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Turquia quer ser inspiração para países da primavera árabe, diz presidente

Em entrevista ao site de VEJA o presidente da Turquia, Abdullah Gül, explica a estratégia do país para ganhar influência no Oriente Médio e fala das relações com o Brasil

Por Carlos Graieb 16 out 2011, 09h31

Atualmente, nenhum país parece tão apto a colher benefícios da “primavera árabe” quanto a Turquia. Ao mesmo tempo em que compartilha a identidade muçulmana com seus vizinhos, a república desfruta de algo que nenhuma nação árabe jamais conheceu: um sistema eleitoral democrático. Mais que isso. Há quase dez anos, esse sistema levou ao poder o AKP, um partido cujos líderes romperam com a tradição implantada por Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), o estadista que, em 1923, fundou a Turquia moderna a partir dos destroços do Império Otomano. Em vez de um modo de vida ocidentalizado, esses líderes adotam e defendem os valores do islamismo. Disso decorre o interesse despertado pelo AKP em países como Egito, Líbia e Tunísia, que acabam de se desvencilhar de ditaduras ossificadas. Os dois maiores nomes do AKP são Recep Tayyip Erdogan e Abdullah Gül. Erdogan foi reeleito em junho para seu terceiro mandato consecutivo como primeiro ministro. É o político mais popular do Oriente Médio. Gül, de 60 anos, ocupa desde 2007 a presidência da Turquia. Ele foi o primeiro a ascender ao cargo por votação popular. Antes disso, a indicação era feita pelo parlamento. Embora no regime turco o presidente não seja o chefe do executivo, ele detém um poder considerável: pode nomear juízes da Suprema Corte, membros do conselho de educação, reitores de universidades e diretores da imprensa estatal. É também comandante-em-chefe das Forças Armadas. Antes da presidência, Gül ocupava o cargo de chanceler. É um dos formuladores da política externa da Turquia – e um dos artífices da aproximação com o Brasil ao longo da última década. Em 6 de outubro, um dia antes de encontrar-se com a presidente Dilma Rousseff na capital turca, Ancara, ele recebeu o site de VEJA em seu gabinete, para a seguinte entrevista:

Qual o papel da Turquia no Oriente Médio depois da “primavera árabe”?

Cem anos atrás, países hoje independentes estavam todos unidos sob a bandeira do Império Otomano. A história e a cultura nos unem. É um direito da Turquia acompanhar de perto os acontecimentos no Oriente Médio e buscar um papel ativo na região. A Turquia tem uma posição ímpar. Somos uma nação muçulmana com um estado de direito e uma democracia sólidos. Temos uma economia de mercado. Não pretendemos nos impor como líderes, mas ser uma inspiração.

Por muito tempo, a Turquia se manteve próxima de Israel. Por que o episódio com o navio Mavi Marmara não pode ser contornado? 

Foi uma decisão de Israel permitir que a situação chegasse a esse ponto. No meio do Mediterrâneo, em águas internacionais, israelenses atacaram um navio e mataram cidadãos turcos. Nossos pedidos de reparação não foram atendidos. Enquanto esse erro não for corrigido, não há chance de voltarmos à situação anterior.

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A Turquia não exigiu apenas reparações. Pediu também o fim do bloqueio israelense a Gaza, algo que nada tem a ver com as relações entre os dois países. Por quê? 

O bloqueio a Gaza é ilegal. Rússia, China, América Latina, países da Ásia – todos creem que o bloqueio deveria ser interrompido. Não estamos sozinhos ao sustentar essa opinião. Gaza precisa de ajuda humanitária.

Por que a Turquia resolveu se afastar da ditadura síria, da qual era próxima? 

O regime sírio é incapaz de compreender as realidades do mundo atual. Em vez de responder aos pedidos de liberdade de seu povo, seguiu numa direção que leva ao derramamento de sangue. Queremos nações árabes fortes e independentes, para desfrutar as benesses da paz e da cooperação econômica. Antes, porém, reformas profundas terão de ser feitas. Os líderes dos países árabes falharam em realizar essas reformas, e a população tomou essa tarefa em suas próprias mãos.

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No ano passado, a Turquia e o Brasil intermediaram um acordo com o regime dos aiatolás para evitar que o Irã recebesse sanções da ONU por suas atividades atômicas. A Turquia se sente segura na vizinhança de um Irã nuclear? 

Não vemos nenhum problema de segurança em relação ao Irã. É certo que alguns países da região possuem armas nucleares. Mas o mesmo não pode ser dito em relação ao Irã.

A Turquia tem um histórico de golpes militares. Quais as relações entre o governo e o Exército atualmente? 

Temos orgulho do nosso Exército. Ele deve ser respeitado e valorizado. Numa democracia, contudo, as Forças Armadas têm missão bem definida. Elas não devem interferir na política. É o que a sociedade turca deseja.

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Uma tentativa de golpe militar foi abortada recentemente? 

Há casos nos tribunais. Os promotores redigiram peças de acusação muito bem fundamentadas, o que resultou em prisões. Antes que os réus sejam julgados, ninguém pode considerá-los culpados. Esperamos que os julgamentos aconteçam logo. Não queremos mais que esse assunto interfira na agenda nacional.

Uma Assembleia Constituinte deve ser convocada em breve na Turquia. O AKP vai lutar para que a Turquia permaneça um estado secular ou para que a nova Carta contenha preceitos religiosos? 

Sou um dos fundadores do AKP, e estive diretamente envolvido na redação de seu programa. Digo com clareza: acreditamos num estado secular. Qualquer coisa diferente está fora de questão. Por outro lado, creio que a liberdade religiosa – ter permissão para viver de acordo com suas crenças – é um direito fundamental do indivíduo. O estado não deve impor barreiras para o exercício da crença.

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Atatürk era contra a religião. O AKP recusa essa parte de sua herança?

Atatürk era um homem aberto, que olhava para o futuro e se opunha ao dogmatismo. Seu legado não deve ser lido de maneira dogmática. Ele buscava a democracia e o estado de direito. Essas também são nossas metas. Fazer a Turquia ombrear com as maiores democracias, ou até ultrapassá-las: creio que lutar por isso seja fazer justiça à herança de Atatürk nos dias de hoje.

Quais são suas expectativas sobre o acesso da Turquia à União Europeia? 

Há condições que devem ser preenchidas para que um país se torne um membro pleno da União. Requeremos nosso acesso e preenchemos esses critérios desde 2005. Infelizmente, o progresso é muito lento. Alguns países põem obstáculos à nossa adesão. Somos um país grande, e isso deve incutir medo em algumas nações. Mas também temos amigos na União Europeia. Eles sabem que a Turquia tornaria o bloco mais forte na política, na segurança e na economia. Continuaremos reclamando nosso direito legal de pertencer à União Europeia. É um objetivo estratégico que não vamos abandonar.

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Uma enorme fatia do comércio turco se faz com a Europa. A crise no continente deixa o país especialmente vulnerável?

Nos anos 90, 65% de nossas exportações iam para a Europa. Na última década, essa equação melhorou. Nosso governo buscou novos mercados, voltando-se para a África, a Ásia, a América Latina. Tecemos acordos de

livre-comércio com vários países. A Turquia é robusta, como mostram os indicadores macroeconômicos. Somos também bastante abertos aos investimentos estrangeiros. Não nos sentimos vulneráveis. Mas somos

realistas, e sabemos que a crise pode ter consequências ruins para nós. Se o poder de compra dos europeus declinar muito acentuadamente, obviamente seremos atingidos. Esperamos que nossos vizinhos do Mediterrâneo se recuperem logo.

Para a Turquia, que espécie de parceiro é o Brasil? 

Temos relações antigas, e é um prazer constatar que elas se fortaleceram mais ainda na última década. Temos uma meta, de levar o intercâmbio comercial entre os dois países ao patamar de 10 bilhões de dólares anuais em um curto período de tempo. Estamos incentivando investimentos brasileiros na Turquia, e vice-versa. Os dois países acreditam que os organismos internacionais políticos e econômicos precisam ser reformados, pois já não respondem às necessidades do mundo moderno. Nossos ministros estão trabalhando de maneira muito coordenada no G20.

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