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‘Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar’, diz papa

Francisco concedeu entrevista durante o voo de volta a Roma. O papa fez um balanço da viagem ao Brasil e surpreendeu ao tocar em temas delicados

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
29 jul 2013, 10h38

O papa Francisco concedeu uma longa entrevista durante o voo de volta a Roma. O pontífice conversou com os jornalistas por uma hora e vinte e dois minutos, em pé. Francisco fez um balanço da viagem ao Brasil e surpreendeu ao tocar em temas delicados, como a reforma da Cúria Romana, o lobby gay e a evasão de fiéis. E, claro, falou de suas impressões sobre o Brasil.

“Boa noite. Foi uma bela viagem, mas estou bastante cansado”, disse o papa aos jornalistas. “A bondade e o coração do povo brasileiro são muito grandes. Esse povo é tão amável, é uma festa. No sofrimento (o povo) sempre acha um caminho para fazer o bem em alguma parte. É um povo alegre, um povo que sofreu tanto. É corajosa a vida dos brasileiros, eles têm um grande coração.”

Respondendo a uma pergunta sobre lobby gay no Vaticano, Francisco disse: “Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade”.

Francisco também falou sobre a segurança durante a Jornada Mundial da Juventude. “Não houve um incidente em todo o Rio de Janeiro. Foi super espontâneo. Eu pude estar com as pessoas, saudá-las, sem carro blindado. A segurança é a confiança de um povo. Eu prefiro esta loucura, é uma aproximação. “

O papa fez elogios à organização da JMJ: “A parte artística, a parte religiosa, de música, foi muito bonita. Ontem, por exemplo, fizeram coisas belíssimas. Aparecida para mim foi uma experiência forte, maravilhosa. Quando estive lá durante a conferência, lembro que queria ter ido sozinho, escondido, mas não era possível. Depois, o numero de jovens. Hoje o governador falou de 3 milhões. Não posso acreditar. Mas é verdade, não sei se viram. Do púlpito até o final, toda praia estava cheia, até onde fazia a curva. Havia tantos jovens!”

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Confira abaixo trechos da entrevista concedida por Francisco durante o voo de volta a Roma.

Nestes quatro meses, o senhor criou várias comissões no Vaticano. Que tipo de reforma tem em mente? O senhor quer suprimir o Instituto para as Obras de Religião, o IOR [mais conhecido como Banco do Vaticano]? Alguns acham melhor que seja um banco, outros que sejam um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão se dedicando a isso. O presidente do IOR permanece, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. Seja a instituição que for, precisa ter transparência e honestidade.

Recentemente, o monsenhor Battista Ricca, um dos diretores do IOR, o Banco do Vaticano, foi acusado de pertencer ao lobby gay. Como o senhor pretende enfrentar esta questão? Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer, que é a investigação prévia. Nessa investigação, não há nada do que o acusam. Não achamos nada. Essa é a minha resposta. Mas eu gostaria de dizer outra coisa sobre isso. Vejo que muitas vezes se buscam os pecados de juventude de quem está na Igreja. Abuso de menores é diferente, não é disso que estou falando. Mas, se uma pessoa, seja laica, padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e dizemos que pecamos, o Senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado. Quantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse pecador foi transformado em papa. A imprensa tem escrito muita coisa sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém com uma carteira de identidade do Vaticano dizendo “sou gay”. Dizem que há alguns. Acho que devemos distinguir entre o fato de ser gay e fazer lobby gay. Porque nenhum lobby é bom. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby: o lobby dos avaros, o lobby dos políticos, o lobby dos maçons, tantos lobbys. Esse é o pior problema.

O senhor enfrenta muitas resistências na Cúria? Se há resistência, eu ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: encontrei ajuda, encontrei pessoas leais.

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Na viagem o senhor não falou sobre aborto, nem sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para esses casamentos. Por que o senhor não tratou desses assuntos? A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Não era necessário falar sobre esses temas. Eu também não falei sobre roubo, ou sobre a mentira. Em relação ao aborto, a Igreja tem uma doutrina clara. Os jovens sabem perfeitamente qual a posição da Igreja.

Queria uma fala positiva no Brasil, que abre caminho aos jovens.

Por que o senhor carrega a sua própria mala e o que leva dentro? Não tinha a chave da bomba atômica dentro da mala… Eu sempre fiz isso. Quando viajo, levo minhas coisas. Tenho um barbeador, o livro da Liturgia das Horas, uma agenda e um livro para ler. O livro é sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre carreguei minha maleta. Acho isso absolutamente normal.

Por que pede tanto para que rezem pelo senhor ? Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele. Sempre pedi isso. Quando era padre, pedia, mas não tanto nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais quando passei a ser bispo. Preciso da ajuda do Senhor. Eu, de verdade, me sinto com tantos limites, tantos problemas, e também sou pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Eu sinto que devo pedir.

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O senhor tem um calendário definido para o próximo ano? Em outubro devo ir a Assis. Fora da Itália, quero ir a Israel. O governo israelense fez um convite para que eu vá a Jerusalém. O da Palestina também. Tenho ainda um convite para ir a Fátima.

Às vezes, o senhor se sente aprisionado no Vaticano? Eu gostaria de poder andar pelas ruas de Roma. Eu era um padre da rua. Os seguranças do Vaticano têm sido bons comigo. Agora, me deixaram fazer algumas coisas a mais. Mas entendo que não posso andar pelas ruas.

O Brasil esta perdendo muitos fiéis. O senhor acha que o movimento carismático pode ser uma forma de impedir a fuga dos católicos para os pentecostais? Exatamente. Conversei ontem com os bispos sobre o problema da evasão de fiéis. Vou lhes contar uma história: nos anos 70 e 80, eu não podia nem ver os representantes do movimento carismático. Certa vez, cheguei a afirmar que eles confundiam celebração litúrgica com escola de samba. Agora, acho que este movimento faz bem para a Igreja. Neste momento da Igreja, acho que são necessários, uma graça do Espírito Santo. E digo mais: não servem apenas para evitar a fuga de fiéis, mas são importantíssimos para a própria Igreja.

Qual sua relação de trabalho com Bento XVI ? É como ter um avô em casa, em meio a uma família. Um avô venerado.

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O senhor falou de misericórdia. A Igreja não deveria ter misericórdia com os casais divorciados e que se casam novamente? Um dos temas que deverão ser discutidos na comissão de oito cardeais que criei há alguns meses é como ir adiante na pastoral matrimonial. Esse será um dos assuntos do próximo sínodo.

O papel das mulheres na Igreja pode mudar? A questão da ordenação das mulheres é um assunto de portas fechadas. A Igreja diz não. No entanto, acredito que a mulher deve ter papéis mais importantes na Igreja. Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria. A mulher ajuda a Igreja a crescer. E pensar que Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! Até agora, no entanto, não fizemos uma teologia profunda sobre a mulher. Há as mulheres que fazem a leitura, que são presidentes da Cáritas. Mas há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher.

O senhor se assustou quando viu o informe do Vatileaks? O problema é grande, mas não estou assustado.

Como papa, o senhor ainda pensa como um jesuíta? É uma pergunta teológica. Os jesuítas fazem votos de obedecer ao papa. Mas se o papa se torna um jesuíta, talvez deva fazer votos gerais dos jesuítas. Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, a que tenho no coração. Dentro de três dias vou festejar com os jesuítas Santo Inácio, numa missa. Não mudei de espiritualidade. Sou Francisco franciscano. Sinto-me jesuíta e penso como jesuíta.

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Em quatro meses de Pontificado, pode fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser papa? O que mais o surpreendeu nesse período? Não sei como responder a isso, de verdade. Coisas ruins não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos italianos foi lindo. O encontro com os seminaristas foi belíssimo, e também com os alunos do colégio jesuíta. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa. Fez-me chorar, porque penso que os imigrantes, que chegam de barco, são vítimas do sistema socioeconômico mundial. Mas a coisa pior foi uma dor no ciático. Sofri disso no primeiro mês. É verdade! Era dolorosíssimo, não desejo a ninguém.

O senhor deverá canonizar até o fim do ano os papas João 23 e João Paulo II. Qual é a diferença de santidade entre os dois? Estamos pensando em adiar a cerimônia de canonização. É difícil para os poloneses irem a Roma nessa época do ano. Faz muito frio.

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