Morre aos 87 anos o Nobel alemão Günter Grass
Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1999, autor do romance 'O Tambor' provocou escândalo ao admitir, após sessenta anos, que lutou na tropa de elite nazista
O escritor alemão Günter Grass, vencedor do Prêmio Nobel de 1999 e um dos principais nomes da literatura contemporânea de seu país, morreu nesta segunda-feira aos 87 anos. Segundo a editora responsável pela obra de Grass, a Steidl, o escritor estava internado em uma clínica na cidade de Lübeck, no norte da Alemanha. O escritor britânico Salman Rushdie usou o Twitter para espressar “tristeza” pela morte de Günter Grass. Era “um verdadeiro gigante, um inspirador, um amigo”, escreveu. “Toca o tambor por ele, pequeno Oskar”, escreveu também Rushdie, em referência ao herói de O Tambor.
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Parte de uma geração de escritores alemães que se destacou ao expor as culpas e as feridas abertas no país pelas atrocidades cometidas pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, Grass conquistou fama mundial em 1959, com o romance O Tambor, fábula política que é considerada a sua obra-prima. Quando o livro foi publicado, a revista Der Spiegel afirmou que ele dava origem à “literatura alemã do pós-guerra”. Ao conceder o Nobel de Literatura ao alemão, quarenta anos depois do lançamento do romance, foi esse o título que a Academia Sueca exaltou. “Não é audacioso dizer que O Tambor se tornará uma das obras imortais do século XX”, disse o porta-voz do prêmio, à ocasião. Sucesso em diversos países, O Tambor foi adaptado para o cinema por Volker Schloendorff e premiado com a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de filme em língua estrangeira.
Entre as obras posteriores estão O Gato e o Rato (1961), Anos de Cão (1963), Encontro em Telgte (1979), The rat (1986), Maus Presságios (1992), Discurso da Perda (1993), O Meu Século (1999), e A Passo de Caranguejo (2002).
Visto como compasso moral da nação, Grass sempre foi um crítico do silêncio de parte da sociedade alemã no pós-guerra sobre os crimes do nazismo. Até por isso, o escritor causou escândalo ao revelar em seu livro de memórias de 2006, Nas Peles da Cebola (tradução de Marcelo Backes, Record), que havia feito parte, e de forma voluntária, da Waffen SS – a tropa de elite de Hitler na Segunda Guerra. “O que eu aceitara com tanto orgulho na juventude quis calar depois da guerra, por culpa”, afirmou o autor ao admitir a sua participação no nazismo.
Segundo seu livro de memórias, ele tinha menos de 12 anos quando a guerra eclodiu e aos 14 foi forçado, como muitos outros jovens, a se juntar a organizações paramilitares, entrando na Juventude Hitlerista. Selecionado para uma divisão de tanques da Waffen-SS em 1944, experimentou os horrores da guerra quando mais de metade da sua companhia, em maior parte jovens de 17 anos, foi dilacerada em três minutos de tiroteios. Quando a Alemanha se rendeu em 1945, Grass foi prisioneiro americano por pouco tempo. O fato de não ter revelado esta parte da sua história até 2006 gerou acusações de que foi hipócrita ao atacar outros por falharem em enfrentar o passado nazista alemão.
Günter Grass nasceu em 1927 na cidade portuária do báltico de Danzig, hoje Gdansk, na Polônia, e grande parte de sua ficção se passa na cidade. Ele era filho de uma mãe que pertencia à minoria eslava da Prússia e de um pai alemão. Após a guerra, trabalhou em uma fazenda, em uma mina de potássio e foi aprendiz de pedreiro antes de estudar escultura em Duesseldorf e Berlim ocidental. Começou a escrever poemas e peças no início dos anos 1950, trabalhou como jornalista, tocou em uma banda de jazz e ilustrou alguns de seus próprios livros. Foi na década de 50 que ele decidiu pela carreira de escritor e se uniu ao “Grupo 47”, que tinha por objetivo revitalizar a literatura alemã.
Em 2012, Grass se envolveu em outra controvérsia, dessa vez com Israel, ao publicar um poema em prosa acusando o país de ameaçar a paz mundial por querer atacar o Irã de maneira preventiva, diante da possibilidade de o país mulçumano dispor de armas nucleares. Na ocasião, Israel considerou lamentável o episódio e o declarou “persona non grata”.
Em 2014, após várias internações, Grass afirmou em uma entrevista que provavelmente não escreveria mais romances por sua idade avançada. “Meu estado de saúde não me permite conceber projetos de cinco ou seis anos, e esta seria a condição para o trabalho de pesquisa para um romance”, disse a um jornal regional. O escritor também recebeu o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras em 1999.
(Da redação com agências Reuters, France-Presse e EFE)