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Comissão Europeia qualifica acidente nuclear de apocalipse

Confiança da população no governo enfrenta seu maior teste desde II Guerra

Por Da Redação
15 mar 2011, 17h28

A Comissão Europeia qualificou nesta terça-feira o acidente nuclear do Japão de “apocalipse”, por considerar que as autoridades locais perderam o controle da situação na central de Fukushima. A confiança da população no governo japonês enfrenta seu maior teste desde a II Guerra Mundial, enquanto o país enfrenta uma crise nuclear. A preocupação é de que uma quebra na confiança alimente o pânico e o caos, se os apelos por calma forem ignorados.

“Fala-se de apocalipse e acredito que é um termo particularmente bem escolhido”, declarou o comissário europeu de Energia, Günther Oettinger, ante uma comissão do Parlamento Europeu em Bruxelas. “Praticamente tudo está fora de controle”, acrescentou o comissário, que não descartou o pior nas próximas horas e dias no Japão.

O alerta agora é que a fumaça de radiação liberada pela usina nuclear de Fukushima – danificada pelo terremoto e pelo tsunami que devastaram o Japão na sexta-feira – chegue a Tóquio.

Na região próxima à usina, a preocupação continua, apesar da queda dos níveis de radiação. O problema é que o sistema de resfriamento dos reatores da usina não foi solucionado. Ele parou de funcionar por causa da falta de energia elétrica e da subsequente exaustão dos geradores de apoio, necessários para dar energia às bombas que levam a água do mar até o sistema de resfriamento. Com o sistema avariado, a água chega muito devagar aos reatores e ferve rápido demais. Com a temperatura elevada, as varetas de combustível, que isolam o urânio (o combustível nuclear), podem derreter.

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A partir daí, as barras de controle, o vaso de controle (que abriga as varetas e as barras de controle) e ainda a contenção (que abriga o vaso de controle) podem ser danificados com o derretimento do urânio. A situação é considerada grave porque há risco de vazamento do material radioativo. Além disso, o derretimento faz com que o núcleo do reator fique instável podendo ocorrer explosões – elas ocorrem porque o calor faz a água evaporar e no processo sobra hidrogênio, que é altamente inflamável. No limite, o interior do vaso de controle transforma-se em uma bomba.

Os cientistas afirmaram que, caso todos os trabalhadores sejam retirados do local por medida de segurança, será difícil manter o sistema de refrigeração “improvisado”.

A agência de segurança nuclear da França ASN disse nesta terça-feira que o acidente nuclear agora pode ser classificado como nível seis (acidente sério), em uma escala internacional que vai até sete (acidente grave). Na segunda-feira, a ASN havia considerado o acidente na usina, localizada 240 quilômetros a norte de Tóquio, como sendo de nível quatro (acidente com consequências locais). O nível sete foi usado apenas uma vez, para o desastre de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. O acidente de 1979 na usina nuclear da ilha Three Mile, nos Estados Unidos foi classificado como sendo de nível cinco.

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“Agora estamos em uma situação diferente de ontem. Está muito claro que estamos agora em um nível seis, que é um nível intermediário entre o que aconteceu na ilha Three Mile e Chernobyl”, disse o presidente da ASN, Andre-Claude Lacoste, em coletiva de imprensa em Paris nesta terça-feira. “Estamos claramente em uma catástrofe”, disse Lacoste, citando a deterioração da estrutura de contenção do reator Daiichi 2 como um dos principais elementos que sustentam a avaliação pessimista da ASN.

Pânico A falta de controle sobre a situação da usina nuclear tem deixado a população em pânico. Em Tóquio, onde há risco de a fumaça radioativa chegar, os estrangeiros estão deixando a cidade ou têm permanecido em locais fechados. As prateleiras dos supermercados estão se esvaziando, apesar de as autoridades garantirem aos cidadãos que as condições estão controladas.

Já as agências de viagem em Tóquio registraram um grande número de reservas feitas por estrangeiros, mas ainda havia passagens disponíveis para a maioria dos voos hoje. Empresas com funcionários estrangeiros também estavam retirando alguns integrantes de suas famílias. Mas os planos de saída parecem ser mais temporários do que permanentes.

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Alguns moradores estrangeiros receberam um aviso dos representantes locais de seus governos. A Alemanha recomendou que seus cidadãos considerem a hipótese de deixar a Grande Tóquio, segundo um porta-voz da embaixada alemã. A embaixada francesa disse que vai evacuar 280 pessoas das áreas mais atingidas da capital japonesa.

Credibilidade – O governo do primeiro-ministro Naoto Kan já era impopular antes dos desastres. “Esse governo é inútil”, disse Masako Kitajima, 50 anos, funcionária de um escritório de Tóquio. Tóquio Masashi Yoshida, 53 anos, concorda. Quando questionado sobre a sua avaliação sobre o desempenho do governo, respondeu: “É horrível. Eles têm dado informações muito tarde. Eles deveriam ter consultado outros países e especialistas. Eles tentaram muito fazer tudo sozinhos. Acho que eles próprios entraram em pânico, e não conseguiam pensar direito. O Japão estaria melhor se ficássemos sem políticos por 10 anos.”

Até mesmo o prefeito de uma cidade próxima ao complexo nuclear Fukushima Daiichi reclamou que o governo não tem mantido o seu gabinete atualizado sobre a situação. “Temos pedido à província e ao governo para que nos dêem informações rapidamente, mas temos tido de tirar informações à força,” afirmou Katsunobu Sakurai, prefeito de Minamisoma.

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A confiança da população no governo e nas autoridades nucleares é essencial para evitar o pânico desnecessário, disseram especialistas. “É uma questão de legitimidade e de quanto você acredita na organização”, disse o professor Steven Reed, da Chuo University. “Significa que as pessoas não necessariamente cooperam quando o governo pede que façam algo.” Alguns meios de comunicação locais também começaram a adotar um tom crítico ao governo e em especial à proprietária da usina nuclear afetada, a Tokyo Electric Power Co., por não manterem a população bem informada sobre a situação.

As autoridades da empresa deram várias entrevistas coletivas, mas falam rápido e usam termos que vão além do que as pessoas comuns costumam usar. “Informação é a essência do controle de crises”, disse um editorial do jornal Mainichi, ressaltando a precária coordenação entre primeiro-ministro, autoridades de segurança nuclear e a Tokyo Electric. “Baseado em informações em tempo real, é vital para o governo se unir a especialistas em energia nuclear e radiação, a gerenciadores de crises e especialistas em relações públicas e em comunicações sobre risco para trabalhar para tornar as informações disponíveis.”

Ajuda – As iniciativas globais para ajudar o Japão devem se concentrar nas preocupações de longo prazo, como o aconselhamento pós-trauma e o auxílio às pessoas na reconstrução, disse Patrick Fuller, do grupo internacional de ajuda humanitária Cruz Vermelha.

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Um dos países mais ricos do mundo e acostumado a lidar com terremotos, o Japão estava preparado, como possível, para responder a uma crise como essa e tem usado a enorme quantidade de ajuda oferecida para buscar especialistas do exterior. Até agora, as equipes de resgate e as unidades médicas têm liderado os esforços de ajuda internacional para o Japão, mas a esperança de encontrar sobreviventes está diminuindo.

Fuller afirmou que o auxílio humanitário vindo do exterior deveria ter como objetivo agora fornecer benefícios duradouros. “As pessoas perderam muita coisa, perderam suas casas, seus parentes, então um dos focos para nós é ser capaz de dar aconselhamento após o trauma”, disse ele à BBC desde o norte do Japão. “O estresse é um fator importante para as pessoas nesse tipo de situação, mas também ajuda na recuperação num prazo maior. Eles vão precisar de financiamento para se colocarem de pé de novo, para reconstruir suas casas.”

Terremoto – O terremoto que atingiu o Japão na sexta-feira foi o quarto maior já registrado no mundo e o país está diante de uma nova possível catástrofe, depois do vazamento de baixos níveis de radiação de uma usina nuclear danificada, que seguiram rumo a Tóquio. O governo japonês pediu que a Agência Internacional de Energia Atômica, com sede em Viena, envie “missões de especialistas”, mas os detalhes ainda têm de ser acertados.

Os Estados Unidos enviaram uma unidade especializada, com especialistas nucleares e especialistas em resposta a desastres e equipes de busca e resgate em áreas urbanas, incluindo 12 cães farejadores para ajudar na busca por sobreviventes.

A embaixada norte-americana em Tóquio forneceu 100.000 dólares iniciais em assistência imediata a alívio de desastres. As ofertas de ajuda vêm dos países mais pobres também. A cidade afegã de Kandahar, por exemplo, doou 50 mil dólares.

(Com agências France-Presse e Reuters)

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