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O déficit de segurança global

Insegurança política, conflitos potenciais e relações internacionais desgastadas têm representado uma ameaça maior ao progresso econômico do que o debate pós-crise anteviu, avalia o Nobel de Economia Michael Spence

Por Michael Spence
26 jul 2014, 20h22

O verão no hemisfério norte é normalmente uma época para se fugir dos riscos e das preocupações do dia a dia e talvez de fazer um balanço sobre onde estamos e para onde estamos indo. Mas isto tem sido cada vez mais difícil porque o nosso cotidiano está se tornando cada vez mais arriscado e preocupante.

Grande parte do debate no período seguinte à crise financeira de 2008 focava nos vários desequilíbrios econômicos que ou ameaçavam, ou impediam o crescimento. Esses problemas não desapareceram. O desempenho surpreendentemente fraco da economia dos Estados Unidos no primeiro trimestre, por exemplo, deixou os analistas confusos e incertos sobre a sua trajetória.

Mas, com intensidade cada vez maior, insegurança política, conflitos potenciais e relações internacionais desgastadas têm representado uma ameaça maior ao progresso econômico do que o debate pós-crise anteviu.

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A Ásia, um foco de esperança em termos de crescimento nos anos pós-crise, agora vive tensões crescentes que põem em risco o comércio e o crescimento da região. A recuperação ligeiramente frágil do Japão pode sair dos trilhos com a escalada dos seus conflitos territoriais com a China, que além de ser um dos maiores mercados para as mercadorias japonesas, está profundamente integrada às cadeias de fornecimento do país.

Embora as disputas territoriais frequentemente sejam histórica e politicamente importantes, a sua relevância econômica costuma ser secundária, mesmo insignificante, a menos que se permita que tensões como as que ocorrem nos Mares Oriental e Sul da China saiam de controle. O papel dúbio dos Estados Unidos na segurança asiática – devido ao seu interesse em apoiar seus aliados regionais, sem rivalizar com a China – contribui para a sensação de insegurança.

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Além do seu minueto estratégico na Ásia, China e Estados Unidos estão envolvidos em uma batalha de cibersegurança que já está começando a afetar o fluxo de mercadorias, investimentos e tecnologia. Declarações de compromisso para resolver a questão cooperativamente, dos dois lados, não produziram resultados significativos. E discussões sobre vigilância eletrônica causaram tensão entre Estados Unidos e Europa.

O Oriente Médio, enquanto isso, entrou em um período de extrema instabilidade que com certeza terá efeitos econômicos negativos em âmbito regional e global. E a queda de braço entre a Rússia e o Ocidente pela Ucrânia e outros ex-satélites soviéticos irá afetar adversamente a estabilidade regional, a segurança energética e o crescimento econômico na Europa.

A queda do voo MH17 da Malaysia Airlines no leste da Ucrânia – e, mais recentemente, a suspensão de voos comerciais para Tel Aviv – cria uma nova dimensão de insegurança. Quando o tráfego aéreo civil não está mais a salvo de ataques, pode-se legitimamente questionar a eficiência dos sistemas básicos de governança que sustentam o comércio global.

De fato, a Organização Mundial do Comércio (OMC) está em risco mais uma vez, com o governo indiano ameaçando vetar o Acordo sobre Facilitação do Comércio, alcançado em Bali no ano passado, devido a desentendimentos sobre armazenamento de comida e subsídios. A perda de confiança na OMC seria um forte golpe para uma instituição que tem um papel vital em assegurar a cooperação e regulação mundial.

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A economia global é um lugar bem mais interconectado do que era há 40 anos. O fluxo transfronteiriço de mercadorias, informação, pessoas e capital, que é a sua força vital, depende de um nível mínimo de segurança, estabilidade e previsibilidade. É este nível mínimo que parece estar sob ameaça. O progresso econômico continuado nos países em desenvolvimento e a recuperação nos países desenvolvidos exigem prevenir que conflitos locais e regionais gerem grandes choques sistêmicos.

Em termos de prioridade, é indiscutivelmente mais importante para os Estados do G20 fortalecer os sistemas principais que possibilitam os fluxos globais do que visar problemas estritamente econômicos. Além disso, há um interesse claro e compartilhado em fazê-lo; ninguém se beneficia com a expansão do risco sistêmico.

O fracasso em conter o impacto dos conflitos regionais e tensões bilaterais pode levar a mais do que apenas choques de suprimentos em áreas como a energia. O principal efeito provavelmente será uma série de choques de demanda negativa: investidores recuando, turistas ficando em casa e consumidores fechando a carteira. Em uma economia global em que a demanda agregada é um elemento chave para a limitação do crescimento, essa é a última coisa de que o sistema precisa.

Fomos tão longe quanto pudemos com um sistema global que é, na melhor das hipóteses, parcialmente governado e regulado. À medida em que a ordem global definida pela Guerra Fria (e depois pelos Estados Unidos, brevemente dominante) se torna coisa do passado, um novo conjunto de instituições e acordos deve ser elaborado para proteger a estabilidade do sistema.

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É mais fácil dizê-lo do que fazê-lo. Mas o ponto de partida é reconhecer os enormes danos à economia global que o fracasso em lidar com o problema implica. A regulação ineficiente em áreas como segurança alimentar, doenças infecciosas, cibersegurança, mercados energéticos e segurança aérea, combinada à inabilidade em administrar tensões e conflitos regionais, irá enfraquecer os fluxos globais e reduzir a prosperidade por toda a parte.

De certa forma, o panorama global de hoje é um caso clássico de externalidades negativas. Os custos localizados do subaproveitamento – aqueles que se pode esperar que sejam internalizados – estão muito aquém dos custos globais como um todo.

Muitos outros problemas mais estritamente econômicos – por exemplo, padrões de crescimento defeituosos, subinvestimento em ativos tangíveis ou intangíveis e a ausência de reformas planejadas para ampliar a flexibilidade estrutural – são ainda motivo de preocupação, porque reforçam o baixo crescimento.

Mas, neste momento histórico, as principais ameaças à prosperidade – aquelas que exigem urgentemente a atenção dos líderes mundiais e cooperação internacional efetiva – são os enormes efeitos colaterais negativos de tensões, conflitos e disputas regionais por esferas de influência. O fator de impedimento mais poderoso ao crescimento e à recuperação não é este ou aquele desequilíbrio econômico; é a perda de confiança nos sistemas que tornaram a ascensão da interdependência global possível.

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Michael Spence, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, é professor de economia na Escola Stern de Negócios da Universidade de Nova York e pesquisador sênior na Hoover Institution. O seu último livro é Os Desafios do Futuro da Economia.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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