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França levanta o véu de seus arquivos da ocupação nazista

Autoridades colocarão na internet documentos mantidos em sigilo por 70 anos

Por BBC
25 ago 2010, 17h44

Depois da libertação de Paris, em 1944, as autoridades e a sociedade francesas em geral evitaram analisar e assumir plenamente o que aconteceu durante a ocupação

A França se apressa para digitalizar e lançar on-line milhares de documentos sobre a Segunda Guerra Mundial, o que permitirá a qualquer pessoa com acesso à internet indagar quem colaborou com os nazistas nesse período obscuro do país.

A publicação na rede simplificará o trâmite, abrindo o caminho para que qualquer um entre nesse universo e saiba, apertando algumas teclas, se algum parente, vizinho ou conhecido está nomeado nos documentos.

Os especialistas opinam que a operação é parte de um processo recente da sociedade francesa para deixar de lado todos os mitos e enganos sobre a ocupação e a resistência, e assumir os fatos do período tal como foram. Mas também advertem sobre o risco de que o acesso aberto aos arquivos leve alguns a tirar conclusões erradas sobre quem delatou pessoas ou ofereceu informação comprometedora à polícia.

A digitalização abarcará diversos arquivos policiais de Paris, de informações gerais até a vigilância a indivíduos, transcrições de interrogatórios ou cartas de delação de judeus, comunistas ou resistentes.

“São documentos de importância crucial”, disse Denis Peschanski, historiador e diretor de pesquisas no Centro Nacional de Investigações Científicas (CNRS na sigla em francês). “Mostram, sobretudo, o caráter muito profissional da polícia de Paris e o papel da polícia francesa durante sua colaboração com os ocupastes”, indicou Peschanski.

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Os arquivos foram guardados durante décadas no subsolo do Museu da Prefeitura de Polícia, em plena Paris, e até agora o acesso era restrito. Enquanto muitos documentos sensíveis foram destruídos depois da libertação da França, outros milhares foram guardados em caixas e classificados como restritos durante 75 anos por decisão do governo do pós-guerra. Esse prazo começará a caducar em 2015 para os documentos fechados em 1940 e nos anos seguintes para o restante do material.

Ainda que há alguns anos tenha se permitido acesso ao material, se estabeleceram condições como pedidos de autorização e justificativas prévias que tornavam complexo o trâmite para pessoas comuns.

Não obstante, alguns pesquisadores e historiadores como Peschanski puderam tocar nas caixas para tarefas específicas, como livros ou documentários. A polícia francesa forneceu ajuda importante às forças nazistas e ao regime de Vichy, instalado depois da queda de Paris e a assinatura do armistício com a Alemanha em junho de 1940.

As forças policiais eram lideradas por René Bousquet, definido pelo comandante da SS Heinrich Himmler como um valioso colaborador, assassinado em 1993 antes de ser julgado por crimes contra a humanidade. Estimativas calculam que 77 mil judeus foram deportados da França para campos de concentração nazistas.

Depois da libertação de Paris, em 1944, as autoridades e a sociedade francesas em geral evitaram analisar e assumir plenamente o que aconteceu durante a ocupação. Mas Peschanski sustenta que, na década de 1970, começou um processo diferente que se acelerou nos últimos anos para revisar e compreender essa página negra da história. “Aceitamos essa herança: o discurso de que a França estava em Londres ou na resistência, mas há o fato que a França também estava em Vichy”, disse o historiador.

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Jean-Marc Berlière, historiador francês especializado no papel da polícia durante a ocupação, sustenta que “a França viveu muito tempo com uma grande quantidade de mentiras sobre o que aconteceu na guerra”.

“Contamos histórias dignas de contos de Papai Noel e provocamos a existência de mitos”, disse Berlière. O historiador expressou sua satisfação porque há “um conhecimento total e completo” do que aconteceu.

O processo que a França fez para digerir seu passado teve etapas importantes. Em 1995, o então presidente Jacques Chirac falou do papel de seu país na Shoah e no ano passado o Conselho de Estado, o máximo tribunal francês, reconheceu a “responsabilidade” do país no Holocausto.

Este ano, um filme recriou os acontecimentos da Rafle du Vel d’Hiv, de 1942, quando a polícia francesa realizou perseguições a 13 mil judeus (4 mil dos quais eram crianças) para levá-los a um velódromo e a campos de concentração. Para muitos, a realização de um filme assim na França seria impensável tempos atrás.

No entanto, os especialistas se mostram inquietos pelo novo passo que a França prepara com a digitalização dos arquivos da polícia de Paris. “As pessoas irão buscar quem denunciava, causava prisões ou falava durante as ações policiais: isso é um problema”, disse Berlière. “Podemos, sem preparação, confiar documentos muito complexos a gente sem experiência?”

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Naqueles anos, agregou, houve casos de judeus que denunciaram judeus porque suas famílias eram reféns da polícia, e resistentes que denunciaram resistentes porque acreditavam que suas táticas eram mais adequadas a bandidos ou terroristas. “É sempre bom desconfiar dos juízos morais”, advertiu Peschanski. “Podemos dizer que houve gente que falou ou não sob tortura ou em interrogatórios mais duros”, disse. “Que as pessoas falassem era a regra, sem juízos morais. O assombroso é que existiu quem não falasse.”

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