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Por trás das restrições de viagens impostas aos cubanos, uma verdadeira indústria migratória alimentada pelos Castro

Nesta quarta, o dissidente Guillermo Fariñas receberia o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Expressão. Mas ele não foi autorizado a sair da ilha

Por Cecília Araújo
15 dez 2010, 06h04

Embora tenha sido laureado pelo Parlamento Europeu com o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Expressão em 21 de outubro, o dissidente cubano Guillermo Fariñas voltou a se deparar com uma dura realidade que assombra os cubanos há mais de 50 anos. Após ter seguido longos passos para conseguir uma permissão do governo para viajar a Estrasburgo, na França, e ser homenageado, Cuba não permitiu sua saída do país. Um lamento para aqueles que prezam os direitos humanos, completamente ignorados pelo regime castrista.

Todo cubano, para conseguir viajar ao exterior, precisa passar por um processo longo, burocrático e dispendioso. Em entrevista ao site de VEJA por telefone, Fariñas demonstra sua revolta. “Em Cuba, viola-se o artigo da declaração de direitos humanos que diz que todo homem e mulher têm direito de sair e entrar em seu país, embora o governo insista em dizer que o cumpre”, diz. “Em qualquer parte do mundo os passaportes podem ser expedidos rapidamente, aqui temos que esperar por pelo menos 30 dias.”

Custos – Somente para se obter o passaporte, é necessário pagar uma taxa de mais de 55 “pesos conversíveis” (que equivalem ao dólar americano). “Cuba vive essa dualidade monetária faz 15 anos. As pessoas recebem seus salários na moeda nacional, mas têm que pagar taxas em pesos conversíveis para garantir documentos obrigatórios”, explica a filóloga, blogueira e opositora cubana Yoani Sanchéz.

Segundo ela, a quantia representa o equivalente a mais de três meses de trabalho, já que um salário médio no país gira em torno de 15 pesos conversíveis. “Para uma pessoa ter um passaporte, ela precisa deixar de gastar com comida, transporte ou roupas”, explica.

Guillermo Fariñas, dissidente cubano em greve de fome
Guillermo Fariñas, dissidente cubano em greve de fome (VEJA)

Como em qualquer outro país, depois de obter o documento, os cubanos precisam ir à embaixada estrangeira em questão para receber o visto. “Como as embaixadas ficam em Havana, para aqueles que estão no interior, como é o meu caso (ele mora no município de Santa Clara), o custo do deslocamento também é alto”, pontua Fariñas. Já o próximo passo é particular a Cuba: pedir permissão a um tipo de “consultoria jurídica”. Todos aqueles que querem sair do país tem que receber um convite formal de alguém do exterior, que deve ser transmitido através da embaixada cubana no país.

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Depois de a carta chegar a Cuba, sua retirada também requer um pagamento, de cerca de 300 dólares, de acordo com Yoani. Somente com esse convite em mãos, um cubano pode solicitar uma autorização para viajar – o chamado “permiso de salida”, também conhecido como “tarjeta blanca”, que pode ser temporário ou permanente. Finalmente, com esta autorização, pode-se comprar as passagens.

O processo todo dura até um ano e o custo com a burocracia chega a 500 dólares no total, segundo Yoani. “É uma verdadeira indústria migratória que arrecada a cada ano milhares de dólares”, explica.

Dificuldades – Além das dificuldades usuais, alguns grupos enfrentam mais obstáculos. Entre eles, médicos e outros especialistas de saúde pública – que precisam de uma autorização especial do Ministério da Saúde -, militares, outros profissionais que tenham família fora e chances de querer ficar por lá, além de pessoas que não concordam com o governo, como opositores, dissidentes, jornalistas independentes e blogueiros alternativos.

Yoani, por exemplo, já recebeu oito negativas de viagem desde maio de 2008, quando ganhou seu primeiro prêmio, o Ortega y Gasset de jornalismo, na Espanha. “Recentemente, solicitei outra autorização para ir à cerimônia de entrega do prêmio Príncipe Claus, na Holanda, que será nesta sexta, dia 17. Porém, não recebi resposta até agora. Seria a nona negativa de viagem que eu receberia em menos três anos”, lamenta.

Privilégio – Como a permissão de saída vem de um centro ideológico, ela representa na prática um privilégio ou prêmio das pessoas que se “comportam bem”. De acordo com Yoani, comportar-se bem em Cuba significa ouvir, calar-se, não lançar críticas públicas ao governo. “No caso de Fariñas e no meu caso particular, a negativa da permissão de viagem é uma consequência direta de sermos pessoas que se expressam publicamente e criticamente. O castigo é não nos deixarem sair de Cuba”, relata.

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Se Raúl Castro iniciou uma série de ajustes econômicos de transformações para resgatar a economia do país, não impulsionou nenhuma transformação no plano de direitos humanos. Para Yoani, “Castro é um homem pragmático, que pensa nos números, mas não faz nenhuma ação para ampliar o direito à livre expressão e de entrada e saída do próprio país”.

Outros casos – Quando os cubanos conseguem sair de Cuba por meio de programas bilaterais com outros países “amigos”, muitas vezes continuam vivendo em um circuito fechado, como relatou no último domingo ao jornal Folha de S. Paulo um médico que disse ter vivido mais de quatro anos em um regime de quase escravidão na Venezuela. O profissional fazia parte da Missão Bairro Adentro, que ajudaria o estado cubano a pagar débitos com a Venezuela, especialmente da importação de petróleo.

Com tantas dificuldades, outros cidadãos tentam fugir do país. A forma mais comum é ir aos Estados Unidos em barcos clandestinos e improvisados, o que geralmente acaba em prisão ou morte em alto mar.

Confira os perfis de Yoani Sánchez e Guillermo Fariñas:

Guillermo Fariñas: psicólogo, jornalista e opositor do regime castrista. Em fevereiro, o dissidente de 48 anos iniciou uma greve da fome pela libertação dos presos políticos que durou 135 dias. Já em estado de extrema debilidade, aceitou terminar o protesto apenas quando a Igreja Católica cubana anunciou que o regime aceitaria o compromisso de libertar 52 presos de consciência detidos durante a onda de repressão conhecida como a Primavera Negra, em 2003.

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Yoani Sánchez: autora do blog Generación Y, faz críticas ao governo cubano e conta detalhes do dia-a-dia em Havana. Seus posts são traduzidos para 20 idiomas (entre eles o português) por uma equipe internacional de colaboradores. Ela também é assídua no Twitter, apesar da falta de acesso à internet. “Só me conecto à internet uma vez por semana, em um local público. No resto de tempo uso caminhos alternativos como a linha telefônica e o SMS”, conta ela.

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