Premiação de Veneza acertou nas principais categorias
Júri, no entanto, errou nos dois troféus para as interpretações do fraco ‘Hungry Hearts’
A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence (Um Pombo Sentou-se em um Galho Refletindo sobre a Existência, em tradução direta), do sueco Roy Andersson, saiu com o Leão de Ouro no 71º Festival de Veneza neste sábado. Foi uma premiação acertada para uma competição sem favorito indiscutível: o júri presidido pelo compositor francês Alexandre Desplat optou pelo humor melancólico e pela proposta formal mais definida entre os vinte concorrentes. O filme é composto por esquetes, encenados como no teatro, que discutem o absurdo da vida.
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Não poderia ser mais diferente do vencedor do Grande Prêmio do Júri, The Look of Silence (O Olhar do Silêncio), de Joshua Oppenheimer, um documentário sobre o assassinato de 1 milhão de pessoas na Indonésia nos anos 1960 que deixa pouco respiro para o lirismo e nenhum para o humor. É uma pancada no estômago a busca do irmão de uma das vítimas pela admissão da culpa dos perpetradores e, quem sabe, um pedido de desculpas. O ator Tim Roth quebrou o protocolo e elogiou o filme no palco, dizendo que tinha sido uma das experiências mais fortes de sua vida, comparando-a ao nascimento de um filho.
Sobre os filmes de Roy Andersson e Joshua Oppenheimer, o presidente do júri Alexandre Desplat disse, na coletiva de imprensa após a premiação: “Para mim, os dois têm a realidade e a imaginação, não acho que sejam tão diferentes”.
Também faz todo o sentido o Leão de Prata de direção ter sido entregue ao russo Andrei Konchalovsky por Belye Nochi Pochtalona Alekseya Tryapitsyna, ou The Postman’s White Nights (As Noites Brancas do Carteiro, em tradução direta). Ele dirigiu pessoas sem experiência em atuação de uma vila remota no norte da Rússia, com resultados surpreendentes e tocantes. O cineasta alemão Philip Gröning comentou a relação entre os ganhadores dos três prêmios principais. “Os três mostram que as fronteiras entre ficção e documentário estão borradas”, disse.
Indiscutível também o prêmio Marcello Mastroianni para ator jovem concedido ao francês Romain Paul, o adolescente que conhece o pai músico no momento em que sua mãe luta contra um câncer em Le Dernier Coup de Marteau (O Último Golpe de Martelo), de Alix Delaporte.
Surpresas – Os outros troféus foram mais controversos – em Veneza, sempre há alguns. Ghesseha (Histórias, em tradução direta), da iraniana Rakhshan Benietemad, não estava entre os favoritos, apesar de seus momentos interessantes. O turco Sivas, de Kaan Müjdeci, teve reações extremas quando exibido para a imprensa, por causa de suas várias cenas de brigas de cachorros. Ultrapassado o choque, a verdade é que o filme apresenta uma boa discussão sobre o mundo masculino e como quebrar o ciclo de brutalidade. Mas o prêmio é um exagero.
O maior escândalo foi mesmo a dupla premiação dos atores de um dos filmes mais fracos do festival, Hungry Hearts (Corações Famintos), do italiano Saverio Costanzo, um misto de sub Roman Polanski com um sub Alfred Hitchcock. Adam Driver sem dúvida é a única coisa boa do longa-metragem, mas seu trabalho ainda assim não pode ser comparado em termos de complexidade com a interpretação de Viggo Mortensen em Loin des Hommes (Longe dos Homens) ou mesmo de Michael Keaton em Birdman.
Mais absurda ainda é a Coppa Volpi de melhor atriz para Alba Rohrwacher, onipresente no cinema italiano, quase sempre fazendo o papel de mulheres frágeis e sussurrantes. Era uma competição praticamente sem personagens femininas – na verdade, havia somente três possíveis premiadas. Mas é uma pena que o júri não tenha reconhecido a delicadeza da atuação da chinesa Lü Zhong em Red Amnesia, a maior injustiça do 71º Festival de Veneza.