Sob aplausos, Anna Muylaert apresenta novo filme em Berlim
Diretora de “Que Horas Ela Volta?” lança no festival o longa 'Mãe Só Há Uma', inspirado no 'caso Pedrinho', sobre um adolescente que descobre ter sido roubado na maternidade
Com Mãe Só Há Uma, Anna Muylaert está de volta, pelo segundo ano consecutivo, à seção Panorama do Festival de Berlim. Em 2015, a diretora ganhou o prêmio do público da mostra com Que Horas Ela Volta?, sobre as complicadas relações entre famílias de classe média e empregados domésticos. Em inglês, o filme se chamou The Second Mother, ou “A Segunda Mãe”, numa referência ao papel de Val (Regina Casé) na vida do adolescente Fabinho (Michel Joelsas), de quem cuida desde criança, e ao reencontro com sua própria filha, Jéssica (Camila Márdila), que deixou no Nordeste e vai a São Paulo para prestar vestibular.
Após a boa participação no ano passado, Anna retorna ao Festival com Mãe Só Há Uma, longa inspirado na história real conhecida como “caso Pedrinho”. Na década de 1980, Vilma Martins levou um bebê de um hospital em Brasília, descoberto 16 anos mais tarde em Goiânia. Com uma reputação a zelar, a cineasta paulistana fez um bom trabalho. Um dia antes da primeira sessão do filme em Berlim, os ingressos já estavam esgotados. Ao fim da exibição, recebeu aplausos fervorosos.
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Na trama, ela narra a história de Pierre (Naomi Nero, sobrinho do ator Alexandre Nero), um adolescente comum, que toca numa banda, fuma maconha e se relaciona com meninos e meninas, sem rótulos. Ele descobre ter sido roubado na maternidade por sua mãe Aracy (Dani Nefusi).
Em vez de focar em Aracy, Muylaert resolveu mostrar o lado do garoto. Pierre perde a mãe, que vai presa, e a irmã Jaqueline (Lais Dias), também raptada quando bebê e devolvida aos pais de sangue. A reunião do rapaz com a família biológica está longe de ser um conto de fadas. Glória (novamente Dani Nefusi, ótima nos dois papéis) e Matheus (Matheus Nachtergaele) procuraram o filho durante 17 anos e estão ansiosos para recuperar o tempo perdido, sem reconhecer que isso não tem volta.
O casal tem uma imensa dificuldade de aceitar como Pierre é – para começar, insistem em chamá-lo pelo nome que lhe deram, Felipe. O garoto, acuado, faz de tudo para procurar o confronto, colocando para fora o que até então mantinha escondido mesmo de sua mãe de criação, como o uso de maquiagem, de roupas consideradas femininas e a sexualidade fluida. Ainda que se provoquem, como é de praxe entre dois adolescentes, quem mais entende Pierre/Felipe é seu novo irmão mais jovem, Joca (Daniel Botelho). No mercado internacional, o filme já ganhou o título Don’t Call Me Son (Não Me Chame de Filho, em tradução direta).
A diretora se mostra antenada com a juventude de hoje, sem menosprezá-la ou considerá-la pior que a sua própria geração. Também é uma escolha interessante escalar a mesma atriz, Dani Nefusi, como a mãe sequestradora e a mãe biológica, demonstrando uma continuidade no olhar de Pierre, que sempre vai ver Aracy em toda atitude de Glória, como reconhecimento ou divergência. O filme poderia ter ido mais leve na caracterização dos pais biológicos, tanto de Pierre quanto de Jaqueline – claro que todos estão ansiosos, mas as atitudes e reações são um pouco monocórdicas.