores tenham lá no fundo suas razões, pelos motivos de sempre – a exclusão, a perseguição, o domínio imperialista e outras distorções infantis que povoam o universo mental daqueles que querem, no fim de tudo, pôr a culpa nos americanos. Entre estes, incluem-se muitos americanos, fruto da civilização ocidental avançada na qual os enormes benefícios do pensamento livre de controles do Estado e da Igreja redundaram, em sua forma distorcida, no impulso masoquista de culpar a si mesmos por todas as atrocidades, contanto que cometidas por gente de pele mais escura, cabelos mais encaracolados e roupas mais exóticas.

E do outro lado, quem está? Surpreendentemente, a extrema direita, que deveria estar bradando por sangue, pronta para cravar seus dentes islamofóbicos em vítimas inocentes e tirar proveito dos atos de barbárie, tem demonstrado, pelo menos em público, contenção e argumentos razoáveis. “Por que chegamos a esse ponto? Qual o percurso desses assassinos, as ramificações das fileiras do Islã radical em nosso solo, seus financiamentos? Que países os apoiam? As perguntas são muitas e legítimas. O tempo da negação e da hipocrisia já passou. É preciso proclamar em alto e bom som o repúdio absoluto ao fundamentalismo islâmico”, disse sobre o massacre de qu­arta-feira Marine Le Pen, herdeira, líder e candidata razoavelmente viável a presidente pela Frente Nacional, um dos partidos europeus classificados ora de populistas, ora de ultradireitistas. É sob o pretexto de não fazer o jogo desses partidos que as esquerdas nem esperam esfriar os corpos das vítimas da mais poderosa ideologia político-religiosa das últimas décadas para invocar os perigos da islamofobia. Aliás, não só as esquerdas. Na Alemanha, o centro e a direita também se uniram à condenação a um movimento que surgiu nos últimos meses, o Pegida – acróstico de Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente. Chamados de tudo – de inocentes tolamente manipulados a neonazistas -, cerca de 17 000 alemães manifestaram-se comportadamente em Dresden, em um ato que terminou em frente à histórica catedral, de luzes apagadas como sinal de repulsa a eles.

É claro que todos esses partidos ou movimentos têm esqueletos xenofóbicos no armário, que procuram esconder ou, devidamente, extirpar. E é lamentável que acabem se constituindo quase que na única opção àqueles que não acreditam que não existe problema algum na militância político-religiosa do islamismo radical, mesmo quando os próprios radicais proclamam sua pureza teológica – a cena em que um acusado de roubo tem a mão decepada por integrantes do Estado Islâmico foi divulgada na semana passada como outra atroz demonstração de que seguem ao pé da letra a sharia, o conjunto de leis muçulmanas originais. Entre as duas pontas, sobra pouco espaço para pessoas razoáveis e corajosas como Flemming Rose, editor do jornal dinamarquês que encomendou charges sobre Maomé que provocaram reação brutal em 2005, não só entre os muçulmanos que cortam alegremente cabeças e mãos, mas entre cidadãos comuns para os quais a liberdade de expressão é um valor desprezível ante suas crenças religiosas e seus cúmplices atordoados pelo medo da islamofobia. “Encomendei as charges em resposta a vários incidentes de autocensura na Europa provocados por um crescente sentimento de medo e de intimidação no trato de assuntos relacionados ao Islã”, escreveu Rose, que depois fez um livro com o título reproduzido nesta reportagem, A Tirania do Silêncio. “E continuo a acreditar que esse é um tópico que nós europeus precisamos enfrentar, desafiando os muçulmanos moderados a se pronunciar.” Rose está em todas as listas de cabeças a prêmio de grupos fundamentalistas. Quantos moderados estão dispostos a protegê-lo para que o massacre na redação do Charlie Hebdo não se repita?

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