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Svetlana Alexievich, a documentarista do fracasso soviético

Por Da Redação
8 out 2015, 11h36

A escritora bielorrussa Svetlana Alexievich, agraciada nesta quinta-feira com o Prêmio Nobel de Literatura, é uma mestra do jornalismo literária, gênero com o qual vem relatando, há trinta anos, o fracasso da utopia soviética. Sara Danius, secretária-permanente da Academia Sueca, justificou a escolha de Svetlana Alexievic lembrando que a sua obra é voltada para “os que sofrem”. Jornalista e escritora, Svetlana é autora de livros de forte densidade política — assim como Herta Muller, outra laureada recente na disputa. Seus títulos, de não-ficção, são voltados a investigar a vida no Leste Europeu antes e após o colapso da União Soviética (URSS).

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Em 2013, ao receber o Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães (2013), Svetlana Alexievich fez um diagnóstico interessante sobre a duração dos efeitos deletérios do controle soviético sobre as pessoas. “O homem soviético não desapareceu. É uma mistura de prisão e creche. Não toma decisões, simplesmente está à espera da partilha. Para esse tipo de homem, a liberdade é poder escolher entre vinte tipos de embutidos.”

À imagem e semelhança de uma arqueóloga, Svetlana submerge na realidade do “homo sovieticus” a partir de centenas de entrevistas com personagens dos eventos mais traumáticos à região, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Afeganistão, a catástrofe de Chernobyl e a desintegração da URSS. Ela não fica ancorada no passado, mas documenta de maneira crítica o caminho tomado desde 1991 por países como a Rússia, a cujo presidente, Vladimir Putin, acusa de conduzir a nação a “tempos medievais”, graças ao seu “culto à força”.

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De pai bielorrusso e mãe ucraniana, Svetlana Alexievich, que não tem livros no Brasil, nasceu em 31 de maio de 1948 no oeste da Ucrânia, mas posteriormente migrou com a família para a vizinha Belarus, na Bielorrússia. Trabalhou como professora, profissão dos pais, lecionando história e língua alemã, antes de se dedicar à verdadeira paixão, a reportagem. A autora se formou em jornalismo em 1972, na Universidade de Minsk e atuou em várias redações até lançar o primeiro livro.

U vojny ne ženskoe lico (War’s Unwomanly Face em inglês ou algo como A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, em português), o primeiro livro, ficou pronto em 1983, custou a ela um golpe das autoridades soviéticas, que a acusaram de naturalismo e pacifismo, críticas duras que, naqueles tempos, impediram a sua publicação. O livro só viria a ser editado dois anos depois, com a chegada da perestroika, a abertura russa sob o comando de Gorbachev, mesmo após o ingresso de Svetlana na União de Escritores da União Soviética, em 1984.

Traduzido a mais de 20 idiomas, o título narra o incomensurável custo da vitória sobre a Alemanha nazista na Grande Guerra Pátria (1941-45), como é chamada, nessa região do mundo, a Segunda Guerra Mundial. Embora a maioria dos soldados soviéticos fossem homens — cerca de 1 milhão de mulheres serviram ao Exército Vermelho –, a população feminina sofreu tanto na frente de batalha como na retaguarda como mães, filhas e irmãs. Também em 1985, Svetlana lançou Últimas Testemunhas, livro de relatos que foram muito louvados pela crítica como precursores da “nova prosa bélica”. O livro reúne depoimentos de pessoas que vivenciaram a guerra quando crianças.

A Guerra do Afeganistão, acontecimento que precipitou a desintegração soviética, é a protagonista de As Meninas do Zinco (1989), mas do ponto de vista dos veteranos e das mães dos caídos no país centro-asiático. Para escrever essa obra, Svetlana Alexievich dedicou quatro anos a viajar pela União Soviética e para visitar o Afeganistão, mas sua publicação esteve rodeada por controvérsia, já que a escritora foi acusada de profanar a memória dos heróis da guerra.

Uma vez consumada a queda da URSS, a autora deu se dedicou a investigar o fracasso da utopia comunista com Enfeitiçados pela Morte, uma reportagem literária sobre o suicídio daqueles que não suportaram o fim do mito socialista (1994).

Já Vozes de Chernobyl (1997), seu livro mais famoso, documenta as vivências orais sobre o trauma causado pela maior catástrofe nuclear da história da humanidade (1986) e que evidenciou a ameaça que o fracassado projeto soviético representava para o resto do mundo. O título foi tema de um curta, The Door (A Porta), da diretora irlandesa Juanita Wilson, que concorreu ao Oscar em 2010:

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Svetlana Alexievich fechou o ciclo sobre o “homo sovieticus” com Tempo de Segunda Mão, publicado em 2013, ano em apareceu pela primeira vez como uma das favoritas ao Nobel. Em sua opinião, o título alude ao fato de que os soviéticos vivem de forma precária, já que não estavam preparados nem para a Revolução Bolchevique nem para a perestroika nem para a pesada carga de liberdade que trouxe consigo a queda do sistema comunista. “O homo sovieticus nunca teve experiência de liberdade ou democracia. Achamos que logo após derrubar a estátua do (fundador da KGB, Felix) Dzherzhinski, seríamos Europa. A democracia é um trabalho duro que leva gerações”, ponderou.

Os interlocutores de Svetlana Alexievich estão acanhados por um profundo “sentido pessimista”, não tanto pela decepção que representou a queda da União Soviética, mas pelo fim de um grande império.

Comparada frequentemente com Solzhenitsin e com o polonês Ryszard Kapuscinski, a bielorrussa, autora de três peças teatrais e de 21 roteiros para cinema, prepara agora um novo romance cujo tema se afasta de seu “ciclo vermelho: o amor”.

(Com agência EFE)

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