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Egito: processo eleitoral será longo, e o futuro, ainda incerto

Primeiro pleito já realizado no país deve se estender até março do próximo ano, em meio à iminência de mais protestos contra Exército e seu modo de governar

Por Vitor Pamplona
28 nov 2011, 09h18

As primeiras eleições livres da história do Egito, com a participação de facções políticas há mais meio século proibidas de ter voz no governo, começaram nesta segunda-feira com o propósito de eleger o primeiro Parlamento democrático do país, mas levantam dúvidas se irão de fato conduzir a nação à democracia. As intenções da Junta Militar, que assumiu o controle do país após a queda do ditador Hosni Mubarak e prometeu entregar o poder a um governo civil em seis meses, são incertas, segundo analistas. Com décadas de regalias e controlando de 20% a 40% da economia egípcia, os militares controlam o governo de transição sem qualquer transparência, já deixaram escapar o desejo de se perpetuar no poder e, sob pretexto de deixar os partidos em igualdade de condições, planejaram um processo eleitoral longo e confuso, que pode dificultar ainda mais as mudanças exigidas nas ruas. “Muitas vezes, as regras pelas quais se organizam as eleições são determinantes para os resultados, para a definição de ganhadores e perdedores”, destaca o professor de direito internacional Salem Nasser, coordenador do Núcleo de Direito Global da Fundação Getúlio Vargas.

O processo eleitoral egípcio

498 cadeiras da Assembleia do Povo, ou Câmara Baixa do Parlamento. É por onde começa a eleição. Um terço delas será preechido pelos candidatos mais votados. O restante será eleito em sistema de representação proporcional (se um partido, por exemplo, tiver 10% dos votos, terá direito de indicar deputados para 10% das vagas).

3 dias de votação: 28 de novembro, 14 de dezembro e 3 de janeiro.

Em 10 de janeiro devem ser divulgados os resultados.

Em 29 de janeiro os egípcios voltam às urnas para eleger os integrantes da Conselho Shura, a Câmara Alta, que terá 270 cadeiras.

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Para março de 2012 está marcada a posse do novo Parlamento.

Três meses depois, em junho, a Junta Militar prometeu realizar as primeiras eleições presidenciais.

O processo eleitoral teve início nesta segunda com a escolha dos deputados que formarão a Câmara Baixa. Mais de 17 milhões de pessoas estão habilitadas a votar em nove províncias. Mas essa é somente a primeira fase do pleito. Os egípcios devem voltar às urnas pelo menos mais três vezes até março do próximo ano, para quando está prevista a posse do Parlamento (confira o quadro ao lado). Sem contar as eleições presidenciais, que estão marcadas para junho. “Penso que o maior medo dos que saíram às ruas é que, o processo sendo esticado no tempo e as eleições acontecendo enquanto os militares estão efetivamente no poder, tanto regras quanto resultados sejam manipulados”, diz Nasser.

Além disso, há o risco iminente de que novos protestos tomem conta da Praça Tahrir. Desde quinta-feira, os violentos confrontos que já mataram mais de 40 pessoas e deixaram mais de 3.250 feridos respeitam uma pequena trégua, que corre o risco de ser quebrada a qualquer nova insatisfação – como os primeiros casos de irregularidades já registrados na votação. “No curto prazo, existe a possibilidade real das eleições descambarem para a violência e de haver uma nova repressão militar, o que adiaria ainda mais a transição para a democracia”, afirma Marina Ottaway, especialista em mudanças políticas no mundo árabe, diretora do programa de Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace. “Diante das circunstâncias, ninguém espera uma transição pacífica para a democracia. Essa possibilidade não é realista. E essas eleições podem ser bem difíceis.”

Irmandade Muçulmana – No Egito que deve ser desenhado pelas urnas, uma aposta é praticamente certa: o recém-fundado Partido da Liberdade e Justiça, pelo qual concorrem os fundamentalistas islâmicos da Irmandade Muçulmana, receberá o maior número de votos. Mais organizados, influentes e tradicionais do que as outras facções políticas, eles devem conquistar cerca de 40% das 498 cadeiras da Assembleia do Povo, o que assegurará grande influência nas futuras decisões do país, entre elas a criação da nova Constituição. “Na soma de resultados, os partidos seculares provavelmente vão receber mais votos do que os islamitas. Mas a diferença é que a Irmandade Muçulmana é uma organização unificada e disciplinada, enquanto os votos dos partidos laicos estarão ramificados entre diversas facções diferentes”, explica Marina Ottaway.

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Além disso, os islamitas dependem de uma base eleitoral consolidada, muito mais ligada à manutenção dos conceitos do fundamentalismo islâmico do que à pauta de reivindicações sociais dos partidos liberais e da grande maioria dos ativistas da Praça Tahrir. O cenário mais provável é uma conciliação entre os interesses deles e os dos militares – que se mantém por trás de todos os governos do país desde a derrubada da monarquia, em 1952. “Os militantes islâmicos talvez sejam uma opção pior do que os liberais, mas acho que vai haver uma acomodação e os militares vão tentar encontrar a melhor forma de manter o máximo possível do seu poder. Ninguém pode dizer qual a fórmula para estabilizar a situação no Egito. Obviamente, não vai ser uma democracia nos moldes ocidentais”, analisa o professor de relações internacionais Samuel Feldberg, das Faculdades Integradas Rio Branco.

Egito: eleitores enfrentaram filas para votar
Egito: eleitores enfrentaram filas para votar (VEJA)

Novas manifestações – Entretanto, é preciso levar em conta que, se esse acordo entre as forças políticas não atender às reivindicações dos manifestantes que tomaram as ruas de todo o país em duas revoluções desde fevereiro, o Egito pode estar prestes a vivenciar um novo grande protesto (ou vários outros). “O que estas últimas manifestações mostram é que o nível de insatisfação é, de fato, muito alto e que há uma recusa de voltar ao que era, ainda que sob nova roupagem”, observa Salem Nasser.

“Eles não estão protestando por algo frívolo. Estão protestando devido a problemas reais. Existem grupos de jovens que não têm nada melhor para fazer a não ser protestar, isso existe em qualquer país. Mas não se põe dezenas de milhares de pessoas nas ruas e na Praça Tahrir por causa de uma ‘protestomania'”, completa Marina Ottaway, salientando que a população só voltou à ruas contra a Junta Militar por causa de um “medo real” de que se não houvesse mais pressão as Forças Armadas, simplesmente, iriam criar um novo regime militar.

Filas – Aos olhos das Forças Armadas, apesar de denúncias de compra de votos e outras infrações eleitorais, o primeiro dia das eleições legislativas foi um sucesso. Em todo o país, os egípcios compareceram em massa aos locais de votação. Longas filas se formaram desde o início da manhã, mas não foram registrados grandes distúrbios como os ocorridos na semana passada, marcada por confrontos entre manifestantes e forças de segurança. Devido à grande procura, o presidente da Comissão Eleitoral, Abdelmoaiz Ibrahim, determinou que o horário de votação fosse ampliado até as 21 horas locais (17 horas em Brasília). A previsão inicial era fechar as urnas duas horas antes, mas a ideia, disse Ibrahim, foi “dar oportunidade aos eleitores que fazem questão de participar da primeira festa democrática do Egito desde a revolução de janeiro”.

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