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‘Ponte dos Espiões’, de Spielberg, ecoa ‘O Sol É para Todos’

Diretor volta ao cartaz três anos depois de ‘Lincoln’ com outro personagem real, defendido por um ótimo Tom Hanks – mas que, de tão correto e ético, parece mais fictício que Atticus Finch, o protagonista do clássico de Harper Lee

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 25 out 2015, 07h13

Um dos livros mais lembrados do ano graças à publicação daquele que seria o seu manuscrito original – ou, segundo tenta nos convencer sua editora, a sua continuação -, o clássico O Sol É para Todos parece ressurgir mais uma vez no ocaso de 2015. O romance de Harper Lee tem ecos em Ponte dos Espiões, novo longa de Steven Spielberg, em cartaz desde quinta no país. Metade um filme de tribunal, metade um longa de espionagem sem tiros disparados, a produção traz de novo Spielberg às voltas com uma figura real – seu último projeto foi Lincoln, de 2012 – de aura nobre e elevada. Defendido por Tom Hanks, um de seus atores prediletos, o personagem central de Ponte de Espiões é o elo com O Sol É para Todos: Hanks faz James B. Donovan, um corretíssimo advogado de Nova York que, designado para um caso que ninguém gostaria de pegar, dedica-se a ele com firmeza, disposto a colaborar de fato com o réu que todos condenam por antecipação. A Atticus Finch, advogado de Harper Lee, coube a defesa irretocável de um negro acusado de estuprar uma branca, nos anos 1930. A Donovan, o caso de um espião russo preso na Nova York de 1957, em plena Guerra Fria.

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“Todos vão me odiar”, diz o advogado ao receber a incumbência de seu chefe, que dá a entender que tudo o que ele precisa fazer é representar um advogado de defesa, sem qualquer esforço real por Rudolf Abel (um incrível Mark Rylance), o espião preso. Que, afinal, todos esperam que termine mesmo na cadeira elétrica. O que as autoridades querem é apenas fazer um teatrinho para mostrar ao mundo como os Estados Unidos são justos, capazes de dar chance de defesa até a um inimigo russo. Donovan não se adequa à fachada, no entanto, e, depois de estudar bem o caso, tenta de tudo para aliviar a punição de Abel e livrá-lo da pena de morte, assim como o Atticus vivido por Gregory Peck no cinema. O advogado só consegue tirar o cliente da cadeira elétrica quando convence o juiz do caso de que pode ser útil poupar a sua vida: o país está imerso em uma guerra e, assim como aprisionou um espião rival, pode ter um dos seus preso pelos inimigos.

Donovan chega mesmo a levar o processo à Suprema Corte – o STF americano -, com provas de que a prisão de Abel foi feita de forma arbitrária, alheia à lei.

Em paralelo, o roteiro dos irmãos Coen vai mostrando jovens pilotos recrutados para espionar, com enormes câmeras fotográficas a 70.000 pés do chão, áreas da União Soviética (URSS). Um deles, Francis G. Powers, tem o avião abatido em missão e pousa de para-quedas na Rússia, onde é feito prisioneiro. É então que o destino de Donovan e Abel, então já amigos pela ética que os une – o espião não entrega quaisquer informações de sua missão, nem mesmo para se safar – se cruza outra vez.

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É também aí, nesse novo encontro entre Donovan e Abel, que começa a segunda metade do filme. O advogado é chamado pela CIA, o órgão da inteligência americana, para negociar a troca de prisioneiros que ele mesmo previu: a URSS devolveria Powers e receberia Rudolf Abel. A negociação ocorre na Berlim Oriental, onde o muro que dividiria a cidade por décadas está sendo construído, em 1961, e onde Donovan passa alguns dias, sem qualquer documento que comprove a sua ligação com o governo dos EUA, em conversas com comunistas russos e alemães. As cenas em Berlim são estupendas: a fotografia do polonês Janusz Kaminski leva o espectador a passear pela cidade, que, dezesseis anos depois do fim da grande guerra, segue destruída.

Durante a construção do muro, um outro americano é aprisionado na Berlim socialista: um estudante de economia por quem o advogado decide também brigar. Ao contrário do que ordena a CIA, que quer apenas Powers de volta, Donovan coloca o estudante como condição para a devolução de Abel e o sucesso da negociação.

Íntegro até a raiz dos cabelos, James B. Donovan também não deixa de se preocupar com Abel: quer saber se o amigo vai ser bem recebido pelos soviéticos. A amizade entre eles, em um toque muito ao gosto de Spielberg, tem tom de fábula. Ainda na prisão americana, Abel, ao ver a firmeza de caráter do advogado, conta a ele a história de um homem que conheceu quando criança. Seu pai o alertou para prestar atenção em um amigo seu, em quem Abel não via nada de especial até o dia em que um policial de fronteira invadiu a sua casa, onde o homem também estava, e promoveu uma espécie de sessão de tortura, distribuindo pancadas. A cada golpe recebido, o amigo do pai se reerguia do chão, para apanhar novamente. Fez isso tantas vezes que o policial desistiu de agredi-lo. “Homem persistente”, concluiu Abel, para definir o sujeito – e Donovan, o corretíssimo. A história volta a ser citada perto do fim, como para selar uma moral para o longa, o que o faz parecer mais ficcional do que o romance que ecoa. Sim, James B. Donovan é um Atticus Finch real. Mas pode parecer mais fictício do que ele. Para assistir ao filme, é preciso incorporar um pouco do espírito de fábula. Ponte dos Espiões tem um quê, realmente, de O Sol É para Todos. Mas, para o bem e para o mal, tem também mais magia do que ele.

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