Silenciosa e extremamente perigosa: a depressão é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o grande ‘mal do século 21’. As taxas de pacientes no mundo aumentam com frequência e trazem preocupação aos governantes – em países na Europa já existem políticas exclusivas para diminuir esses índices. No cenário de alerta, até o esporte, considerado uma atividade para aliviar as tensões, apresenta os seus casos.
Nos últimos dias, dois jogadores brasileiros chamaram a atenção e foram relacionados com problemas psicológicos. O zagueiro Breno, do Bayern de Munique, da Alemanha, viu um incêndio misterioso em sua casa e é considerado suspeito por ter praticado o ato. Já o lateral direito Mário Fernandes, do Grêmio, desistiu, de forma surpreendente, de uma convocação para a Seleção Brasileira em virtude de problemas particulares. Em ambos os casos, pessoas próximas aos atletas citaram dificuldades relacionadas à depressão.
‘A depressão surge em atletas por diversos motivos. Em primeiro lugar, é porque se abandona a escola, a família, uma vida social saudável, questões importantes para o desenvolvimento humano. Depois, existe também o desnível da origem sócio-econômica. Em pouco tempo, há um salto absurdamente grande de realidade. Isso gera dificuldades de autoconhecimento e identidade, que pode gerar desequilíbrio emocional. Além disso, a depressão pode surgir até em períodos prolongados de lesões’, comenta o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte.
A vida de um atleta profissional, apesar de ser extremamente desejada, apresenta um lado tenebroso. ‘Jogadores de futebol normalmente sofrem com uma solidão acentuada, a aproximação de pessoas por interesse. Isso gera insegurança em relacionamentos sociais. Você junta todos os fatores neste pacote e a carga em um jovem sem respaldo familiar, aí tende a gerar um estado depressivo agudo. Se não for cuidado a tempo, pode gerar interrupção de carreira’, adverte Cozac.
Com passagens por diversos clubes, Cozac pôde acompanhar parte de um processo muito explorado no Brasil em 2002. Taxado como um jogador extremamente talentoso, o ex-meia Pedrinho chegou a tomar remédios na passagem pelo Palmeiras para superar a depressão trazida pelo excesso de lesões. ‘Na época em que trabalhei no Palmeiras, ele já tinha ultrapassado a depressão, já estava voltando a ter o resgate da confiança. O trabalho psicológico deu apoio na demanda dele’, recorda.
Poderosa, a depressão é capaz de derrubar até grandes ídolos mundiais. Adriano, atualmente no Corinthians, apelou às bebidas alcoólicas como forma de fuga do problema. Antes de chegar ao topo do mundo na Copa da Alemanha, o goleiro italiano Gianlugi Buffon, da Juventus, foi submetido a um tratamento psicológico entre 2003 e 2004. Ele definiu o período como uma fase ‘sombria’ pelo sentimento de insatisfação com a vida.
Em outros casos, a depressão reservou um futuro trágico. No início de 2011, Roger, ex-atacante do Botafogo, tirou a própria vida ao se enforcar em um lençol. Em novembro de 2009, o goleiro da seleção nacional e do Hannover, Robert Enke, cometeu suicídio aos 32 anos. A família revelou que o arqueiro recusou o tratamento psicológico, fato, por sinal, corriqueiro entre outros esportistas.
‘Tudo que é ligado a aspectos psicológicos trazem resistência no futebol, é associado à loucura, não há conhecimento da ciência. Mas o percentual de atletas com sintomas de depressão é muito grande, mas a maioria com grau de leve a moderado. Alguns, com história de vida muito triste, apresentam potencial para desenvolver algo de moderado a grave’, revela Cozac, que também avisa sobre a influência da Síndrome do Pânico no esporte, quando o indivíduo entra em estado de reclusão em função da ansiedade.
O tratamento de quadros depressivos envolve, muitas vezes, a utilização de remédios, que causam mais inconvenientes por terem substâncias consideradas dopantes. O próprio Pedrinho chegou a ser flagrado nos exames quando defendia o Palmeiras em 2002. ‘O médico precisa ter cuidado na indicação do medicamento para que não recaia em doping. O caso do Pedrinho foi uma barbaridade sem tamanho, porque você faz a exposição da fragilidade de um atleta. Ninguém sabia que o Pedrinho estava em um tratamento deste tipo’, diz Cozac.
A qualificação de ‘mal do século 21’ mostra que a depressão está presente em todas as áreas da sociedade. Uma pesquisa realizada entre 2005 e 2007 pela Universidade de São Paulo (USP) apontou que o problema atinge 10,9% da população da Grande São Paulo a partir dos 18 anos. Além disso, a OMS traz uma curiosidade: a doença acomete com maior intensidade os países de melhor condição financeira.