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Brasil olímpico gasta em ouro, mas é só medalha de lata

Estudo do Contas Abertas mostra que gasto do governo em esporte disparou - mas os recursos alimentam modalidades diversas de corrupção e politicagem

Por Giancarlo Lepiani
29 out 2011, 17h39

A transformação do ministério num feudo do partido de Agnelo Queiroz, Orlando Silva e Aldo Rebelo impediu que o Brasil começasse, enfim, a se tornar uma verdadeira potência esportiva, como é sua vocação

Há pouco mais de uma década, o deputado Aldo Rebelo presidia a CPI que investigava a CBF, a delegação brasileira voltava dos Jogos de Sydney em 52º lugar no quadro de medalhas e o esporte recebia uma fatia de 184 milhões de reais no Orçamento da União – as verbas liberadas somavam só 0,017% do total de despesas previstas pelo governo em 2000. Nesta semana, Aldo Rebelo tornou-se ministro do Esporte. Foi parabenizado por Ricardo Teixeira, de quem já não é mais desafeto. Enquanto isso, em Guadalajara, no México, os atletas brasileiros disputavam os Jogos Pan-Americanos em busca de marcas que sinalizassem uma participação mais respeitável na Olimpíada de Londres, no ano que vem. Boa parte da delegação é beneficiária de algum programa de apoio bancado pelo ministério, que deixou para trás os tempos de dinheiro curto e iniciativas modestas. O Orçamento de 2010 reservou ao esporte nada menos que 2,3 bilhões de reais, dos quais 778 milhões foram efetivamente gastos. É quatro vezes o montante pago dez anos antes. Na soma de todos os recursos federais para o esporte em 2010, chega-se a uma despesa total de 1,72 bilhão de reais.

À primeira vista, pode parecer uma evolução elogiável. A descrição das atividades dessa versão anabolizada do Ministério do Esporte inclui desde programas de incentivo ao atleta de alto rendimento – aquele que participa das grandes competições e traz medalhas ao Brasil – até projetos que pretendem formar novos campeões (ou, no mínimo, aproveitar os benefícios sociais das atividades esportivas para ajudar a educar as crianças). Um exame mais atento nos números do governo, porém, mostra que a enxurrada de recursos na área não significa que o Brasil finalmente adotou uma política de desenvolvimento esportivo consistente e bem planejada. Controlado pelo PC do B desde o início da gestão petista no Planalto, em 2003, o setor engordou suas contas e ampliou suas fontes de recursos. Mas a transformação da pasta num feudo do partido de Agnelo Queiroz, Orlando Silva e Aldo Rebelo impediu que o Brasil começasse, enfim, a se tornar uma verdadeira nação esportiva. Como é de costume num governo em que a filiação partidária vale mais que o conhecimento técnico e a capacidade administrativa, o esporte foi convertido num campo fértil de negociação política, com modalidades diversas de corrupção e troca de favores.

De acordo com um estudo realizado pela ONG Contas Abertas, especializada na análise de gastos públicos, as despesas federais na área dispararam durante a década em que o Brasil recebeu o Pan no Rio, virou país-sede da Copa do Mundo de 2014 e ganhou a briga para receber a Olimpíada de 2016 (confira mais dados no quadro abaixo). O Pan de 2007, aliás, fez o investimento do governo atingir nível inédito, tanto em valores absolutos quanto em relação ao PIB e ao Orçamento total da União. Espera-se o mesmo para os dois ou três anos que antecederem a Olimpíada do Rio. Pode ser tarde demais, no entanto, para melhorar de forma significativa o desempenho do Brasil nos Jogos – a formação de um atleta olímpico se faz a longo prazo, e depende principalmente da existência de uma estrutura propícia à criação de futuros medalhistas. Essa seria, em tese, uma das funções do programa Segundo Tempo, a principal bandeira do Ministério do Esporte sob a gestão comunista. Mas revelar novos talentos, claro, não era a maior preocupação da turma de Orlando Silva na hora de colocar o projeto em prática. Além de ter sido corroído pelos corruptos (o esquema de desvios revelados por VEJA na pasta funcionava justamente no Segundo Tempo), o programa virou instrumento de barganha.

Um mapa de repasses do Segundo Tempo mostra que os recursos eram concentrados em prefeituras e secretarias municipais de Esporte ocupadas pelos comunistas. Como dono do esporte no governo petista, o PC do B replicou essa dobradinha em cidades e estados. Onde há prefeito ou governador do PT ou de algum partido aliado, sempre existe a chance de que um integrante do PC do B comande a secretaria de Esporte – ou pelo menos ocupe algum cargo na área. O levantamento do Contas Abertas indica que, desde 2003, quando o partido assumiu o Ministério, o Segundo Tempo é o terceiro principal destinatário de recursos do Orçamento da pasta, abocanhando 722 milhões de reais. O programa só perde para os gastos com o Pan de 2007 (992 milhões de reais) e para uma iniciativa chamada Esporte e Lazer na Cidade, que somou a bagatela de 1,19 bilhão de reais em sete anos. Assim como o Segundo Tempo, esse é outro programa cheio de boas intenções que acabou sendo convertido em uma farra para os políticos. O pacote bilionário inclui emendas propostas por parlamentares para a construção de quadras poliesportivas em seus redutos eleitorais. A formação de futuros ídolos e a importância social da prática esportiva, evidentemente, não foram os fatores prioritários na hora de decidir como gastar esse dinheiro.

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O brasileiro Cesar Cielo durante a prova de 50 metros livres, no sexto dia dos Jogos Pan-Americanos em Guadalajara, México, em 20/10/2011
O brasileiro Cesar Cielo durante a prova de 50 metros livres, no sexto dia dos Jogos Pan-Americanos em Guadalajara, México, em 20/10/2011 (VEJA)

Vocação desperdiçada – Na lista das projetos mais caros do Ministério do Esporte desde 2003, o incentivo aos atletas de alto rendimento é só o quinto colocado. O programa Brasil Campeão recebeu 376 milhões de reais, menos de um terço da verba do Esporte e Lazer na Cidade (ou pouco mais da metade do dinheiro injetado no Segundo Tempo). Os esportistas de ponta, entretanto, não contam só com o ministério na hora de custear seus treinamentos. O estado também banca o desenvolvimento dos atletas através de patrocínios multimilionários das maiores empresas públicas do país. Conforme o estudo do Contas Abertas, os patrocínios das estatais ao esporte somaram 158,7 milhões de reais entre 2010 e 2011. Muitos atletas de alto rendimento também são beneficiados por projetos pagos pela Lei de Incentivo ao Esporte. No ano passado, a captação de recursos dentro dessa lei chegou a 189 milhões de reais. Ainda assim, o desempenho brasileiro nas maiores competições internacionais ainda não confirma o que muitos especialistas chamam de “vocação esportiva” do país. Os resultados estão melhorando, mas o Brasil continua distante do status de potência, mesmo tendo condições demográficas, climáticas e geográficas que permitiriam fazê-lo figurar nas primeiras posições dos quadros de medalhas nas Olimpíadas.

Depois do 52º lugar em Sydney-2000, o Brasil saltou para 16º em Atenas-2004 e escorregou para 23º em Pequim-2008, quando ficou atrás de países como Noruega, Hungria, Romênia, Belarus, Etiópia, Polônia e Quênia. Mais preocupante que a lentidão do avanço do país no esporte é a escassez de novos talentos revelados pela avalanche de dinheiro público no setor. O último grande herói olímpico surgido aqui foi César Cielo, expoente de uma modalidade de financiamento ainda muito popular no país. “Até o Pan do Rio, tudo foi bancado pelo meu pai, puro ‘paitrocínio’ mesmo”, disse o nadador depois de bater o recorde mundial dos 100 metros, a prova mais nobre das piscinas. Cielo não contava só com a mãe professora e o pai pediatra na hora de custear sua preparação. Tinha bolsa de 35.000 dólares anuais da Universidade Auburn – uma instituição pública -, no Alabama, Estados Unidos. Os americanos, portanto, gastaram dinheiro para que o Brasil tivesse seu primeiro campeão olímpico na natação. Na maior potência esportiva do planeta, aliás, não é preciso distribuir emendas parlamentares para construir quadras – há décadas, qualquer escola ou universidade bancada pelo dinheiro do contribuinte tem as condições necessárias para revelar e formar bons atletas. O surgimento de grandes campeões acontece naturalmente, graças a uma estrutura eficaz e coerente. Sem Ministério do Esporte (nos EUA, a pasta não existe), sem ONGs picaretas e sem patrocínio das estatais.

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