Jornais protestam com a primeira página em branco
Manifestação é contra a votação da lei que ameaça liberdade de expressão
“A ameaça de que algum meio de comunicação seja fechado é uma possibilidade mais própria das ditaduras que da democracia”
Diversos jornais bolivianos chegaram às bancas nesta quinta-feira sem notícias na primeira página. Em vez de manchetes, os diários exibiam apenas os dizeres: “Não há democracia sem liberdade de expressão”. O protesto é uma reação de proprietários de jornais e associações de jornalistas ao projeto de lei que prevê o fechamento dos meios de comunicação que publiquem mensagens consideradas racistas.
A Bolívia é mais um país da América Latina a propor uma legislação com intenção de restringir a liberdade de imprensa. A medida, antidemocrática, parece fazer parte da lição de casa de governos esquerdistas do continente, como os da Venezuela, do Brasil e da Argentina.
O ato de repúdio pela liberdade de imprensa foi decidido após a bancada de Evo Morales no Senado anunciar que iria manter na íntegra o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, descumprindo um acordo de suavizar o texto.
Os jornais rejeitaram especialmente dois artigos: o que prevê o fechamento de meios de comunicação que cometam delitos racistas reiterados e o que responsabiliza os jornalistas por eventuais mensagens racistas, anulando a imunidade de que eles gozam graças à Lei de Imprensa de 1925.
“A ameaça de fechar um meio de comunicação é uma possibilidade mais própria das ditaduras que da democracia”, afirmou o jornal Página Siete, ao explicar sua página em branco.
Governo – A mobilização, no entanto, não teve efeito imediato entre os proponentes da nova lei, incluindo a maioria de parlamentares governistas e o presidente Evo Morales, de origem indígena. Em coletiva de imprensa, Morales declarou que “chegou a hora de acabar com o racismo”.
O presidente deu a entender que as queixas da imprensa não vão frear a lei. Segundo ele, o projeto foi proposto inicialmente pelos primeiros parlamentares originários de povos indígenas na história da Bolívia, entre eles afro-bolivianos.
Morales também confirmou que a Federação dos Empregados da Imprensa de La Paz solicitou que o regulamento defina que, no caso extremo de fechamento de um veículo de imprensa, sua licença e seus bens passem a pertencer aos funcionários.
América Latina – Medidas que visam cercear a imprensa têm se tornado frequentes na região. Sem contar Cuba, onde simplesmente não há imprensa independente, o caso mais emblemático é o da Venezuela, cujo governo fechou ou não renovou a concessão de emissoras que faziam oposição ao presidente Hugo Chávez e ainda perseguiu seus proprietários.
Logo após as eleições legislativas, do último dia 26, o caudilho deu uma nova demonstração de intolerância à liberdade de imprensa. Ele se irritou com a repórter Andreina Flores, correspondente em Caracas da Radio France Internacional e da Rádio RCN, da Colômbia, que lhe fez uma pergunta sobre a manipulação do mapa eleitoral no país. Chávez desqualificou a jornalista e disse que os veículos para os quais ela trabalhava divulgavam mentiras.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner trava uma batalha contra os jornais Clarín e La Nación, os quais acusa de adquirir a principal fábrica de papel do país no início da ditadura militar, em 1976, após os donos da companhia serem torturados. O objetivo do governo é acabar com a participação dos periódicos na Papel Prensa.
Além disso, o governo tenta levar a presidente do grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble, de 85 anos, à prisão, levantando a suspeita de que seus filhos adotivos tenham sido sequestrados de pessoas desaparecidas durante a ditadura.
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT protagonizaram diversas tentativas de cercear a imprensa nos último oito anos de governo. Durante a atual campanha presidencial, Lula também fez duros ataques à mídia após a revelação dos escândalos envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra e a violação do sigilo fiscal de integrantes da oposição.
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, viajou à Europa na quarta-feira com o objetivo de trazer especialistas do continente para um seminário brasileiro. A conferência, de acordo com o Planalto, vai reunir subsídios para uma proposta de regulação da mídia que o Planalto pretende enviar ainda neste ano ao Congresso.