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O cargo político mais instável do mundo: premiê do Japão

País trocou de chefe de governo 5 vezes em cinco anos - e o 6º está a caminho

Por Cecília Araújo
6 ago 2011, 09h40

O atual primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan, está sendo pressionado a deixar o cargo até o fim deste mês. E quem quer isso é a própria população: uma pesquisa publicada nesta semana mostra que 65% dos japoneses desejam sua renúncia logo. Quando isso acontecer – porque o governo já adiantou que ele deve mesmo sair em agosto -, o país terá de eleger seu sexto premiê em cinco anos quando, na verdade, esse costumava ser o tempo total de um único mandato. Três dos quatro antecessores de Kan – Yukio Hatoyama, Yasuo Fukuda e Shinzo Abe – também se viram obrigados a renunciar. Apenas Taro Aso, eleito em 2008 e rejeitado nas eleições do ano seguinte, não precisou se dar ao trabalho de anunciar sua saída (confira caso a caso no quadro abaixo). Mas todos, sem exceção, entregaram o cargo pelo mesmo motivo: baixíssima popularidade.

Há uma série de fatores que ajudam a explicar a fragilidade do chefe de governo da terceira maior economia do mundo. Alguns são estruturais, intrínsecos ao particular formato parlamentarista pós-II Guerra, como a ausência de nomes expressivos para ocupar o posto, as graves dissidências internas nos partidos e a imensa burocracia tanto para eleger um premiê quanto para realizar as promessas dele. Outras razões são contextuais – casos graves de corrupção e a preocupante crise econômica de mais de uma década – e cultural – neste caso, a vergonha diante do fracasso. “É culturalmente inaceitável para um primeiro-ministro a falência de seu programa político. Ele vai ter de enfrentar o peso da sua irresponsabilidade individual o que, segundo a tradição milenar do país, geralmente leva à renuncia e à crise do governo”, explica Antonio Carlos Peixoto, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Invisibilidade – Em outros países com o mesmo sistema de governo, não é comum um primeiro-ministro deixar o cargo antes do fim do mandato, a não ser que sofra uma derrota em eleição que determine sua saída – como foi o caso de Gordon Brown, na Grã-Bretanha, em 2010. Mesmo assim, antes de entregar a função a David Cameron, Brown permaneceu no cargo por quase três anos. E, anteriormente, a conservadora Margaret Thatcher (1979-1990) e o trabalhista Tony Blair (1997-2007) foram figuras emblemáticas no país e no mundo: ambos passaram cerca de 10 anos no posto de premiê. Há, ainda, outra diferença crucial entre a tradição do parlamentarismo ocidental e o japonês. No primeiro caso, o líder do partido vitorioso nas eleições é um verdadeiro puxador de votos e, por isso mesmo, assume o cargo. É o nome dele que conduz a legenda à vitória e permanece na vitrine do mundo – como José Luis Rodríguez Zapatero, na Espanha, e Silvio Berlusconi, na Itália.

Já no Japão, se os dois premiês mais recentes, Yukio Hatoyama e Naoto Kan, chegaram a ter um destaque um pouco maior do que os demais, isso ocorreu por motivos ruins para o país, como a manutenção de uma base americana na ilha de Okinawa e o mau gerenciamento da crise nuclear de Fukushima, respectivamente. Na história recente, há apenas uma exceção: o carismático Junichiro Koizumi, último a completar o mandato, de 2001 a 2007. Koizumi não operou o milagre de tirar o Japão da recessão, mas conseguiu a façanha de encerrar sua passagem pelo governo com o respaldo da maioria da população. “Isso foi uma quebra de paradigmas, graças a sua popularidade pessoal, que sempre foi muito alta. Os primeiros-ministros posteriores foram invisíveis perto dele”, analisa Alexandre Uehara, especialista em Ásia e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint- SP). “Ele acabou criando um parâmetro de governança muito difícil de ser equiparado por seus sucessores”, reforça Jeffrey Kingston, coordenador de estudos asiáticos da Universidade Temple do Japão.

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Confira no vídeo abaixo uma cena do ex-premiê, que foge da postura sisuda dos japoneses:

Divergências – A eleição de um primeiro-ministro no Japão é resultado de arranjos internos determinados por diferentes clãs políticos existentes dentro dos partidos. À frente de uma legenda profundamente dividida, o papel do chefe de governo acaba sendo muito mais de condutor do que de líder – o que não lhe garante a autonomia necessária. Mesmo que sua sigla tenha uma posição importante na bancada do Parlamento, ele ainda precisa negociar o apoio de opositores. De certa forma, isso repercute negativamente na hora de governar. “Com essa flexibilização, sua proposta política fica fragilizada. O premiê se compromete com concessões que nunca serão concretizadas”, destaca Uehara. Desde que construiu seu sistema partidário, o Japão convive com essa instabilidade partidária. Além disso, o Partido Liberal Democrático (PLD) dominou por décadas o país, o que impediu que uma oposição de fato se consolidasse. O Partido Democrático Japonês (PDJ), de Hatoyama e Kan, formado por dissidentes do PLD, surgiu com muitas expectativas, só que, mais uma vez, desapontou a população ao decidir manter as velhas políticas de sempre.

E a crise nuclear, desencadeada pelo tsunami que atingiu a costa nordeste em março e deixou quase 15.000 mortos, só serviu para intensificar as crises política e econômica nas quais o país está atolado. Como se já não bastasse a pior situação enfrentada pelo país desde a II Guerra, Naoto Kan ainda viu aumentar seu descrédito entre os japoneses ao admitir que sua resposta à tragédia natural foi “inadequada em vários aspectos” – 55% da população admitiu ter baixas expectativas em relação a ele, que amargava uma aprovação de apenas 20%. Por isso, o PDJ já articula sua saída, a fim de salvar algum mínimo apoio que lhe permita seguir à frente do governo. O problema, mais uma vez, é a falta de um nome forte para substituí-lo. Assim, quem for escolhido, também corre o risco de entrar já com os dias contados para sair.

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