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Por que a venda de ‘Minha Luta’, de Hitler, não deve ser proibida

Decisão do juiz Alberto Salomão Junior, do TJ-RJ, impede em todo o Estado a comercialização, exposição e divulgação da obra do ditador nazista

Por Da Redação
3 fev 2016, 21h25

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a comercialização, exposição e divulgação de Minha Luta, de Adolf Hitler, em todo o Estado, conforme decisão do juiz Alberto Salomão Junior, da 33ª Vara Criminal do Rio. A justificativa do juiz foi que o livro incita práticas de intolerância contra grupos sociais, étnicos e religiosos. Quem descumprir a decisão terá que pagar multa de 5.000 reais. O despacho, no entanto, deveria ser revisto, porque proíbe o acesso a um documento histórico e cultural – algo que uma sociedade democrática jamais deveria fazer, mesmo que o documento seja tão odioso quanto o livro de Hitler.

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“O Brasil é um país de pouco apego à liberdade de expressão. Até alguns meses atrás, era necessária uma autorização para você poder publicar uma biografia de algum personagem público”, afirma o advogado Cláudio Lins de Vasconcelos, diretor-relator da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), lembrando a mordaça às biografias derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho passado.

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Segundo Vasconcelos, a censura a ‘Minha Luta’ não é apenas questionável, mas ineficiente. “A proibição da venda da obra não é a melhor forma de combater suas ideias. O TJ-RJ está lutando contra o autoritarismo (de Hitler) com mais autoritarismo. Essa ação simplesmente vai fazer com que a curiosidade sobre o livro aumente e com que as pessoas passem a procurá-lo em outros lugares, como na internet.”

O biógrafo Paulo Cesar de Araújo, vítima por décadas da mordaça das biografias por causa de Roberto Carlos em Detalhes, vê na decisão uma afronta à democracia. “As ideias têm que circular, isso faz parte do estado democrático de direito, é uma conquista da civilização”, afirma. “As ideias de Hitler são terríveis, mas elas precisam circular para que sejam debatidas, analisadas e combatidas. É uma obra histórica e que pertence à História.”

O professor Ivar Hartmann, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta ainda outro problema. “Estamos falando de uma obra que tem um valor inestimável para a pesquisa em história, sociologia e até direito. Proibir a venda dessa maneira é tentar negar a História.”

A decisão do TJ-RJ faz com que o Brasil seja mais restritivo em relação a ‘Minha Luta’ do que a própria Alemanha, onde o livro voltou a circular em meados de janeiro. Desde 1945, ao fim da II Guerra Mundial, o Estado da Baviera, que detinha os direitos do acervo da principal editora nazista, não autorizava a publicação do livro em respeito aos milhões de vítimas do regime. Mas, no começo de 2016, o livro caiu em domínio público. Uma nova edição se tornou possível e foi de fato às livrarias, sem nenhum impedimento legal.

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Pela lógica da decisão do TJ-RJ, o combate à intolerância é um valor que se sobrepõe ao da livre circulação das ideias. É a mesma lógica adotada, por exemplo, pela Inglaterra, onde a Lei de Relações Raciais (Race Relations Act) proíbe os discursos de ódio racial, não apenas quando eles possam incitar à violência, mas sob a alegação de que representantes de minorias devem ser protegidos de insultos raciais.

Uma compreensão diferente do tema vem dos Estados Unidos, que concedem à liberdade de expressão uma amplitude quase que absoluta – as exceções são mínimas, e não têm a ver com o conteúdo daquilo que se diz ou escreve.

Uma justificativa célebre para essa primazia dada à liberdade de expressão, que engloba até mesmo discursos de ódio e preconceito, vem do constitucionalista americano Ronald Dworkin, segundo quem permitir que as ideias circulem sem entraves é um elemento fundamental da democracia “porque o Estado deve tratar todos os cidadãos adultos como agentes morais responsáveis, sendo esse um traço essencial ou constitutivo de uma sociedade política justa”.

Dito de outra forma, impedir um cidadão adulto de se informar sobre história ou sobre ideias políticas “perigosas” é uma forma de tutelá-lo – e de minar as bases da democracia.

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Diz Cláudio Lins de Vasconcelos: “A decisão do TJ-RJ infantiliza o leitor. Trata o cidadão brasileiro como um parvo, incapaz de tirar suas próprias conclusões sobre aquilo que Hitler disse, e que por isso não pode ser exposto a um documento histórico.”

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