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Carlos Bernardes, um brasileiro na final de Wimbledon

Ele foi o árbitro do jogo entre Rafael Nadal e Novak Djokovic, neste domingo

Por Silvio Nascimento Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 jul 2011, 06h32

“Só faria a final se o Nadal ganhasse. Não acompanhei o jogo. Andei durante os três primeiros sets e só quando começou o quarto voltei para o hotel… Aqui, só de entrar na quadra central dá arrepio”

Além dos dois melhores tenistas do planeta na final de Wimbledon – o sérvio Novak Djokovic, novo número um do mundo, e o espanhol Rafael Nadal, o número 2 -, um brasileiro também esteve na quadra central do torneio: o árbitro de cadeira Carlos Bernardes. Sem os milhões acumulados em prêmios dos atletas e sem fãs enlouquecidos, Bernardes, 46 anos, mais de 20 a serviço do esporte, também chega ao topo. “Apitar” a final do torneio mais tradicional do mundo, no All England Lawn Tennis and Croquet Club, em sua 125ª edição, não é para qualquer um – é preciso ter uma grande bagagem para vestir o paletó azul escuro, com listas brancas nas mangas, gravata listada em azul e verde e calças brancas e comandar uma partida do mesmo porte, por exemplo, de uma final de Copa do Mundo de Futebol entre Brasil e Argentina, no Brasil.

Esta é a terceira final de simples de Grand Slam em que Bernardes trabalha, a primeira em Wimbledon. As outras duas foram no US Open: em 2006, quando se tornou o primeiro sul-americano a arbitrar uma final de Grand Slam, na vitória do suíço Roger Federer sobre o americano Andy Roddick; e em 2008, novamente vitória de Federer sobre o britânico Andy Murray. Antes, em 2002, havia arbitrado a final da Master Cup, que reúne os oito melhores tenistas da temporada, quando o então número 1, o australiano Lleyton Hewitt venceu o espanhol Juan Carlos Ferrero.

US Open 2006: com o suíço Roger Federer e a 'repórter' Martina Navratilova
US Open 2006: com o suíço Roger Federer e a ‘repórter’ Martina Navratilova (VEJA)

Mas em Wimbledon tudo é diferente. Na segunda-feira, quando foram definidas as quartas na chave masculina, ele foi informado que poderia trabalhar na final – a escala de árbitros sai normalmente na véspera dos jogos. Seu “concorrente” era Enric Molina, espanhol, e a decisão só sairia na sexta-feira, após a definição dos dois tenistas que fariam a final: se Rafael Nadal fosse eliminado, Molina seria o árbitro; se vencesse seria Bernardes. “Só depois do Nadal ganhar a partida eu estava seguro. Mas não acompanhei o jogo. Andei durante os três primeiros sets e só quando começou o quarto voltei para o hotel. Fiquei muito feliz.”

Ele não esconde que um dos motivos mais fortes para estar emocionado é a tradição do torneio. “É algo impressionante. Basta caminhar alguns minutos pelo complexo para respirar história. Aqui é tudo muito natural, só se respira tênis nestas duas semanas. Não há aquela confusão de paparazzi. E só de entrar na quadra central dá arrepio.”

“Ouro” – Ser escalado para uma final de Grand Slam é uma “sorte” só possível a poucos árbitros no tênis. Bernardes é um dos 12 denominados “golden badge” (distintivo ouro, a mais alta graduação) da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) – a carreira começa com o “distintivo branco” (juiz internacional iniciante), passando para bronze, prata e termina em ouro, conforme o tempo de experiência, domínio de inglês, número de partidas e desempenho. E como os torneios de Grand Slam são promovidos pela Federação Internacional de Tênis (ITF), a preferência é escalar árbitros locais e próprios para as finais – daí a dificuldade para ser escolhido. Mas como o brasileiro é um dos poucos “golden” – grau outorgado pela ATP, ITF e também pela Associação das Tenistas Profissionais (WTA) – esta possibilidade se torna cada dia mais real.

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Mas nada é por acaso. Talvez apenas o seu início na carreira de juiz de tênis. Garoto, pulava o muro de um clube em São Caetano do Sul, onde nasceu, para brincar com amigos na quadra vazia. Um dia, os moleques foram intimidados a praticar o esporte de forma mais séria. Jogou, se tornou instrutor e se arriscou a trabalhar como juiz de linha em torneios. Gostou e logo passou a viver exclusivamente como árbitro, apesar de uma vida dura naqueles tempos. “Na primeira vez que viajei, para um torneio em Campos do Jordão, levei cobertor, colcha e travesseiro. Eu mesmo arrumava a cama no quarto do hotel. Não tinha noção de nada”, diverte-se Bernardes, sempre com um sorriso, fala calma, mansa, gestos quase lentos.

O árbrito Carlos Bernardes discute com o tenista italiano Fabio Fognini durante o campeonato Roland Garros, Paris, 2010
O árbrito Carlos Bernardes discute com o tenista italiano Fabio Fognini durante o campeonato Roland Garros, Paris, 2010 (VEJA)

6.000 partidas – Bom contador de histórias, se especializou, estudou o esporte, a função, aprendeu inglês e espanhol, “na raça”, fala italiano e “entende bem” o francês. O número é inexato, mas já trabalhou em mais de 6.000 partidas nos últimos 20 anos. “Sei contar em pelo menos 20 línguas, de checo a russo, de sueco a japonês. Isso porque não só a contagem mas os avisos ao público têm de ser dados na língua do país onde acontece o torneio.”

Adora fotografar e andar pelas cidades onde vai trabalhar pelo mundo. “Toda folga saio para conhecer o lugar, de ônibus, metrô, não importa, aproveito todas as horas livres. Gosto de conhecer a cultura local e as pessoas. Tenho nove passaportes completos e creio que já passei por mais de 70 países. Passaporte para mim dura pouco mais de dois anos. Viajava com uma companhia aérea na qual acumulei mais de 3,5 milhões de milhas. Aí tivemos de mudar e já tenho quase outros 3 milhões. Ganhei cartão platinum e uso para toda a família. E também aprendi muitos truques para viajar melhor e ganhar tempo em aeroportos.”

Hoje mora em Bérgamo, capital da província italiana de mesmo nome, com pouco mais de 1 milhão de habitantes espalhados em 240 comunas, na região da Lombardia, 50 km a noroeste de Milão, entre os lagos de Como e Iseo. O motivo: a namorada italiana. Mas não deixa de ficar em contato quase permanente com a filha Anna Luiza, de 12 anos, que mora no Brasil, seja por e-mail ou facebook.

Segundo a ATP, um árbitro pode ganhar entre 50.000 dólares e 100.000 dólares por ano (entre 6.500 e 13.000 reais por mês), de acordo com seu grau e tempo como juiz. Pode não parecer muito, mas todas as viagens são pagas e as despesas também. “O que ganho dá para viver bem, e a organização dos torneios e também a ATP costumam ser muito bacanas com a gente. Em muitos lugares temos transporte, carro, e até motorista em determinadas situações. Em São Petersburgo já fiquei várias vezes num hotel, um antigo hospital, de alto luxo, em que no café da manhã são servidos caviar e champanhe ao som de violinistas da orquestra sinfônica russa. Deve ser uma fortuna”.

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Carlos Bernardes no US Open 2006, numa das últimas partidas profissionais de Andre Agassi
Carlos Bernardes no US Open 2006, numa das últimas partidas profissionais de Andre Agassi (VEJA)

Entrada livre – As gentilezas se estendem a convites para uma série de eventos, como, por exemplo, jogos da Liga dos Campeões na Europa. “Por causa disso conhecemos muita gente famosa do esporte, além dos tenistas. Já fui apresentado ao Tiger Woods, conheci jogadores do Real Madrid, o Raúl, o Casillas, atores e artistas. E o gozado é que muitos deles nos conhecem porque vão aos torneios e também vêem na TV, nos cumprimentam, tiram foto. Conheci o ex-presidente russo Boris Yeltsin num torneio, ele adorava tênis, e ao me cumprimentar falou que gostava do meu trabalho porque via meus jogos. Isso é muito legal.”

Partidas boas são inesquecíveis, e foram muitas. Algumas trazem lembranças especiais, como quando teve os primeiros contatos com jogadores do topo do ranking, em 1995, ao trabalhar em duas semifinais em San Jose, nos Estados Unidos, nas partidas entre os americanos Andre Agassi (número 2 na época) e Malivai Washington, e Jim Courier contra Michael Chang, porque os outros árbitros para aquelas partidas eram americanos. Agassi venceu o torneio e também esteve em outras partidas emocionantes para Bernardes, como nas últimas em que o americano fez como profissional no US Open de 2006.

Como amante do esporte, o palmeirense Bernardes diz que as partidas do suíço Federer sempre são surpreendentes. “Ele tem um fantástico jogo de pernas e faz jogadas que parecem impossíveis. Tem um domínio da técnica inigualável. Realmente ele impressiona, não importa a fase, antes ou atual.”

E agora depois de uma final em Wimbledon, o que falta fazer na carreira? “Talvez uma final de Copa Davis, evento da ITF, que dá preferência a seus árbitros. Já fiz duas semis mas uma final seria bem diferente. E quem sabe final de Olimpíada, de repente aqui no Brasil.”

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