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Lei Geral da Copa-2014: por que o Brasil vai ter de ceder

Lula aceitou os termos da Fifa, Orlando Silva foi incapaz de obter um acordo e Dilma agora promete endurecer. Mas as concessões para 2014 são inevitáveis

Por Giancarlo Lepiani
23 out 2011, 09h54

O país-sede de uma competição organizada pela entidade pode pedir ou indicar. Mandar, jamais – a Copa do Mundo, afinal, é da Fifa, e não de seus anfitriões

Ex-presidente da UNE e militante do PC do B, Orlando Silva Júnior chegou à cadeira de ministro do Esporte graças à mesma lei da Física que fez do Brasil a sede da Copa do Mundo de 2014: a inércia. Candidato único no pleito para receber o Mundial, o país foi beneficiado pelo sistema de rodízio entre os continentes (regra que, desde então, já mudou). Não foi necessário apresentar um projeto convincente – único país das Américas que se interessou em fazer a Copa, o Brasil simplesmente estava na fila, e isso já foi o bastante. Contemplado com um lugar no governo graças à farra da distribuição de cargos aos aliados do governo Lula, Orlando Silva virou secretário Nacional de Esporte, secretário Nacional de Esporte Educacional e secretário-executivo da pasta, ainda que não tivesse qualquer experiência prévia na área. Quando o então ministro Agnelo Queiroz saiu para disputar as eleições, Orlando Silva herdou a vaga do chefe graças à qualificação profissional mais valiosa num governo petista: era do partido certo. O PC do B, que tornou-se dono do Ministério na partilha do poder federal, manteve Orlando Silva no gabinete durante os últimos cinco anos. Medíocre na gestão dos assuntos da pasta e suspeitíssimo em sua conduta pessoal, o comunista agora se agarra por um fio. Envolvido num escandaloso caso de corrupção revelado por VEJA, é visto como carta fora do baralho até dentro do governo. Antes mesmo de formalizada a demissão, sofreu a humilhação pública de ter sido descartado como interlocutor da Fifa. Enquanto o ministro tentava salvar o emprego em Brasília, a entidade divulgava a tabela do Mundial na Suíça e avisava, numa entrevista coletiva transmitida ao vivo para o mundo todo, que aguarda por outro ministro. “Creio que na próxima reunião que tivermos no Brasil, em novembro, já vamos conversar com a nova pessoa indicada pela presidente Dilma. Estou confiante de que ela tomou a decisão certa”, disse, com a sutileza de um zagueiro de várzea, o secretário-geral da Fifa, o francês Jeróme Valcke.

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A frase chamou atenção pela contundência, mas não chegou a surpreender quem acompanha a turbulenta relação entre a Fifa e o governo nos últimos meses. Valcke – o homem-forte de Joseph Blatter, escalado pelo presidente da Fifa para mandar recados duros em público enquanto o suíço evita controvérsias e mantém a liturgia do cargo – estava cansado de lidar com Orlando Silva. Incapaz de solucionar os entraves que ainda colocam em dúvida a realização da Copa no Brasil, o ministro já não era mais levado a sério pela Fifa. Numa de suas últimas articulações políticas, há duas semanas, botou Pelé num avião rumo a Porto Alegre e posou para fotos ao lado do rei do futebol no gramado do Estádio Beira-Rio. Era uma tentativa de fortalecer a candidatura gaúcha a sede da Copa das Confederações, ameaçada pela inconstância das reformas executadas pela empreiteira Andrade Gutierrez. Na semana passada, a Fifa anunciou as seis sedes do torneio. Porto Alegre não estava entre elas. Além de atestar o desprestígio do ministro em Zurique, a exclusão do Beira-Rio do torneio-teste para 2014 ilustra bem o processo de tomada de decisões na Fifa. O país-sede de uma competição organizada pela entidade pode pedir ou indicar. Mandar, jamais – a Copa do Mundo, afinal, é da Fifa, e não de seus anfitriões. É exatamente nessa constatação que reside o principal risco para o Mundial de 2014. Quando se refere à próxima reunião com os brasileiros, no mês que vem, Jeróme Valcke está falando sobre uma etapa decisiva dos preparativos – a negociação final sobre os termos da Lei Geral da Copa, o texto que vai regulamentar a realização do evento no país. O projeto oficializa o conjunto de exigências da Fifa ao Comitê Organizador Local. Apesar da lentidão nas obras dos estádios e do atraso alarmante dos projetos de infraestrutura, é a Lei Geral da Copa a mais traiçoeira armadilha no caminho até 2014. Sem sua aprovação nos próximos meses, a Fifa pode até levar a cabo uma providência radical e sem precedentes: a troca do país-sede (que, por contrato, pode ser feita até a metade do ano que vem, sem a necessidade de qualquer compensação financeira aos brasileiros). Na única vez em que a Copa mudou de lugar até hoje, a Colômbia abriu mão do torneio por vontade própria – e por falta de condições -, e a Copa foi para o México.

Orlando Silva e Pelé na visita ao Beira-Rio: a Fifa ignorou a jogada para colocar o estádio na Copa das Confederações
Orlando Silva e Pelé na visita ao Beira-Rio: a Fifa ignorou a jogada para colocar o estádio na Copa das Confederações (VEJA)
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Superpoderes – O anúncio oficial de que a Copa do Mundo de 2014 seria no Brasil ocorreu há exatos quatro anos, em outubro de 2007. A Fifa reclama que o envio do texto da Lei Geral da Copa ao Congresso aconteceu com dois anos de atraso. A Rússia, sede do Mundial de 2018, ganhou a eleição na Fifa há menos de um ano, e já está perto de aprovar a legislação. (Ressalve-se, porém, que a Rússia não é o melhor dos exemplos nesse caso: na terra de Vladimir Putin, o Parlamento só oficializa as ordens do neoczar.) Como se o atraso não fosse o bastante, o texto apresentado pelo governo brasileiro é diferente do que exige a entidade, que já não esconde sua irritação ao ter de rediscutir o que já tinha sido acordado. Ao entregar a Copa ao Brasil, a Fifa recebeu garantias inequívocas do governo Lula em relação às mudanças temporárias na legislação. Quando Dilma Rousseff foi eleita, nenhum cartola esperava encontrar qualquer resistência na aprovação da Lei Geral da Copa. Curiosamente, a posição do Planalto sobre o tema foi uma das poucas manifestações de independência da presidente em relação ao antecessor. Dilma mandou avisar a Fifa de que não aceita conceder superpoderes à entidade nem suspender qualquer direito dos brasileiros em nome da realização do Mundial. No começo do mês, Valcke foi recebido pela presidente em Bruxelas. Saiu do encontro convicto de que Dilma tinha entendido o recado – a Fifa não aceitaria ceder – e satisfeito com as declarações públicas do governo. Por meio de Orlando Silva, o Planalto admitiu que a Copa é um evento “especial” e que, portanto, justificaria possíveis concessões. O alívio na sede da Fifa durou poucos dias. Ao visitar a África do Sul, país que recebeu a última Copa, Dilma afirmou que não mexeria em nenhum benefício ou garantia aos brasileiros. Ganhou aplausos e elogios no Congresso – não faltaram deputados e senadores da base aliada dispostos a retratar a Fifa como vilã e denunciar suas tentativas de atentar contra a soberania nacional. Em Zurique, a torcida é para que essa posição do governo seja apenas para consumo interno, e que, na hora de negociar, Dilma adote seu conhecido pragmatismo. Calcula-se que a Fifa perderia 1 bilhão de dólares se aceitasse a Copa no Brasil sem que suas exigências fossem cumpridas.

Notoriamente corrupta e pouquíssimo transparente, a estrutura de poder da Fifa transformou a entidade numa máquina de fazer dinheiro. O controle total e absoluto sobre a modalidade esportiva mais praticada no planeta produz intermináveis oportunidades de negócio. A Copa do Mundo, claro, é a maior delas. Em sua última edição, em 2010, o Mundial viabilizou uma receita total de 3,2 bilhões de dólares. Descontadas as despesas da própria Fifa, orçadas em cerca de 1,2 bilhão, restaram à entidade nada menos que 2 bilhões de dólares de lucro. Pode parecer injusto que um país torre montanhas de dinheiro em obras para que a Fifa faça fortuna com o evento. São, porém, as regras do jogo. A Fifa é uma entidade privada, e tem a prerrogativa de lucrar com a promoção de seu melhor produto. Do lado do país-sede, a natureza do negócio também é clara: ao receber uma Copa do Mundo, ele ganha a chance de atrair investimentos do setor privado em projetos que podem beneficiar a população durante décadas. Também conquista a oportunidade de estimular a entrada de turistas e promover sua imagem no exterior. Se realizado com competência, o evento pode produzir dividendos generosos. Dentro desse contexto, a definição dos termos do acordo entre a Fifa e o governo precisa escapar dos arroubos de patriotismo barato e ser tratada como o que é: uma negociação. Na lista de itens polêmicos da Lei Geral da Copa, há desde atritos de simples solução até problemas mais espinhosos, que podem exigir saídas menos convencionais (confira na lista abaixo algumas das maiores encrencas do texto). Para o Brasil, entretanto, trata-se de um desafio inescapável a resolver o quanto antes. Porque se uma Copa do Mundo bem-sucedida pode transformar a imagem de um país perante o resto do globo, a possibilidade de se tornar o primeiro anfitrião a perder um Mundial pode ser catastrófica para as pretensões brasileiras no futuro.

Leia no Radar on-line, por Lauro Jardim:

O que se verá a partir de amanhã, o primeiro dia útil depois que Dilma decidiu manter Orlando, é um ministro do Esporte de perna quebrada tentando exercer suas funções. E tendo que dar novas explicações para revelações de velhos malfeitos. Por um lado, Orlando Silva estará sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República. Por outro, estará tomando decisões sobre a Copa 2014 e a Olimpíada 2016. A solução de tirar de Orlando a caneta para assuntos importantes do ministério só evidenciará sua condição de morto-vivo.

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