Após escândalo do rei, monarquia é questionada
Juan Carlos I foi hospitalizado após acidente na África, onde caçava elefantes
O escândalo protagonizado pelo rei Juan Carlos I – flagrado em uma caçada a elefantes em Botsuana na semana passada, após um acidente que o levou à hospitalização – provocou um debate de proporções inéditas na Espanha sobre a regulamentação da monarquia.
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A especulação de que o Executivo desconhecia a viagem do rei até o momento do acidente desencadeou fortes críticas, na imprensa e na sociedade civil, sobre o “descontrole” da monarquia. Mais tarde, o Palácio de la Zarzuela desmentiu a informação, garantindo que o governo estava ciente da viagem, que seria um convite da princesa Corinna zu Sayn-Wittgenstein, amiga do rei – ou seja, uma viagem sem custo aos cofres públicos.
Verdade ou não, o alardeado desconhecimento do Executivo serviu de estopim para se começar a falar sobre o “vazio legal” da monarquia espanhola. Não há, no país, regra clara sobre o que ocorre em casos de “indisponibilidade” do monarca. Enquanto o rei está hospitalizado, por exemplo, o príncipe o substitui em eventos sociais, mas não pode promulgar leis ou assinar decretos.
Depois de 34 anos da aprovação da atual Constituição, o país ainda não definiu como seria a sucessão em caso de renúncia, ou de herdeiros gêmeos. Ou mesmo em casos mais comuns, como quando há ausência de descendentes diretos do rei. Segundo a Carta, o assunto deveria ser resolvido por uma lei.
Apesar de muito similar à britânica, a monarquia espanhola prevê mais funções políticas ao rei. Na Grã-Bretanha e na Espanha, por exemplo, o rei pode declarar guerra. Mas, entre os espanhóis, o monarca tem poder também para convocar eleições ou referendos.
Com o escândalo, Juan Carlos vê ameaçada a sua boa reputação na Espanha – ele desempenhou um papel crucial para a instalação da democracia no país após a ditadura franquista, além de ter impedido um golpe militar em 1981. Até hoje, Juan Carlos ostenta um importante papel na diplomacia do país – é notório o episódio de 2007, quando lançou o célebre “Por que não te calas?” ao ditador venezuelano Hugo Chávez. Em tom de bravata, na Cúpula Iberoamericana daquele ano, o caudilho chamava de “fascista” o ex-premiê espanhol José María Aznar.
Após a caçada, o líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em Madri, Tomás Gómez, chegou a pedir a abdicação do rei a favor de seu filho, Felipe. Ideias antimonarquistas inundaram as redes sociais. A pressão sobre o monarca é grande. Partidos republicanos e setores nacionalistas bascos e catalães questionam a cara manutenção da realeza. Ao menos, o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, tem sido discreto, falando apenas sobre a saúde de Juan Carlos. E o PSOE, após a declaração de Gómez, recuou. Informou que a posição do político não representava a do partido.
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“A Espanha, imersa em profunda crise econômica e de credibilidade, poderia passar sem essa. O Rei, figura invariavelmente discreta e comedida, comandante supremo das Forças Armadas e chefe de Estado respeitado, mais ainda. O episódio arranha sua imagem de forma dificilmente reversível”.