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Lei federal dos EUA deporta gays casados com americanos

Ato em Defesa do Casamento, de 1996, determina: união só vale entre homem e mulher. Direitos garantidos pelo estado são negados a casais homossexuais

Por Carolina Freitas
24 jul 2011, 14h13

Foi amor à primeira vista. Eles trocaram alianças de compromisso na semana em que se conheceram e, quatro anos depois, formalizaram a união ao sol do verão de Connecticut nos Estados Unidos. A magia de recém-casado, no entanto, foi quebrada por uma arrebatadora ordem de deportação. Joshua Vandiver, cidadão americano, teve negado o direito de proporcionar a seu par um visto permanente nos Estados Unidos. A razão? Ele escolheu casar com Henry Velandia, venezuelano e homem.

O casamento gay é permitido no Distrito da Columbia e em seis estados americanos – Iowa, Connecticut, Massachusetts, New Hampshire, Vermont e, a partir deste domingo, Nova York. Apesar disso, uma lei federal de 1996 tira dos casais gays o direito de serem reconhecidos como cônjuges. É o Ato em Defesa do Casamento. Seu principal argumento: “a palavra ‘casamento’ significa somente a união legal entre homem e mulher”. Nada além.

Ou seja, por mais que a lei de imigração americana conceda visto ao cônjuge estrangeiro de um americano, a regra não vale para os gays, porque, para o estado americano a união deles simplesmente não existe. “Se fossemos heterossexuais, Henry já seria um residente permanente. Por sermos gays, ele está prestes a ser deportado”, disse Joshua ao site de VEJA.

O advogado Lavi Soloway, de Nova York, trabalha há dezoito anos com casos com o de Josh e Henry e conta já ter presenciado dezenas de deportações. “Acontece o tempo todo”, diz Soloway. Há, nos Estados Unidos, mais de 36.000 casais binacionais gays, segundo a organização Immigration Equality. O Ato em Defesa do Casamento está sendo questionado na Justiça e no Congresso, mas enquanto nada é decidido, formou-se um limbo onde caem os imigrantes gays.

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Esperança – Ao saberem da ordem de deportação, Josh e Henry recorreram à Justiça e lançaram na internet a campanha “Save Our Marriage”, ou “Salve Nosso Casamento”. Obtiveram mais de dez mil apoios já na primeira semana. A pressão dos movimentos pelos direitos LGBT foi tanta que Henry teve, na semana passada, a ordem de deportação arquivada. “Henry não tem visto algum. Ele não tem nada além da promessa de que não será deportado. Não tem um status legal. Está no meio de uma briga para ter um visto”, explica Soloway.

De qualquer forma, Henry é o primeiro caso nos Estados Unidos de um estrangeiro gay que tem o processo de deportação dado como encerrado na imigração. Até então, as pessoas eram obrigadas a comparecer perante o júri e a decisão poderia ser revista a qualquer tempo. Soloway explica que a decisão só foi possível graças a sensibilidade do juiz, que entendeu que uma deportação arruinaria o casamento de Josh e Henry.

Mesmo assim, o advogado percebe uma mudança na visão da Justiça e das instituições sobre o casamento gay. “Os juízes entendem que, se no futuro a lei federal se tornar igualitária, estaremos deportando hoje uma pessoa que poderá ser autorizada a voltar daqui a dez anos e estaremos destruindo um casamento.”

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A esperança baseia-se na orientação do presidente Barack Obama, que classificou oficialmente o Ato em Defesa do Casamento como inconstitucional. “Só teríamos plena segurança de permanência dos cônjuges estrangeiros de americanos gays no país se Obama desse ordem ao setor de imigração para não deportá-los mais”, diz Soloway.

E por que Obama não faz isso? “Ele não quer tirar a responsabilidade do Congresso de decidir sobre as leis de imigração, inclusive sobre esse ponto controverso. Ele quer que o Congresso sinta a pressão da população por esse direito dos gays”, explica o advogado. “Igualdade significa igualdade. Você não pode ter meia igualdade. Você precisa ser completamente igualitário, senão você não será nada igualitário.”

Abaixo, Josh e Henry contam sua história, em entrevista concedida ao site de VEJA:

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O casamento de Josh Vandiver e Henry Velandia, nos Estados Unidos
O casamento de Josh Vandiver e Henry Velandia, nos Estados Unidos (VEJA)

Como começou o relacionamento de vocês? Josh: Nos conhecemos novembro de 2006, em Princeton. Henry estava em um piquenique com bailarinos do estúdio dele e, depois, nos encontramos para um jantar. Gostamos um do outro na hora e não nos separamos mais desde o primeiro dia. Henry: Pode soar a maluquice, mas no fim daquela semana eu comprei um par de alianças para nós e dei a ele. Desde então, não as tiramos do dedo. Em janeiro de 2007, mudei para o apartamento do Josh, no câmpus da Universidade de Princeton.

Quando vocês decidiram se casar? Josh: Começamos a pensar em casamento em 2008. Esperávamos que o casamento gay passasse a valer em New Jersey, onde vivemos, mas isso não aconteceu. Então decidimos ir para Connecticut. Casamos em agosto de 2010, em uma cerimônia ao ar livre. Fomos abençoados por um lindo dia ensolarado. Fizemos nossos votos debaixo de uma treliça de flores, diante de um lago e de uma floresta, cercados pelos nossos melhores amigos e pela família de Henry.

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O que aconteceu quando vocês pediram o visto com base no casamento para Henry? Josh: Para casais heterosexuais o processo é muito simples. O cidadão americano faz uma petição de visto ao cônjuge estrangeiro ao Escritório de Imigração. A aprovação sai em algumas semanas e o esposo se torna um residente permanente do país. Eu preenchi exatamente a mesma petição para Henry, mas ela foi negada. O Escritório de Imigração usou o Ato em Defesa do Casamento para justificar a decisão.

Isso quer dizer que o casamento de vocês não vale perante as intuições federais. Josh: Exato. Para o governo, nosso casamento não existe. Por causa do Ato em Defesa do Casamento, eu tenho negado o direito de manter meu esposo comigo no meu país. Se fossemos heterossexuais, Henry já seria um residente permanente. Por sermos gays, ele está prestes a ser deportado.

Quando vocês souberam da possibilidade de deportação? Josh: A primeira ameaça de deportação aconteceu em 2009, por causa de um problema com o visto de trabalho. Foi como se nossa vida juntos tivesse sido atingida por um torpedo. Não casamos enquanto essa questão não foi resolvida. Casamento, para nós, é algo realmente sério, não é uma brincadeira. Queríamos nos casar em New Jersey, onde vivemos, e não ter de correr para outro estado como dois fugitivos.

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O que mudaria se, nos Estados Unidos, o casamento gay fosse garantido por uma lei federal? Henry: Há milhares de casais sofrendo o impacto cruel do Ato em Defesa do Casamento. Famílias estão sendo separadas com base em uma lei fora da realidade. Os jovens estão vendo ruir o sonho de ficarem com quem eles realmente amam. Josh: Henry e eu conhecemos centenas de casais como nós, que estão enfrentando a deportação. Para não ter de se separar de seus esposos, alguns americanos decidiram abandonar sua terra natal. É um ato corajoso, mas que traz dificuldades enormes. Nenhum americano deveria ter de se exilar para ficar com seu esposo.

Vocês têm esperança de que o Ato em Defesa do Casamento seja revogado? Josh: Temos muito trabalho pela frente para que isso aconteça e para que os casais gays seja reconhecidos pelo governo federal. Felizmente, acredito que a hora está chegando. Cresci no Colorado, onde ninguém falava uma palavra – ao menos nenhuma boa palavra – sobre a possibilidade de alguém na comunidade ser gay. Eu sempre escondi isso de todos. Mas os tempos estão mudando. Lutando contra essa lei discriminatória que é o Ato em Defesa do Casamento, percebi que as coisas não melhoram automaticamente. A mudança depende da coragem de ser quem você é e aceitar o outro como ele é. Temos caminhos a percorrer até que cada pessoa, no ramo do esporte, da política, do entretenimento e dos negócios, se sinta confortável para mostrar quem realmente é.

Como vocês conseguiram reverter a ordem de deportação de Henry? Josh: A ameaça da deportação de Henry paira sobre nós todos os dias. Deveríamos estar planejando nossa vida juntos, como fazem os recém-casados. Em vez disso, estamos travando todas essas batalhas legais para ficarmos juntos. Apelamos ao governo Obama para que suspendesse imediatamente a deportação de cônjuges de americanos gays e lésbicas. O presidente determinou que o Ato em Defesa do Casamento deve ser considerado discriminatório e inconstitucional. A chefe do Departamento de Segurança Doméstica, Janet Napolitano, tem o poder de suspender as deportações. Obama precisa orienta-la a impedir que casais como nós sofram o dano irreparável de serem separados.

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