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As ambições escusas da Turquia, entre Ocidente e Oriente

Saiba como a quebra de relações diplomáticas com a Síria pode colaborar para os projetos de poder, domésticos e regionais, do premiê Recep Tayyip Erdogan

Por Cecília Araújo
17 out 2012, 12h15

Os atritos entre Turquia e Síria, se aumentam a preocupação sobre conflitos na região, podem abrir caminho para a concretização de ambições políticas do governo turco. O premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, rompeu com o ditador Bashar Assad após o início das revoltas populares contra o regime sírio, em março do ano passado. Desde então, o estranhamento entre os dois países têm tido vários capítulos. Os mais recentes foram os ataques sírios à cidade de Akcakale, do lado turco da fronteira, e a interceptação de um avião de passageiros sírios por caças da Turquia.

“Ao perder Erdogan como aliado, a força de Assad no âmbito internacional caiu bastante. Quanto a Erdogan, cortar relações com a Síria o ajudou em seus projetos regionais e domésticos”, afirma Heni Ozi Cukier, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Para Salem Nasser, professor de direito internacional da Fundação Getulio Vargas, isso explica alguns comportamentos da Turquia ao longo dos últimos anos que poderiam ser vistos como contraditórios, como uma proximidade com o Ocidente e ao mesmo tempo uma aproximação com os “inimigos” designados do Ocidente, como Irã. “Em meio às revoltas no mundo árabe, e especialmente na Síria, a Turquia decidiu que deveria se alinhar com a leitura e as escolhas do Ocidente e os países do Golfo Árabe”, diz Nasser.

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A Turquia, único membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na região, costumava servir de mediadora da síria no exterior. A relação amigável entre os dois países veio com o desmantelamento da União Soviética (aliada da Síria), e foi impulsionada pela iniciativa síria de entregar um líder do Partido dos Trabalhadores Curdos ao governo turco.

Com o início das revoltas populares contra o regime sírio em março do ano passado, porém, o premiê Erdogan decidiu romper com o ditador Assad, aumentando o isolamento da Síria. Desde então, Erdogan se posiciona como se a Turquia fosse um modelo a ser seguido. “As pessoas veem a Turquia cada vez mais como um importante poder regional. O país é visto como capaz de ajudar nos conflitos árabes de uma forma que governos ocidentais não se sentiriam confortáveis a fazer”, avalia Elizabeth Ferris, especialista do Instituto Brookings em Washington.

A Turquia, de população quase totalmente muçulmana, seria de fato um exemplo perfeito de convivência bem-sucedida entre valores democráticos e um governo sob o comando de um partido islâmico. A utopia turca, contudo, não se sustenta, segundo um de seus mais qualificados observadores: o historiador Soner Cagaptay, do Washington Institute, um centro de estudos sobre o Oriente Médio com sede nos Estados Unidos. Em entrevista a VEJA, em abril de 2011, ele já advertia: “A Turquia é um modelo falso. A imprensa está acuada, e os tribunais foram dominados pelo partido do governo. Os políticos do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, de Erdogan) dizem o contrário, mas suas políticas acabarão levando à criação de um estado islâmico”. Para o historiador, a Turquia é a prova de que, quando os partidos islâmicos participam de eleições, escondem o fato de que, depois de chegar ao poder, não têm a menor intenção de respeitar a democracia.

Salem Nasser lembra que, até pouco tempo, as Forças Armadas eram vistas como garantia da democracia na Turquia, colocando em xeque as ambições de um partido governante de raízes islamistas. “Ironicamente, se dizia que a democracia era garantida por uma ameaça do golpe militar. A crise síria revelou, ainda que isso não nos tenha chegado à imprensa ocidental, a tensão entre militares e o partido governante. Os primeiros, ou pelo menos parte importante do primeiro escalão, se opõem à política turca para a Síria, mas, ao que parece, hoje a balança de poder pende mais para o governo”.

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Questão curda – Essas ambições externas têm um paralelo no plano interno: é clara a vontade de Erdogan de concentrar poder na própria Turquia. O político populista já levou alguns aspectos ideológicos para a política, como introduzir a religião e se posicionar a favor dos sunitas em suas disputas com os xiitas e outros grupos minoritários. Alguns especialistas sugerem que Erdogan deseja ainda mudar a Constituição da Turquia, transformando seu sistema político parlamentarista em presidencialista, e concorrer à Presidência – ampliando assim os seus poderes. Para alcançar esse objetivo, ele contaria com o apoio dos que parlamentares que condenam a possibilidade separatista curda, em especial o Partido do Movimento Nacionalista.

Historicamente, os curdos são vistos pela Turquia como grande problema, e a criação de um estado autônomo, desde a II Guerra Mundial, é um verdadeiro tabu. “A guerra na Síria pode ser vista como um momento histórico para os curdos reivindicarem sua liberdade, tirando proveito da crise na região. Dessa forma parecem agir, por exemplo, os militantes islâmicos mais radicais, que se aliam aos rebeldes locais para espalhar suas ideias e angariar mais insurgentes”, afirma Marcio Sette Fortes, professor de Relações Internacionais do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais). Nesse contexto, a postura agressiva da Turquia pode ter um alto preço. “Como represália, a Síria pode permitir mais ações violentas pelos curdos a partir de seu território e contra a Turquia. Num quadro mais grave, se o caos se instalar na Síria ou se um conflito aberto envolver a Turquia, a questão curda pode sair totalmente do controle”, diz Nasser.

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