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Por que a BBC faz os melhores programas sobre o mundo natural

Há quase seis décadas a rede inglesa é referência nesse tipo de programação. A chave de seu êxito: entreter sem abdicar do rigos científico e da inovação

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 ago 2015, 22h31

Em uma sala da Unidade de História Natural da BBC, na cidade inglesa de Bristol, o produtor com jeito de nerd exibe seu novo campo de batalha intelectual. No quadro coberto de rabiscos sobre várias espécies, de pinguins a chimpanzés, uma anotação surge em realce: “Dynasty = Game of Thrones animal”. Com lançamento provável em 2018, Dynasty (Dinastia) vem a ser a próxima superprodução sobre bichos de um dos maiores especialistas mundiais na matéria. Já a menção à série de fantasia da HBO entrega aquilo que o produtor Mike Gunton quer oferecer no futuro programa. “Vamos seguir os passos de diversos clãs animais para mostrar que a luta pelo poder na natureza tem lances tão espetaculares quanto os que se veem na ficção”, diz Gunton. A cena flagrada por VEJA na maior central de produção de documentários sobre natureza do planeta diz mais do que se suspeitaria sobre o gênero. Ao longo de quase sessenta anos, tais programas evoluíram dos monótonos registros em preto e branco de leões na savana a uma profusão de subgêneros que vai dos reality shows a produções com padrão hollywoodiano. A concorrência tornou-­se feroz: desde a tradicional sociedade americana National Geographic até canais como o Discovery e seu derivado Animal Planet, passando pela Disney, inúmeras potências disputam hoje um naco do segmento lucrativo. O serviço de vídeos on demand Netflix já anunciou que nos próximos anos vai entrar no jogo. Mas é a BBC que continua ditando o padrão-ouro de inovação e credibilidade na seara. Os brasileiros ganharão um apanhado de suas 150 horas de produção anual sobre o tema com a chegada do canal BBC Earth a várias operadoras a partir de 1º de setembro. Para além da quantidade, os documentaristas da BBC revelam-se imbatíveis na alquimia complexa de fazer da observação dos bichos uma fonte de entretenimento.

Uma grande produção da rede inglesa, como Planeta Terra (2006), chega a atrair audiência global na casa dos 500 milhões de pessoas. No Brasil, um estudo da própria BBC mostra que 55% dos espectadores entre 16 e 65 anos veem com frequência atrações do gênero. Mas, ao mesmo tempo em que a empatia atávica dos humanos pelos bichos é um chamariz irresistível, a exploração continuada do tema amplia os desafios para cativar o público. É raríssimo aparecer uma nova espécie para mostrar no ar. “Quando aparecem, são no máximo insetos e outros bichos nada carismáticos”, diz Wendy Darke, chefe da unidade de documentários naturais da BBC. Os produtores têm de arrancar leite de pedra, pois os enredos não são numerosos: feras saindo à caça, aves em busca de filhotes desgarrados, e por aí afora.

Some-se a isso uma injunção dos tempos atuais: para atrair a juventude ligada nos videogames e reality shows, muitos canais não resistem à tentação de abusar dos expedientes heterodoxos. Um certo naturalismo radical que preconiza a aproximação perigosa com bichos selvagens entrou em baixa depois que o apresentador australiano Steve Irwin, do programa O Caçador de Crocodilos, levou uma ferroada fatal de uma arraia, em 2006 . Mas empreitadas duvidosas ainda vicejam. Meses atrás, o Discovery americano exibiu Eaten Alive, documentário em que o apresentador Paul Rosolie, metido em uma roupa especial, se propunha a ser devorado por uma sucuri. A acusação de maus-­tratos ao réptil, assim como a enganação contida no título (Rosolie era apenas atacado pela cobra), causou estrago à imagem do Discovery. “Jamais faríamos algo assim. Não queremos acabar nos tabloides”, diz Wendy Darke. O Animal Planet também ultrapassou a fronteira que separa entretenimento de empulhação ao dar a entender, em um programa de “história natural”, que sereias existem.

ASAS DA IMAGINAÇÃO - A luta de dois machos de uma espécie de galinha selvagem da América do Norte: os mesmos enredos por ângulos surpreendentes
ASAS DA IMAGINAÇÃO – A luta de dois machos de uma espécie de galinha selvagem da América do Norte: os mesmos enredos por ângulos surpreendentes (VEJA)

Uma das armas da rede inglesa para permanecer popular sem pisar em terreno pantanoso é dar cara nova ao básico com o auxílio da tecnologia. Para captar a vida dos bichos por ângulos originais, incorporam-se equipamentos de vigilância militar e outros ainda mal testados por Hollywood. O marco foi Planeta Terra, que usou câmeras que permitiam flagrar com resolução espantosa animais a grandes distâncias. Pois agora Life Story, a principal atração da estreia do BBC Earth no Brasil, prova que as coisas evoluíram de uma década para cá. “Hoje podemos captar os animais cada vez mais de perto”, diz Gunton. Os bichos que estrelam Life Story – do polvo espertalhão que, na Indonésia, usa cascas de coco como armadura à ninhada de tigres indianos que passam por uma educação violenta – parecem, de fato, assustadoramente próximos do espectador. Na busca pela imagem única, os produtores podem usar drones, helicópteros e até uma microcâmera com o tamanho de um comprimido – eis a forma como o naturalista que conduz outra série da BBC, Infested!, revela os estragos causados por parasitas em seu próprio organismo. Um dos lastros para não perder a compostura ao flertar com ideias bizarras assim é o contato estreito com a comunidade científica. “Todas as informações são checadas por especialistas”, diz Wendy Darke. ­”É um mundo pequeno. Todos se conhecem.” Como muitos produtores, Wendy tem formação científica: é zoologista com Ph.D. em corais. A relação entre a BBC e os estudiosos é simbiótica. Eles fornecem seus conhecimentos e, em troca, veem aquilo que às vezes foi fruto de anos de trabalho ser registrado pela primeira vez em imagens.

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A unidade comandada por Wendy está sediada desde 1957 em Bristol – o que fez da cidade de 440 000 habitantes no sudoeste da Inglaterra um polo mundial dos programas sobre bichos. O mercado de produtoras-satélite da BBC também é concorrido. Na mesma Bristol está situada a companhia que produz o insólito Monstros do Rio, sucesso do rival Discovery. Lá também fica a Silverback, produtora de Alastair Fothergill, criador de Planeta Terra, que é responsável tanto pela primeira investida do Netflix no setor, Our Planet, quanto pelo próximo grande lançamento da BBC, a série The Hunt. Nela, o time do naturalista Huw Corney eleva em mais um patamar a excelência das imagens, ao documentar animais caçando com agilidade nunca vista. Mas o que faz a força dos documentários da BBC, lembra Huw, é um elemento que independe da tecnologia ou da ciência: as boas histórias. “Em The Hunt, queremos ir além dos clichês e mostrar que predadores também sofrem e são falhos”, diz ele. Na natureza, enfim, não faltam drama, suspense, comédia. Para triunfar no livre mercado dos documentários, basta liberar o espírito animal.

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