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Berlim e Bonn, 20 anos depois

Por Alan Cowell - The New York Times
9 jul 2011, 13h44

Há 20 anos, os legisladores alemães cederam a um debate passional que durou dez horas para tomar uma decisão que parecia tão importante quanto acéfala: será que a capital do país recentemente reunificado deveria ser mantida em Bonn, no Reno, ou será que ela deveria voltar para a sua localização histórica, no Spree, entre os monumentos e as memórias confusas de Berlim? Naquele momento, em 20 de junho de 1991, muitas pessoas acreditaram que os deputados insistiriam em manter a pequena e acolhedora capital em Bonn, onde havia sido estabelecida a sede “provisória” do governo da Alemanha Ocidental, em 1949.

Afinal, a cidade universitária era um exemplo de Gemuetlichkeit: ela era confortável em si mesma, enraizada no Ocidente e tão plácida quanto a superfície do rio que lhe corta. Certamente ela teve os seus momentos da Guerra Fria, mas a “pequena cidade na Alemanha” tornou-se famosa por causa do romance epônimo de John le Carre, como um ninho de intrigas e de espionagem.

Até mesmo o chanceler Willy Brandt, o grande emblema da reconciliação entre leste e oeste, descobriu em 1974 que o seu assistente pessoal, Günter Guillaume, era um agente infiltrado de Markus Wolf, o notório espião da Alemanha Oriental.

Mas em 1991, o provincialismo de Bonn parecia vantajoso, não desvantajoso.

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Alguns alemães acreditavam que o retorno para Berlim, a antiga capital do império e a capital de Hitler, poderia alimentar os fantasmas do militarismo prussiano, de um governo centralizado após as décadas de federalismo que acalmaram os corações dos vizinhos do oeste e do leste e dos próprios alemães. Pior ainda, o argumento passou a ser que o florescimento de Berlim como a capital da Alemanha reunificada iria acarretar na estagnação da pobre Bonn.

Assim, quando houve a contagem dos votos (337 votos para Berlim contra 320 votos para Bonn), ela pareceu bastante apertada e, acima de tudo, contraintuitiva. Mesmo assim, desde então, praticamente todas as demais previsões catastróficas provaram-se erradas.

“Não houve uma nova onda wilhelmista”, escreveu o colunista Eckhard Fuhr para o jornal Die Welt, referindo-se ao último imperador alemão, o kaiser Wilhelm II, “e a castração centralizadora do federalismo alemão não aconteceu”.

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“Sim, a Alemanha está novamente lutando batalhas (que seriam impensáveis em 1991), mas a sociedade livrou-se zelosamente de tudo relacionado aos militares”, ele escreveu numa evocação ao fim do serviço militar obrigatório em 1º de julho.

Realmente, as estatísticas parecem sugerir que, embora Bonn esteja longe de cair no esquecimento, Berlim permanece lutando. E como foi mostrado, nos últimos dias, por uma enxurrada de artigos de jornal, de entrevistas nostálgicas e de comentários televisivos, o debate que teve início em 20 de junho de 1991 está longe de um desfecho.

Bonn prosperou fortalecida por investimentos governamentais de quase 2 bilhões de euros e pelas decisões para situar as sedes dos setores privatizados de correios e telecomunicações, bem como de algumas agências da ONU. Sua população cresceu de 310.000 em 1991 para 318.000 e o número de trabalhos na cidade e nas regiões vizinhas aumentou 14,4%, chegando a 285.000.

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A população de Berlim, ao contrário, encontra-se estagnada desde 2000 e ainda não se igualou ao seu pico de crescimento durante o período pós-unificação, 3.47 milhões de habitantes em 1993, permanecendo em cerca de 3.45 milhões. O desemprego, que segue um ritmo decrescente em toda a Alemanha, permanece teimosamente alto na capital (13%), uma das maiores taxas do país.

Parte da prosperidade de Bonn advém de uma lei de 1994 que divide os despojos do Estado. Mesmo quando o Parlamento e a Chancelaria mudaram-se para Berlim, em 1999, seis ministros, incluindo o ministro da Defesa, mantiveram operações substanciais em Bonn, juntamente com muitas agências.

Dos 18.000 funcionários empregados na burocracia federal, mais de 8.000 ainda estão em Bonn. De fato, menos do que foi previsto pela legislação de 1994, mas ainda assim, número considerável numa cidade que tenta fugir da sua reputação de cidade cinzenta, tanto pelo funcionalismo público quanto pelo seu curioso tempo nublado.

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“Eu muitas vezes me senti entediado por esta cidade burocrática maçante”, disse o prefeito de Bonn, Juergen Nimptsch. “Ela carecia de energia e criatividade. Isso mudou completamente. Bonn tornou-se mais jovem e mais atual”.

No entanto, a ideia de duas cidades separadas por 604 km dividindo as energias administrativas de um país moderno e unificado preocupa alguns alemães, como se o espírito do país permanecesse dividido. Eles perguntam: “Por que a Alemanha precisa gastar milhões todos os anos transportando funcionários para lá e para cá entre Bonn e Berlim, numa mudança invariável? Por que enviar 750 toneladas de arquivos, todos os anos, entre as duas cidades?”. Bem, os habitantes de Bonn respondem que uma transferência completa custaria bilhões e seria uma quebra na lei de 1994. “Nós resistiremos firmemente contra uma mudança completa”, Nimptsch afirmou.

A história, no entanto, pode não estar ao seu favor.

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Quando o serviço militar obrigatório terminar em alguns dias, a estrutura de defesa quase certamente irá encolher. De fato, a organização de Bonn “não pode continuar como está”, disse o ministro da Defesa, Thomas de Maiziere.

Ou, como tem dito Wolfgang Thierse, vice-presidente do Parlamento, “faz sentido unir todos os setores do governo, um por um, nos próximos anos”.

A decisão pela transferência da maior parte do governo para Berlim há 20 anos foi a decisão correta, conforme amplamente citado. “Hoje Berlim está no mesmo grupo de Londres e Paris”.

Até certo ponto. Devido aos seus prédios novos e cintilantes – as estruturas de vidro e aço da estação ferroviária Hauptbahnhof oferecem uma visão do bairro governamental, da cúpula de vidro do Bundestag, o parlamento, e dos espigões de Potsdamer Platz – Berlim aparenta ser uma obra em progresso, uma cidade em busca de um coração, de uma identidade que abrace o seu passado e o seu presente.

“Berlim é a capital do temporário, do inconcluso e incompleto”, escreveu Jan Oberlanderwrote para o jornal berlinense Tagesspiegel. “O espírito da cidade é de agregar, executar e seguir adiante”, continuou.

Paralelamente a sua modernidade, Berlim reconheceu o pior do seu passado por meio de estruturas como o memorial do Holocausto próximo aos portões de Brandenburgo. Por outro lado, outras partes do seu passado foram esquecidas: o Muro de Berlim é pouco celebrado. E conforme escrito por Fuhr para o Die Welt, outras memórias permanecem ignoradas, particularmente, a luta clandestina contra o comunismo antes da queda do Muro em 1989.

“Por que essa república berlinense é incapaz de enviar um sinal positivo para si mesma?”, ele perguntou. “Será que os alemães são incapazes de encontrar uma maneira para articular o sucesso histórico?”

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