Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

‘Os índios mostram que não sabemos aonde estamos indo’, diz diretor de Xingu

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 set 2010, 08h31

Clique aqui para conferir galeria de fotos com as primeiras imagens de Xingu

Não fazer um filme chapa-branca. Era essa a maior preocupação do diretor Cao Hamburger, de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, antes de aceitar o convite de Fernando Meirelles para assumir o projeto de Xingu. O longa sobre os irmãos sertanistas Villas-Boas, que rasgaram o interior do Brasil entre as décadas de 1940 e 70, tem estreia prevista para 2011, ano em que o Parque Indígena do Xingu, a maior obra de Claudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas, comemora o seu cinquentenário. Com liberdade assegurada pela família para ficcionalizar passagens do roteiro, assinado em parceria com Elena Soares, e um pano de fundo ampliado por uma pesquisa sobre a antropologia e o Brasil dos três irmãos, Hamburger pôde ampliar suas perspectivas sobre o filme. E disse sim.

“Vi que havia uma história incrível para contar, com personagens interessantes e que, apesar de esse ser um filme de época por se passar em meados do século XX, tem como pano de fundo um tema de peso filosófico e político contemporâneo”, conta. “O século XXI aponta um pouco para a reflexão sobre a condição humana na nossa sociedade e sobre como o contato com culturas diferentes pode nos ajudar a nos ver e a perceber o quanto somos meio perdidos. Não sabemos aonde estamos indo.”

As filmagens de Xingu tiveram início no final de julho e terminam no início de outubro, após sequências rodadas na cidade de São Félix (TO), no parque do Xingu e em São Paulo, parada final do set. Além de longa, o projeto vai render uma microssérie na Rede Globo. O elenco, aliás, conta com os globais Felipe Camargo e Caio Blat, com o pernambucano João Miguel e com índios da etnia Ywalapiti, no papel de Kalapalos – a nação que travou mais contato com os Villas-Boas. O projeto, produzido pela O2 Filmes e coproduzido pela Globo Filmes, consumiu um orçamento total de 13 milhões de reais. É sobre ele que Cao Hamburger fala a VEJA.com.

Continua após a publicidade

Como os índios estão encarando o filme?

Eles estão se envolvendo bastante, numa garra de contar a sua história, pois querem muito que o filme seja feito. Fizeram oficina com empolgação e, ainda na fase de ensaios, bolaram uma surpresa para os atores brancos que acabou sendo emocionante. Na cena do encontro entre os Villas-Boas e os Kalapalos, quando se dá o primeiro contato dos irmãos com os indígenas, os índios surgem de repente no meio da mata. Os atores brancos – Caio Blat, Felipe Camargo e João Miguel – estão andando entre as árvores e são surpreendidos por uma série de índios, que aparecem cantando e fazendo passos de guerra. Foi muito forte, os índios cantavam juntos e se moviam de maneira coreografada, com arco e flecha cenográficos. Foi um ensaio de improviso com o roteiro na cabeça, mas sem muitas marcações, deixando rolar.

Como os atores brancos reagiram?

Os brancos ficaram emocionados com esse contato repentino. Eles puderam ter uma ideia do que os irmãos Villas-Boas sentiram ao topar com os Kalapalos, inesperadamente, no meio da floresta. Rolou uma energia poderosa e, ao final, todos se abraçaram. Depois, nós abrimos uma roda e conversamos a respeito. O Felipe Camargo, que chegou por último ao Tocantins, porque estava atuando em Tempos Modernos, a novela das sete que passou antes de Ti-Ti-Ti, foi o mais tocado. Disse que, mesmo sabendo que aquilo era um faz-de-conta, teve uma sensação de medo misturado com adrenalina que raras vezes se sentiu.

Você foi convidado para o projeto pelo diretor e produtor Fernando Meirelles, da O2 Filmes, que recebeu a idéia do Noel, filho do Orlando Villas-Boas. Foi fácil dizer sim?

Na verdade, não. Eu fiquei interessado, mas também um pouco assustado com a ideia de fazer um filme sobre heróis brasileiros. Eu não queria fazer nada chapa-branca. Por isso, pedi ao Fernando um tempo para pesquisar a respeito dos irmãos Villas-Boas, que eu não conhecia profundamente. E aí vi que havia uma história incrível para contar, com personagens interessantes e que, apesar de esse ser um filme de época por se passar em meados do século XX, tem como pano de fundo um tema de peso filosófico e político contemporâneo. Isso me encantou. E acho que esse é o ponto comum entre esse projeto e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, que tem uma história pessoal, de personagens interessantes, com pano de fundo político. Esse tipo de história me atrai. “Xingu” tem algo em comum também com Os Filhos do Carnaval, que eu fiz para a HBO e que fala da relação entre três irmãos. Isso também me interessa, contar histórias pessoais imersas em um universo de outros temas.

Continua após a publicidade
'Xingu' conta a história dos irmãos Villas-Boas criadores do Parque Indígena do Xingu, os sertanistas Cláudio, Orlando e Leonardo
‘Xingu’ conta a história dos irmãos Villas-Boas criadores do Parque Indígena do Xingu, os sertanistas Cláudio, Orlando e Leonardo (VEJA)

Que cuidados você tem tomado para evitar que o filme fique chapa-branca?

Eu estou ficcionalizando um pouco, com autorização da família. Essa é a minha primeira experiência com roteiro baseado em fatos reais. Estou percebendo como é difícil retratar os fatos como aconteceram. Para virar um filme, uma história de começo, meio e fim, é complicado, porque a nossa vida não tem os movimentos que a dramaturgia pede. Então, eu diria que é um filme livremente inspirado em fatos reais. A gente se deu a liberdade de buscar a essência de cada personagem e de sua história. O filme acaba sendo um recorte, uma leitura de tudo o que aconteceu, uma visão minha e da Elena Soares, que escreveu o roteiro comigo.

Continua após a publicidade

Que informações sobre os irmãos Villas-Boas surgiram na pesquisa e o convenceram a assumir a direção do filme?

Os personagens dos irmãos Villas-Boas são ricos, com dramas, contradições, ambiguidades. O que mais me encantou neles – e que é algo com que todo mundo vai se identificar – foi a forma como partiram para o mundo e descobriram sua vocação. Foi um pouco por acaso, sem planejamento. Eles nunca pensaram, “Vamos fazer uma expedição porque queremos defender os índios”. Eles resolveram se lançar, em busca de aventura, num Brasil profundo que poucos brancos conheciam e, ao longo da viagem, foram se descobrindo como homens. Acho que é uma metáfora da busca pela identidade que todos enfrentam. Outra característica interessante é o respeito que eles tiveram pelos índios. O Cláudio Villas-Boas dizia que ele não considerava os índios selvagens, mas de uma cultura diferente da nossa – e, em diversos aspectos, mais desenvolvida. É importante pensar nisso hoje. O século XXI aponta um pouco para a reflexão sobre a condição humana na nossa sociedade e como o contato com culturas diferentes pode nos ajudar a nos ver e a perceber o quanto somos meio perdidos. Não sabemos aonde estamos indo.

O que, na sua opinião, os brancos têm a aprender com os índios?

Em muitos costumes e no modo de pensar a vida, eles demonstram ter mais sabedoria. Sobre a relação com a natureza, nem precisa falar. A sociedade dita civilizada se distanciou do habitat natural. Parece que a gente nasceu em shopping center, e isso atrapalha tanto a nossa moral como a nossa tranqüilidade. Os índios percebem o quanto a nossa vida é dividida em frações de tempo e o quanto estressados nós somos. Somos agressivos e insaciáveis. A história da criação do parque do Xingu é uma história de resistência contra essa violência avassaladora de ocupar territórios e de produzir, de adquirir terras e bens. Por outro lado, os indígenas admiram muitas coisas nossas, como as tecnologias que a gente desenvolveu.

Os antropólogos dizem que estudam os outros para entender a si mesmos. É um pouco o que está acontecendo com você nesse projeto?

É isso mesmo. No processo desse filme, nós não temos a pretensão de ser antropólogos, mas estamos tendo uma vivência prática bastante reveladora, que nos faz pensar em como vivemos, na nossa cultura. E muitas vezes as conclusões não são felizes.

Continua após a publicidade

A antropologia mudou e alguns conceitos etnográficos dos irmãos Villas-Boas estão fora de uso, hoje. De que maneira o filme vai lidar com isso?

Como não somos especialistas, não vamos entrar muito nessa discussão. Mas vamos mostrar um pouco a evolução da política indigenista no Brasil. Esse também é um tema controverso, que sempre rende polêmica. Na época do marechal Rondon, a ideia era integrar o índio à nossa sociedade, como trabalhador. E os irmãos Villas-Boas tinham uma ideia diferente, de isolar os índios em uma área grande, para que o contato com a civilização branca fosse feito paulatinamente. Hoje, existem várias linhas de pensamento, inclusive uma de isolar totalmente os que nunca entraram em contato com os brancos. Mas não sou especialista, estudei apenas superficialmente, para poder fazer o filme.

Clique aqui para conferir galeria de fotos com as primeiras imagens de Xingu

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.