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Sambô e companhia: um atentado ao rock (e ao samba)

'Sangue Bom', a nova novela das sete da Globo, traz na abertura uma versão sambada de 'Toda Forma de Amor', de Lulu Santos, e alça de vez ao estrelato uma brincadeira que tortura ouvidos ao misturar sem critério rock e samba

Por Carol Nogueira
4 Maio 2013, 19h17
O grupo Sambô, que emplacou releitura sambada da música Toda Forma de Amor, de Lulu Santos, na abertura da novela Sangue Bom, da Globo
O grupo Sambô, que emplacou releitura sambada da música Toda Forma de Amor, de Lulu Santos, na abertura da novela Sangue Bom, da Globo (VEJA)

Desde a última segunda-feira, quem liga na TV Globo pouco depois das sete da noite escuta uma mistura improvável na abertura da novela Sangue Bom. Sacudida por batidas de samba, a faixa Toda Forma de Amor, lançada por Lulu Santos em 1988, ressurge em versão pontuada de agudos – os agudos do vocalista do Sambô, grupo que se tornou conhecido por fazer releituras de clássicos do pop-rock com pitadas (para não dizer patadas) de samba. O horário nobre da televisão foi o último terreno conquistado pela mistureba musical, que já vem pautando o repertório de outros conjuntos, todos parte de um filão que não para de crescer e de vender discos. Além do Sambô, formado em 2006, há derivados como o Oba Oba Samba House e o Rio Samba ‘n’ Roll, ambos com pouco menos de três anos de carreira.

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https://youtube.com/watch?v=G5fuFWZvwfo

A história do Oba Oba Samba House, que também já emplacou uma faixa em novela da Globo, a autoral I Love You Baby na trilha da novela Salve Jorge, é parecida. “Somos músicos de samba há treze anos e amigos há ainda mais tempo. Há uns três anos, gravamos de gozação uma versão de Otherside, do Red Hot Chilli Peppers, em versão samba, e ela estourou no YouTube”, conta o vocalista, Luciano Tiso. O grupo acaba de lançar o segundo CD pela gravadora Sony, #navibe, e segue uma agenda de cerca de vinte shows por mês.

Marketing viral — A internet é a principal ferramenta de marketing dessas bandas. “Um amigo publicou um vídeo nosso tocando uma versão de Rock and Roll, do Led Zeppelin, e ele teve muito acesso. Hoje, conta mais de 40 milhões de cliques”, diz Daniel San, do Sambô. Os vídeos do Rio Samba ‘n’ Roll, que começou em 2010 com versões sambadas de canções de bandas como Maroon 5, Adele e Guns n’ Roses, também tem milhares de visualizações. As prévias do primeiro DVD do grupo, que sai neste mês, alcançaram até 5.000 acessos em noventa dias.

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Ainda no Rio de Janeiro, o Bloco do Sargento Pimenta, criado no Carnaval de 2011 para fazer releituras de músicas dos Beatles (o nome é uma referência ao disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band) com ritmos brasileiros como samba, maracatu e xote, tem feito tanto sucesso que neste ano atraiu mais de 100.000 foliões. “Tínhamos receio de fazer John Lennon se revirar no túmulo. Se eu ouvisse falar que um grupo estava transformando canções dos Beatles, ficaria com um pé atrás. Mas as pessoas gostam do que a gente faz”, diz Felipe Fernandes, um dos fundadores do bloco.

Ele tem razão: é frágil a linha que separa a brincadeira do mau gosto. Se entendidas como uma brincadeira, algumas leituras podem até ser perdoadas. Mas alguns casos, ainda que encarados como gozação, agridem os ouvidos e a boa vontade. Como aguentar, por exemplo, uma canção como Sunday, Bloody Sunday, do U2, que trata de um massacre na Irlanda, em ritmo de samba de gafieira? Essa, aliás, parece a única vertente do samba conhecida por esses grupos, que fazem do gênero, tão rico em variações que chegou a ser definido por Vinicius de Moraes como “a tristeza que balança”, um lastimável pagodão. Não só o rock sai maltratado: o samba também.

Os músicos, não é à toa, têm ensaiado o discurso de defesa para os seus discos. “A gente não considera o que faz um tipo de samba. E não estamos tirando onda das músicas, estamos tocando a nossa cultura em cima da cultura deles. Mas a crítica vem por todos os lados. Sempre vai haver puristas”, diz Daniel San, do Sambô.

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Por mais que o mercado esteja agora inundado de releituras sambadas, a mistura não é nova. Nos anos 1970, muitos grupos faziam esse mix, como lembra Claudio Marçal, do Rio Samba ‘n’ Roll. “Sérgio Mendes já tocava Beatles em ritmo de bossa nova nos anos 1960, os Novos Baianos nos anos 70 também eram adeptos de misturar uma guitarra a la Jimi Hendrix com choro e samba, e tudo isso só mostra que a música no século XXI está sempre aberta às possibilidades”, diz. A diferença, falta dizer, é que Mendes e Moraes Moreira e companhia faziam uma mistura, por assim dizer, mais fina.

Justiça seja feita, a maioria dessas bandas parece fazer melhor quando foca só no samba, deixando as invencionices de lado. “Temos consciência de que entramos no mercado por uma porta lateral, mas temos esperança de que aos poucos possamos mostrar nosso trabalho autoral”, diz Daniel San. “Não sei se todo mundo vai gostar. Acredito que não, mas vamos ver.” Vamos ver.

Sambô

Formado em 2006 em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o grupo tem um vocalista capaz de reproduzir de maneira hilária timbres de diferentes cantores, de Alcione, a Marrom, à roqueira Janis Joplin. O repertório é uma mistureba: tem desde samba de raiz e MPB, que o grupo faz até direitinho, como no caso de É Preciso Muito Amor (de Noca da Portela) e Fato Consumado (de Djavan). Mas o que os tornou famosos foi a releitura de clássicos do rock e do pop, tanto nacional como internacional, com roupagem sambada. Entram na lista músicas como Sunday Bloody Sunday, do U2 — cujo conteúdo político, sobre um massacre de civis pelo Exército britânico ocorrido na Irlanda, é sacudido por um sambão de quebrar as cadeiras –, e Rock and Roll, do Led Zeppelin, que mais parece uma brincadeira da banda Massacration, dos humoristas Hermes e Renato. Neste ano, a banda emplacou uma versão de Toda Forma de Amor na abertura da novela das sete da Globo Sangue Bom.

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Oba Oba Samba House

Formada em 2011 também em Ribeirão Preto (SP), a banda de amigos lançou o seu primeiro disco, Oba Oba Samba House ao Vivo, no ano passado. Não toca samba de raiz ou MPB, e o repertório é quase todo de clássicos do pop-rock em releitura meio samba, meio house, uma chatice repleta de autotune. Há algumas faixas nacionais, como Meu Erro, do Paralamas do Sucesso, e Mulher de Fases, do Raimundos (que fica até simpática), mas a maioria é internacional, de bandas como Red Hot Chili Peppers (um pout-pourri sofrível que junta By the Way, Californication e Under the Bridge), Oasis  (uma versão de Wonderwall que mais parece cantada pela ex-BBB Solange, aquela do “iarnuou“) e Kings of Leon (de Use Somebody, uma das releituras mais famosas do grupo). Uma das faixas autorais, I Love You Baby, está na trilha da novela Salve Jorge.

Rio Samba ‘n’ Roll

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Formado há dois anos no Rio de Janeiro, o grupo vem conquistando cada vez mais fãs com sua mistura de rock ‘n’ roll e pop com samba. Entram no repertório músicas de grupos como Black Sabbath, Coldplay, Maroon 5 e até Adele. A intenção declarada é brincar com as músicas. Na versão que fazem de Sweet Child O’ Mine, do Guns n Roses, há um guitarrista com cabelo e cartola que imitam Slash, músico da banda americana. Ao contrário do Sambô (cujo disco saiu pela Som Livre, que é da Globo) e Oba Oba Samba House (que tem contrato com a Sony), a banda ainda é pequena, pois não está atrelada a nenhuma grande gravadora. Lança em breve seu primeiro DVD, que leva o nome do grupo.

Bloco do Sargento Pimenta

O bloco, composto por mais de 100 percussionistas, tocou pela primeira vez em 2011, e já é um dos mais famosos do Carnaval carioca. Neste ano, atraiu mais de 100.000 pessoas ao aterro do Flamengo. O nome Sargento Pimenta é uma referência óbvia ao disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o mais importante dos Beatles, de quem o grupo empresta repertório, que transforma em batucada, misturando canções como All My Loving, A Hard Day’s Night e Twist and Shout a ritmos brasileiros, como o maracatu. E dá certo — ao menos, para o Carnaval, já que é melhor que muitas marchinhas e samba-enredos atuais.

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Bangalafumenga

Ao ver tantas bandas parecidas surgirem, alguém pode até pensar que “a arte” de misturar samba e rock foi inventada ontem. Mas não foi. O Bangalafumenga, que também começou como bloco carnavalesco, em 1998, e depois se tornou um grupo de verdade, é prova disso. A banda tem três discos no currículo — o último é Barraco Dourado, de 2009 — e, em 2010, sua releitura de Lourinha Bombril, dos Paralamas do Sucesso, foi escolhida como tema de abertura da novelinha adolescente Malhação — com a qual, aliás, Sangue Bom vem sendo comparada.

Lee Jackson

A moda de misturar samba e rock não é recente — mesmo. Nos anos 1970, o grupo Lee Jackson (que, apesar do nome, é brasileiro, da época em que vários artistas adotavam nomes importados na busca pelo sucesso) fez releituras de músicas como (I Can’t Get No) Satisfaction, dos Stones, e A Hard Day’s Night, dos Beatles, com sambinha tocando ao fundo. Vale dizer que a mistura era um tanto mais sofisticada que a feita hoje pelo pessoal do Sambô. O curioso é que o grupo era formado por Luiz Carlos Maluly, Marcos Maynard, Cláudio Condé, Marco Bissi e Sérgio Lopes, que se tornariam poderosos executivos da indústria musical brasileira nos anos seguintes.

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