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O amor nos tempos do app

A antropóloga, consultora de sites de relacionamento, não recomenda fotos com golfinhos nos perfis e diz que as mulheres desanimam com imagens de homens seminus no banheiro

Por Nathalia Watkins 6 mar 2015, 19h21

A modernidade tecnológica revolucionou a busca por uma companhia. Se antes um solteiro raramente conseguia marcar um primeiro encontro a dois, hoje é possível ter um a cada semana, ou mais, dependendo somente da agilidade dos dedos na tela de celular. Contudo, sites de relacionamento como Par Perfeito, Match.com e aplicativos como Tinder e OkCupid também podem disseminar a ideia de que o amor é jogo sem fim. Em vez de aproximar pessoas, podem afastá-las. Essa é a opinião da antropóloga americana Helen Fisher, pesquisadora da Universidade de Rutgers, de Nova Jersey, e considerada uma das maiores autoridades em comportamento. Helen escreveu cinco livros sobre a evolução e futuro da sexualidade humana, monogamia, adultério e química da atração. Ela deu entrevista a VEJA por telefone, de Nova York.

Como a senhora avalia os sites de relacionamento? Tanto eles como os aplicativos de celulares oferecem a gente de todas as idades a oportunidade de conhecer uma ampla gama de indivíduos. Esse avanço tecnológico tem dois lados. O positivo é que ajudou e deu esperança a muitos, com entre 30 e 80 anos, que já não têm paciência ou disposição de sair à procura de alguém. Eu, por exemplo, já sou velha. Estou nos meus 60. Não vou conhecer um homem em um bar. Também não vou até lá na expectativa de que alguém vá falar comigo. Considerando que no mundo hoje o índice de divórcio é altíssimo e que as pessoas voltam a ficar solteiras o tempo todo, há muita gente na mesma situação que a minha e que, por essa razão, poderia se beneficiar desses sites e aplicativos.

Qual é o lado negativo deles? Quando alguém sente que existe um amplo leque de opções, acaba não escolhendo nenhuma. É comum que o indivíduo que utiliza esses sites ou programas fique sobrecarregado e comece a pensar que pode encontrar algo melhor mais adiante. Ele fica mais exigente e, com isso, acaba ficando sozinho. Minha dica é, depois de conhecer nove pessoas pela internet, tente-se investir um pouco mais em pelo menos uma delas. A não ser que a pessoa realmente não tenha o menor interesse em nenhuma das opções, o ideal é encontrar-se com uma delas e buscar um relacionamento mais profundo. Os cientistas dizem que, quanto mais se conhece alguém, mais gosta-se dessa pessoa e é possível sentir uma identificação maior com o tempo. Quando os nosso entrevistadores perguntaram aos americanos se eles já se apaixonaram por alguém que, inicialmente, não achavam atraentes, cerca de 35% responderam que sim. Portanto, meu conselho é tomar cuidado com a sensação de que sempre alternativas melhores. A busca por um parceiro não pode ser uma coisa sem fim. É preciso tentar algum envolvimento de vez em quando.

Por que deve-se aprofundar um relacionamento a cada nove pessoas que se conhece? Costumo sugerir esse número por uma razão meio esquisita. Uma vez li um artigo científico de um matemático que estudou os participantes em uma festa. O texto dizia que, após conhecer nove de 100 participantes, matematicamente, já se fez contato com todos os tipos de gente naquele lugar. Depois de nove papos, um convidado já teria conhecido o “engraçado”, o “ambicioso”, o “artístico”, o “tradicional”, o “empolgante”, o “estável” etc. Um desses provavelmente se encaixaria no tipo de parceiro que pode dar certo em um relacionamento. A regra que vale para uma festa também vale para os sites. Não pode-se ficar saindo com uma pessoa diferente por noite, mês após mês. Quem fizer isso ficará preso em um ciclo infindável.

A tecnologia mudou o comportamento humano? O jeito que se ama não se modificou por causa dos sites de relacionamento ou dos aplicativos. Basicamente, o que eles fizeram foi ajudar na primeira parte do processo, a da apresentação. Por milhões de anos, o ser humano viveu em pequenos grupos, caçando. Num dado momento, um bando se encontrava com outro. Uma jovem garota avistava um jovem garoto. Ela não sabia, mas sua mãe, a tia, o pai e o irmão sabiam que poderia acontecer algo. Reconhecia-se o que era um “bom partido”, antes mesmo de o relacionamento começar. Os sites de relacionamento fazem algo parecido ao facilitar esse fluxo de informação. Eles adiantam coisas sobre o outro. Não é algo novo. Da mesma maneira, há 50 anos, as pessoas gastavam muito tempo pensando na roupa que usariam no primeiro encontro, onde encontrariam o parceiro, sobre o que falariam. Agora, pensam sobre que foto vão usar no perfil para vender a si próprio. Não é um problema novo. A diferença é que agora temos novas ferramentas para lidar com ele.

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Como explicar tanta gente colocando foto no perfil beijando golfinho? Uma imagem como essa pode ser atraente para quem está na foto, mas não para os outros. Talvez o objetivo seja apresentar-se como alguém romântico, aventureiro ou carinhoso. Mas essa é uma mensagem um pouco opaca que traz um ruído. Melhor evitar.

Quais sãos erros mais cometidos nos perfis dos usuários? O mais comum é não fornecer detalhes pessoais e usar uma série de clichês. Há uma infinidade de pessoas que coloca “amo caminhadas longas na praia no pôr do sol”. Bom, todos nós gostamos de caminhadas longas na praia no pôr do sol. No final das contas, isso não diz nada sobre a pessoa. Ou, então, escrevem “eu adoro beber vinho em frente à lareira”. Bom, todos gostamos disso. O melhor então é dar detalhes, detalhes, detalhes. Em vez de dizer “eu amo música”, escreva “gosto de Beethoven e de música country”. Outra coisa que costumam fazer muito é inserir fotos com a ex-namorada ou entre um grupo de mulheres. Uma mulher não deseja olhar uma foto de um homem rodeado por outras, ela só quer ver o sujeito. Tampouco querem ver fotos de alguém mal vestido. A vasta maioria das mulheres não quer ver um homem seminu no espelho do banheiro. Isso realmente as desanima. Quando perguntamos “o que te desanima?”, essa foi uma das respostas mais recorrentes: corpos à mostra. Claro, as mulheres estão tão interessadas nos homens sexualmente atraentes como os homens estão interessados em mulheres sexualmente atraentes. Mas elas não querem uma propaganda com uma foto no banheiro. Aliás, essa é outra dica importantíssima: fique longe do toalete com a sua câmera! Também aconselharia as pessoas a não colocar fotos com os filhos. Os outros estão em busca de parceiros, não de crianças.

Aqueles que se cadastram nesses sites são em geral considerados mais promíscuos? Eles são menos propensos a um relacionamento sério? O que realmente faz alguém parar de procurar parceiros ou sair com outras pessoas é o fato de ela se apaixonar. Fui uma das primeiras, junto a um grupo de amigos, a colocar scanners na cabeça dos pacientes para estudar o que acontece com alguém quando se apaixona. A paixão acontece quando a região abaixo do córtex, responsável pelas emoções, é estimulada. Quem teve essa área acionada não volta para a internet ou para o bar para conhecer outras pessoas pois o único interesse passa a ser um único outro ser humano. Eu estudei a evolução do cérebro humano e ele não mudou. Fomos homo sapiens sapiens por 200 000 anos. Quando a paixão conhece, o cérebro dá aquele “clique”. Essa reação acontece há milhares de anos e é independente da maneira como se deu o encontro.

Quanto tempo demora entre conhecer alguém especial e descadastrar-se no site de internet? Em um estudo que fizemos com solteiros nos Estados Unidos, a maioria nos disse que deixaria de procurar parceiros quando se sentisse exclusivo. Nós não conseguimos decifrar exatamente o que seja isso, mas foi algo que ouvimos bastante. O passo seguinte seria iniciar uma vida a dois. Curiosamente, o homem quer morar junto antes da mulher. Perguntamos aos dois sexos: “quanto tempo até você morar com a pessoa com quem se apaixonou?”. Os homens acreditam que seja depois de seis a doze meses, enquanto as mulheres falaram entre um e dois anos.

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A facilidade para conhecer pessoas favorece a traição? Nos Estados Unidos, pode-se adquirir álcool praticamente em todo canto. Mas não é por isso que todos se tornam alcóolatras. Pode-se adquirir cigarros em vários lugares, e nem por isso todos se tornam fumantes. Pode-se encontrar bolos, sobremesas e guloseimas em qualquer esquina, mas nem todos viram obesos. Resumidamente, somos animais com preferências, que tomam decisões diferentes frente às mesmas situações. Há tipos que não traem. Eles não farão isso mesmo com todas as conveniências da internet à disposição. A rede pode até oferecer muitas possibilidades para isso, mas o cérebro humano é que, no frigir dos ovos, escolherá a maneira de lidar com tudo isso. Se alguém trai não foi porque a internet mudou sua maneira de ser. Provavelmente, já era alguém mais suscetível. Da mesma maneira que alguns são mais inclinados a beber. Existe um grande mal entendido sobre o cérebro. Não é só porque as coisas estão disponíveis que necessariamente haverá um abuso delas.

O que deve ser evitado no primeiro encontro? É imperativo escolher bem os assuntos. Solteiros em geral não querem discutir política, religião ou relacionamentos passados. Muitos passaram por um divórcio, pela morte do parceiro ou por outros traumas. Ninguém quer saber do passado, e sim do futuro. Para onde o outro pretende caminhar, quais são os planos. A dificuldade com o primeiro encontro é que não se sabe praticamente nada a respeito do outro. Com isso, as pequenas coisas que aparecem são superestimadas. Dá-se muita importância à beleza do outro, como ele se veste, se ele se esforçou-se para vestir-se bem. Mas essa primeira impressão não fornece uma bom retrato da pessoa como um todo. É preciso conhecer mais. Uma discussão política logo de cara seria um problema muito grande porque mancharia essa primeira imagem rapidamente poderia encerrar a relação. Se, por outro lado, essa mesma discussão surgisse mais tarde, depois de um dos envolvidos já ter descoberto que o outro tem um ótimo senso de humor, que ama as pessoas, é aventureiro, tem um doutorado em alguma área de interesse comum ou também gosta de música gospel, o peso das divergências políticas já seria muito menor.

Além do assunto, o que mais é importante no primeiro encontro? O celular deve ser evitado. Hoje em dia, 70% dos americanos realmente acham rude mexer no seu telefone durante o encontro. O aparelho não deve ser ligado ou levado para o banheiro. Também é preciso ser pontual. Quinze minutos de atrasado é o máximo a ser tolerado. Vestir-se decentemente, ter modos à mesa, e ser natural. Na conversa, é indicado fazer perguntas sobre o outro e escutar atentamente as respostas.

A senhora recomenda o sexo no primeiro encontro? O problema disso é que qualquer estímulo sexual pode acionar uma parte do cérebro, liberar dopamina e gerar uma paixão forte. Se não há um envolvimento, isso seria um problema. A pessoa poderia passar a sentir uma paixão por alguém da qual não gosta muito, não confia ou não respeita. O sexo casual não é fortuito. Coisas acontecem dentro da cabeça e podem ter consequências.

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É socialmente aceitável transar no primeiro encontro? Depende para quem você pergunta. Entre os homens, 37% acredita que é apropriado fazer sexo no primeiro encontro. No grupo das mulheres, contudo, somente 8% pensa assim. É interessante ver que a mulher parece estar no controle da situação, porque quando perguntamos “você já transou no primeiro encontro?” 5% dos homens responde que sim e 2% das mulheres. É um índice baixo, muito longe daquele que os homens entendem que seria apropriado. A conclusão é que obviamente são elas que estão dando a palavra final.

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