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Sderot, a cidade blindada que vive à espera de um ataque

Como os moradores se adaptam para enfrentar as situações diárias de perigo

Por Cecília Araújo, de Sderot
2 abr 2012, 07h19

Não é preciso muito tempo para sobrevoar Israel, um país de área menor do que o estado brasileiro de Sergipe. Da cidade de Herziya, 10 quilômetros ao norte de Tel Aviv, até Sderot, localizada na fronteira de Israel com Gaza, não se perde nem trinta minutos no ar. De cima, é possível ver mais claramente as limitações geográficas do país e a extensa barreira de 515 quilômetros completos, feita de arame e concreto, que separa Israel da Cisjordânia palestina. Em um helicóptero privado, a reportagem do site de VEJA, juntamente com dois jornalistas espanhóis, participou de um voo instrutivo promovido pela organização não governamental Israel Project. O objetivo era entender por que a barreira é tão necessária e ver de perto a ameaça sofrida pelos israelenses que vivem próximos à fronteira com Gaza.

“As cercas de arame não são elétricas, mas eletrônicas. Ou seja, elas não dão choque, mas avisam a uma central de segurança israelense que houve tentativa de furar a fronteira”, explica David Harris, diretor de pesquisa e conteúdo da Israel Project. Ele admite que, muitas vezes, a barreira corta o território de um proprietário palestino em dois, o que o obriga a pedir uma autorização formal ao governo israelense para atravessá-la. Porém, Harris garante que Israel tem tentado facilitar a vida desses palestinos. “Até recentemente, os deslocamentos só eram permitidos uma vez por turno, em horários específicos. Agora, eles podem ser feitos a qualquer momento, desde que o palestino tenha permissão para isso.”

Entenda, no infográfico abaixo, como se configura a barreira israelense:

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Terrorismo – Se nos últimos três anos houve uma sensível baixa de ataques terroristas em Israel, muito desse crédito é conferido às diversas formas de obstrução física instaladas por Israel, somadas às estratégias de inteligência, que impediram a continuação dos atos de violência. “Entendo que os palestinos se sintam desconfortáveis com as divisórias, já que seus acessos foram dificultados. Porém, não vemos outra saída por hora se não mantê-las enquanto continuamos a receber ataques”, diz o pesquisador sênior do Instituto Internacional de Contra-Terrorismo em Israel Ely Karmon, especialista em violência política, extremismo, racismo e anti-semitismo.

Mapa Gaza
Mapa Gaza (VEJA)

Além de Sderot, Karmon cita pelos menos três outras cidades bastante afetadas por atos terroristas: Ashqelon, Ashdod e Netivot. São locais que sofreram e ainda estão sujeitos a novos ataques (confira os principais pontos no mapa ao lado). Mesmo assim, mais de 1 milhão de pessoas continuam vivendo nessa região, pois não querem deixar seus lares. E o Hamas não é a única ameaça terrorista – há também a Jihad Islâmica, um braço da Al Qaeda, e o Hezbollah, que controla parte do Líbano e forneceria armas biológicas e químicas à Síria, país próximo a Israel. “Durante a Guerra do Líbano de 2006, os terroristas atingiram a terceira mais importante cidade de Israel, Haifa, no norte do país. Com fronteiras tão frágeis, todo o nosso território está constantemente ameaçado por mísseis de vários lados”, destaca Karmon.

Sderot – Prestes a pousar em um heliporto da cidade, a aeronave sobrevoou a fazenda da família do ex-premiê israelense, Ariel Sharon. Em coma desde 2006, ele foi transferido para essa casa em 2010, sob os cuidados dos familiares. Perto dali, está um ponto relativamente alto do lado israelense, que fornece uma visão privilegiada da Faixa de Gaza, onde até o mar pode ser avistado. Além disso, o local se tornou o preferido de fotógrafos e cinegrafistas por prover imagens dos momentos em que Sderot é atacada pelos palestinos de Gaza. Para que possam permanecer em suas casas, os habitantes da cidade precisaram tomar alguns cuidados peculiares. As casas possuem abrigo antibombas, além de paredes, portas e janelas resistentes. Elas garantem 15 segundos extras para os moradores se protegerem no caso de um ataque no local. Em muitas delas, marcas de rojões podem ser vistas nos telhados. Nenhuma mulher anda de salto alto nas ruas – todos precisam estar prontos para correr a qualquer momento. E as crianças recebem uma atenção especial para que não precisem se manter presas em casa: nos parquinhos, os brinquedos se transformam em refúgio em casos de alerta. Uma minhoca gigante, por exemplo, tem um aviso para que as crianças entrem em caso de “sinal vermelho” e também traz em seu interior marcas que limitam os lugares seguros. Segundo Harris, entre 75% e 90% das crianças da cidade sofrem de stress pós-traumático. Para colocar todas essas medidas de proteção em prática, foram gastos bilhões de shekels (moeda local).

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No posto de polícia central da cidade, rojões produzidos pelos palestinos em Gaza e lançados à cidade israelense são expostos ao público. “Todos eles são claramente feitos de materiais usados em construções, como postes de faróis de trânsito. Daí a necessidade do bloqueio à entrada desse tipo de produto em Gaza”, explica Harris. Percebe-se a precariedade dos primeiros foguetes construídos e a evolução na técnica de sua produção – segundo os israelenses, graças ao treinamento iraniano dado aos palestinos. “Antes, os rojões alcançavam uma distância de apenas três quilômetros. Agora, podem chegar a 60 quilômetros, o que ultrapassa a distância entre Gaza e Tel Aviv, por exemplo”, diz. Além disso, Harris chama a atenção para o que chama de “assassinos silenciosos”: os motores que fazem parte dos projetos mais modernos. “Se você pensar bem, quem mata mesmo não é o rojão em si, mas o seu motor, que é capaz de fragmentá-lo e espalhar fogo para todas as direções, podendo deixar uma pessoa cega, ou até matar”, afirma. Em muitos dos rojões expostos, é possível ler algumas letras em árabe e hebraico. Harris traduz: “É o nome, o telefone e o endereço da organização responsável. É sua forma de reivindicar o ataque para que a imprensa local possa divulgar”.

Hamas – Segundo dados do próprio governo de Israel, o grupo terrorista está mais fraco nos últimos três anos. “Isso, graças à inteligência israelense, que conseguiu desmantelar grande parte de suas células, e à Autoridade Palestina, que também cooperou para neutralizar seus terroristas”, admite Karmon. Por outro lado, os especialistas israelenses em terrorismo sabem que não podem subestimar o perigo que o Hamas ainda representa. No campo militar, sua ameaça cresceu no último ano em relação aos anteriores, especialmente depois da explosão da Primavera Árabe. “Um grande contrabando de armas chegou pela Península de Sinai, e a polícia não conseguiu fechar a fronteira”, conta Karmon. Em meados de fevereiro deste ano, o serviço secreto e o escritório de luta antiterrorista de Israel emitiram um alerta generalizado de atentados em qualquer lugar do mundo. O alerta foi divulgado após informações recolhidas nos interrogatórios de suspeitos de cometer ataques dias antes contra diplomatas israelenses na Tailândia, na Índia e na Geórgia. Os suspeitos Hamas e Hezbollah negaram autoria. Já no campo político, é importante lembrar que a Irmandade Muçulmana ocupa 70% do Parlamento egípcio, e tem o Hamas como seu braço palestino. “Com isso, o grupo se sente mais forte, por saber que os terroristas do Egito ganham força e o apoiam”, completa.

De acordo com o especialista, um acordo entre Fatah e Hamas colocaria todos os avanços a perder. “Os presos terroristas correriam o risco de serem soltos novamente. E, consequentemente, o terror poderia se espalhar ainda mais pela Cisjordânia”, diz. Ainda é cedo para saber se de fato o acordo anunciado no início de fevereiro será implementado. Em 2007, os lados assinaram um pacto semelhante em Meca. Porém, durante a discussão sobre quem iria controlar Gaza, o Hamas acabou tomando a região pela força. Em 2008, no Iêmen, outro acordo fracassou, assim como no ano passado, no Cairo. Após tantas tentativas, nada de concreto foi implementado até agora. “Acho difícil que seja diferente desta vez, ainda mais por existir uma oposição significante de ambos os lados”, afirma Karmon. Porém, se o Hamas for aceito como parte da Organização para Libertação Palestina (OLP), o real negociador da paz dos palestinos na comunidade internacional, o grupo deve usar de sua estratégia ideológica para negar acordos anteriores que Israel já estabeleceu com a Autoridade Palestina. “E Israel, por sua vez, não vai concordar em negociar com quem nem sequer o reconhece como um estado”, diz.

O que diz cada uma das partes sobre o acordo de paz

Hanan Ashrawi, porta-voz da Organização para a Libertação Palestina (OLP)
Hanan Ashrawi, porta-voz da Organização para a Libertação Palestina (OLP) (VEJA)
“Em 20 anos de negociações, ainda não vimos progresso algum. Os israelenses põem a culpa no terrorismo e na relação conturbada entre Fatah e Hamas. Mas essas questões são recentes, não pode ser justificativa para o fracasso do diálogo. Antes de tudo, é preciso parar com a ocupação e os assentamentos. Tal comportamento autoritário de Israel tem de ser condenado dentro da lei internacional para que haja chance para a paz.”

Hanan Ashrawi, porta-voz da Organização para a Libertação Palestina (OLP)

Filippo Grandi, o comissário-geral da UNRWA e a maior autoridade da ONU em assuntos humanitários no Oriente Médio
Filippo Grandi, o comissário-geral da UNRWA e a maior autoridade da ONU em assuntos humanitários no Oriente Médio (VEJA)
“Todo assentamento, não importa onde esteja, é ilegal. E o fato de que continuem a expandir é mais uma consequência da falta de paz, já que restringe o acesso dos palestinos aos mais variados serviços. Essa situação humilhante cria mais rancor e vontade de vingança – o que é ruim não só para palestinos, mas também para os israelenses. São povos vizinhos que precisam conviver em segurança. Para isso, ambos precisam fazer concessões.”

Filippo Grandi, comissário-geral da UNRWA e maior autoridade

da ONU em assuntos humanitários no Oriente Médio

Yigal Palmor, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores israelense
Yigal Palmor, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores israelense (VEJA)
“Há 18 anos, os palestinos não tinham presidente, governo, Parlamento, instituições, leis, educação, turismo, saúde. Houve progressos indiscutíveis. Tiramos unilateralmente os assentamentos de Gaza, para dinamizar o processo de paz. Aceitamos uma moratória para voltarmos a negociar, como um gesto de confiança. Mas, quando a moratória acabou, eles desistiram de dialogar. Há sempre novas pré-condições. Nunca vamos chegar a lugar nenhum desse jeito.”

Yigal Palmor, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores israelense

Yael Ravia-Zadok, diretora do escritório de assuntos econômicos do Ministério de Relações Exteriores israelense
Yael Ravia-Zadok, diretora do escritório de assuntos econômicos do Ministério de Relações Exteriores israelense (VEJA)
“Infelizmente, a história nos mostra que todo avanço não é suficiente para algumas decisões políticas do lado palestino. A Segunda Intifada aconteceu num momento excelente para eles. Os indicadores do ano 2000 mostram um quadro positivo em diversas áreas. Mesmo assim, Yasser Arafat escolheu o terrorismo. Realmente espero que desta vez os palestinos façam a escolha correta: escolham Israel, a paz, o desenvolvimento econômico.”

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Yael Ravia-Zadok, diretora do escritório de assuntos econômicos

do Ministério de Relações Exteriores israelense

Confira o cronograma de reportagens especiais:

SÁBADO – Israel x Palestina: dos dois lados do muro

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TERÇA – Vidas que levam para sempre marcas da Segunda Intifada

QUARTA – ‘Não queremos nosso povo morto’, afirma Defesa de Israel

QUINTA – Sobre judeus e árabes: boas cercas fazem bons vizinhos?

SEXTA – Traumas na vida de dois soldados: israelense e palestino

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