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Quebrando pratos

Ao sugerir uma estrambótica adaptação do clássico spaghetti alla carbonara, site francês enfurece os italianos, numa polêmica de dar água na boca em tempos de crise por aqui

Por Fernanda Allegretti Atualizado em 10 dez 2018, 10h46 - Publicado em 21 abr 2016, 22h07

A receita

  • Ingredientes

    • 100 g de macarrão espaguete

    • 40 g de pancetta

    • 2 gemas de ovo

    • 2 colheres de sopa de queijo parmesão

    • 2 colheres de sopa de queijo pecorino

    • Pimenta-do-reino a gosto

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    • Azeite de oliva

  • Modo de preparo Frite a pancetta com um pouco de azeite de oliva – a carne já tem gordura. Quando estiver dourada, desligue o fogo e reserve. Coloque a massa para cozinhar. Em um recipiente, misture as gemas, os queijos e a pimenta até virarem um creme. Se ficar muito espesso, use um pouco da água do cozimento do macarrão. Escorra o espaguete, despeje-o ainda quente na frigideira da pancetta e misture. Incorpore a massa ao creme de ovos, queijos e pimenta. Sirva.

Col cibo non si scherza“, com comida não se brinca, diz um ditado popular italiano. O país leva a gastronomia tão a sério que, há poucos dias, o site francês Demotivateur Food causou um, por assim dizer, incidente diplomático virtual ao postar um vídeo com a releitura do tradicionalíssimo spaghetti alla carbonara. Eis os pecados do Demotivateur: usar o farfalle, a massa em formato de gravatinha; cozinhá-lo junto com a cebola e a pancetta; juntar creme de leite e finalizar com uma gema crua de ovo por cima, como se fosse um tartare. Pode? Indignados, internautas italianos apelidaram o escândalo de Carbonaragate.

A receita original é feita com espaguete, como o nome do prato evidencia – ou, no máximo, rigatoni. Enquanto a massa vai para o fogo, o restante é preparado em recipientes distintos – jamais em uma única tigela – e os ingredientes não são cozidos com o macarrão, como no vídeo francês. A bochecha de porco defumada, ou pancetta, é frita na banha ou no azeite, enquanto os ovos são batidos e misturados aos queijos parmesão e pecorino e à pimenta-do­­-reino moída. Não há uma única referência, nos anais gastronômicos italianos, ao uso de creme de leite (!) ou gema crua (!). “Seria mais ou menos como alguém sugerir trocar o feijão­-preto da feijoada por lentilha”, compara o jornalista J.A. Dias Lopes, diretor de redação da revista Gosto e um dos principais colunistas gastronômicos do país.

O Demotivateur Food é um site conhecidíssimo entre os gourmets. Conta com mais de 1,5 milhão de curtidas no Facebook. Em pouco mais de uma semana, o vídeo de 46 segundos com a receita do carbonara à la française alcançou 1,3 milhão de visualizações – e colecionou comentários desaforados. “Façam omeletes que é melhor!”, bradou um. “Guilhotinaram o carbonara!”, desesperou-se outro. O segundo maior jornal da Itália, La Repubblica, dedicou uma coluna na primeira página para acusar os franceses de destruir um prato que simboliza uma das tradições da nação. A controvérsia foi tamanha que o vídeo acabou sendo tirado do ar.

Nascido em Roma, cidade onde se acredita ter surgido o carbonara, o chef Marco Renzetti pensa que a reação de seu país natal foi influenciada pelo fato de o sacrilégio gastronômico ter sido cometido justamente por franceses. Renzetti está no Brasil há dez anos e, hoje, comanda, na capital paulista, o restaurante Osteria del Pettirosso, especializado em culinária romana. Diz ele: “A rivalidade com a França existe porque meus conterrâneos se acham um pouco injustiçados pelo fato de os vizinhos terem profissionalizado a cozinha, com o conceito de restaurante e a figura do chef, por exemplo”.

Apesar do mau humor com que os italianos receberam o vídeo francês, Renzetti acha que há espaço para adaptações na cozinha de seu país. “Aqui no Brasil misturam-se muito os sabores. O risoto, por exemplo, vem acompanhado de uma carne ou peixe, coisa que não acontece na Itália, acostumada ao prato único.”

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Ao contrário do que fazem os franceses na arte culinária, que há séculos documentam suas técnicas e receitas em livros como Le Viandier, atribuído a Guillaume Tirel (1310-1395), considerado o primeiro chef profissional da história, a gastronomia italiana passou anos sendo transmitida oralmente. “Por essa razão, é muito difícil determinar com precisão de que maneira surgiu um prato”, explica Renzetti.

https://www.youtube.com/watch?v=voMk5_U7exI

Uma das versões mais famosas para a origem do carbonara remonta ao fim da II Guerra, quando soldados americanos entraram em Roma e encontraram uma cidade miserável. A única tropa a dispor de alimentos era a do general Mark Clark, comandante do 5º Exército dos Estados Unidos. Combinando os ingredientes da ração dos militares, um cozinheiro local teria, então, criado o prato. Outra versão divulga que a receita surgiu no século XIX, entre integrantes da Carbonária, uma sociedade secreta italiana liberal que pregava, entre outras coisas, o anticlericalismo.

O escândalo gastronômico incomodou a Itália, país que, historicamente, não é imune a mazelas políticas e econômicas, como as que o Brasil atravessa neste momento. Mas, mesmo assim, é o caso de bradar: ah, que delícia de crise!

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