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Ex-seguidores se dizem ameaçados pela cientologia

Por Mariana Zylberkan
14 jul 2012, 09h30

“Quando queremos assustar alguém, nós o investigamos. E, quando investigamos, sempre fazemos de forma explícita” (L. Ron Hubbard, escritor de ficção científica que criou a cientologia em 1952, no livro Manual of Justice)

Nos sete anos de relacionamento com Tom Cruise, a atriz Katie Holmes conviveu de perto com o ídolo de infância, dono do rosto que estampava os pôsteres espalhados pelas paredes de seu quarto, em Ohio. Mas não apenas com ele: durante o casamento, selado com pompa em um castelo da Itália, Katie passou a ter contato estreito com a cientologia, religião seguida por Cruise desde 1990. A seita, que reúne famosos como John Travolta e Will Smith, é apontada como o pivô da separação do casal. Katie pediu o divórcio para afastar a filha Suri, 6, do pai e dos dogmas que ele apregoa. A estratégia deu certo e, realizada de forma amigável, a separação vem fazendo bem para a imagem da atriz. A maneira rápida e tranquila com que Katie se desligou da cientologia, porém, parece ser uma exceção. Ex-seguidores ouvidos pelo site de VEJA dizem ter sido perseguidos e ameaçados ao deixar a Igreja.

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Karen diz que foi ao necrotério, mas foi impedida por membros da igreja de ver o corpo do filho. Desesperada por informações sobre a morte de Alexander, ela descobriu, com colegas de trabalho do filho, que ele sofreu um acidente de carro e não procurou ajuda médica.

Procurada, a igreja brasileira da cientologia nega que ameaças e perseguições façam parte da rotina da seita. O fim trágico de Alexander estaria ligado a outro dogma da cientologia, também negado pela igreja brasileira. Por esse princípio, presente nos livros oficiais da religião, os seguidores deveriam recorrer apenas a exercícios e vitaminas no combate a doenças. “A cientologia é a única cura para queimaduras provocadas por bombas atômicas”, escreveu L. Ron Hubbard, o escritor de ficção científica que criou a cientologia em 1952, no livro All about Radiation (Tudo sobre Radiação, em tradução literal). Ao todo, Hubbard escreveu 14 volumes sobre o conjunto de princípios que batizou de Dianética. Além de cartilhas, que, juntamente com os livros, são a única fonte de conhecimento religioso permitida aos fieis – há quem diga que a cientologia é, na verdade, uma grande e bem sucedida empreitada editorial.

A posição da cientologia frente à medicina foi o que levou a aposentada Tory Christman, de 65 anos, a abandonar a igreja após 31 anos. Epiléptica, ela foi atraída para a seita por suas promessas de cura, aos 22 anos. “Garantiram que eu me curaria com as vitaminas e os exercícios propostos por Hubbard”, lembra Tory, que mora em Los Angeles e atualmente é uma das mais ferrenhas críticas da igreja seguida por Tom Cruise, publicando vídeos e mensagens na internet.

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Tory seguiu à risca o tratamento indicado pela seita, até o dia em que a mãe disse que ela estava agindo de maneira estranha. “Eu perdi a memória recente. Só percebi quando minha mãe me perguntou de um encontro que eu havia tido na noite anterior e respondi: ‘Que encontro?'” Obrigada pela mãe, ela retomou o tratamento médico, mas continuou na igreja. Ao longo de 30 anos, diz ter visto sete pessoas morrerem por suicídio ou falta de tratamento médico. “Muitos morreram tomando vitamina C contra um câncer.”

Tory decidiu sair em 2000. A partir daí, ela nunca mais viu o marido, que continua na Igreja, e diz viver aterrorizada por perseguições e ameaças. “Eu fui caçada ao redor do país. Toda vez que descobriam onde eu estava, recebia uma visita desagradável de um membro da cientologia que me pedia para voltar.”

Disciplina militar – Com declarados 15 milhões de seguidores no mundo – o número oficial é rebatido pela imprensa americana, que calcula não passar de 100 000 -, a cientologia é amparada por uma estrutura de estilo militar. Seu comando se localiza na Sea Organization, ordem que administra a seita, centraliza as decisões, promove eventos como o cruzeiro de doutrinação de que Suri Cruise iria participar e controla a vida dos fieis através de um serviço de inteligência próprio – a rotina da casa de Tom Cruise seria tema de relatórios diários. Para realizar todas essas atividades, a Sea Organization emprega fiéis que se destacam nos estudos da Dianética. O regime de trabalho nas igrejas e centros de convivência é descrito como exaustivo por ex-voluntários, que contam terem sido obrigados a trabalhar por horas e horas seguidas, sem folga, por um salário de 50 dólares semanais.

Outro ex-membro, Chuck Beatty, de 65 anos, conta que, ao longo de 20 anos na Sea Organization, chegou a trabalhar na empresa Author Services Inc. como assistente direto de L. Ron Hubbard, o fundador da cientologia. “Foi quando eu percebi a insanidade e a violência dos líderes e comecei a desconfiar de que a religião era uma farsa.” Sua primeira tentativa de deixar a seita foi em 1997. Na época, porém, Beatty hesitou e acabou passando mais sete anos no Projeto de Reabilitação Forçada, programa destinado a recuperar dissidentes, quando finalmente saiu, em 2004. A partir disso, ele diz ter sido seguido por detetives particulares. “Recebia ligações quase diárias de homens que diziam estar me investigando.”

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Seu trabalho, hoje em dia, é apoiar pessoas que querem deixar a cientologia. Beatty até criou uma linha direta gratuita, 1800-X-Sea-Org, para receber ligações de membros em busca de conselhos. “Fazer parte da Sea Organization é um compromisso para o resto da vida, por isso, sair é algo praticamente impensável para quem está lá dentro.”

Outro que trabalha contra a cientologia é o ex-membro conhecido por William Burke – ele adotou o pseudônimo para assinar textos no blog Ask The Scientologist (Pergunte ao Cientologista, na tradução literal). Burke conta ter deixado a seita ao ser obrigado a se “desconectar” de sua irmã por ela ser contra a religião. “A igreja tentou por anos descobrir a identidade de William Burke para, certamente, me transformar em alvo de espionagens e perseguições”, diz o homem que afirma ter mais de 50 anos e viver na costa oeste da Califórnia.

Investigar cada passo de seus desafetos, o que inclui a imprensa, foi uma estratégia implantada por Hubbard, como fica claro na seguinte frase publicada por ele no livro Manual of Justice (Manual de Justiça, na tradução literal), em 1959: “Quando queremos assustar alguém, nós o investigamos. E, quando investigamos, sempre fazemos de forma explícita”.

Em outro texto, a Carta de Punições escrita em 1967, Hubbard orientava seus seguidores a adotar o método de fair game (jogo justo, na tradução literal) para lidar com “inimigos”. “O inimigo deve ser destituído de qualquer individualidade ou ser ferido por qualquer membro da cientologia. Ele deve ser alvo de trapaças, processos, mentiras e destruição.” Coisa fácil de entender, o texto gerou uma reação tão forte por parte da sociedade americana que, em outubro de 1968, Hubbard cancelou a tal política do fair game.

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Paranoia e descontrole – Para muitos ex-seguidores, as esquisitas regras da cientologia, assim com a atmosfera sombria da seita, são reflexo da personalidade de Hubbard, homem que é descrito como paranoico e descontrolado. “Qualquer pergunta feita sobre a cientologia é vista por seus membros como um ataque, em vez de um simples questionamento”, diz William Burke.

Procurada para comentar os relatos colhidos com ex-membros americanos, a líder da cientologia no Brasil, Lúcia Winther, 49, se recusou a fornecer argumentos para os questionamentos da reportagem e ameaçou processar o site de VEJA. “O fato é que com o conhecimento de cientologia as pessoas ficam mais inteligentes, capazes e livres, não podendo assim ser tão manipuladas pela imprensa e sociedade”, escreveu.

Tamanha devoção à cientologia teve início há 22 anos, quando Lúcia morava nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, ela e o marido, o venezuelano Randolph Sambo, 51, se esforçam desde 1991 para firmar a cientologia no país. Atualmente, há dois escritórios da igreja no país, ambos em São Paulo. De acordo com Lúcia, a organização recebe cerca de 100 interessados na seita por semana, o que, nos seus 21 anos de presença no país, daria um total de 104.000 curiosos ou convertidos nos princípios de Hubbard. Tal curiosidade não encontra par nas redes sociais, no entanto: a página brasileira da Igreja no Facebook contabiliza 300 seguidores e apenas 63 pessoas fazem parte da página sobre Dianética no site.

No Brasil, a seita está registrada sob o nome empresarial Primeira Igreja de Cientologia do Brasil Associação Religiosa, o que lhe dá o privilégio de isenção fiscal previsto pelo Código Civil para organizações religiosas. Segundo a advogada Damaris Dias Moura Kuo, presidente da comissão de direito e liberdade religiosa da OAB-SP, não há queixa contra a igreja no país. “Há dez anos, eu milito na causa da liberdade religiosa e não tinha conhecimento da presença da cientologia no Brasil”, diz.

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No Brasil, paz – Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde a maior parte dos fieis trabalha e mora nas dependências da Igreja, no Brasil a maioria segue a cientologia de forma independente, lendo os livros de Hubbard como volumes de autoajuda. “Depois de aprender a tecnologia (termo usado para designar as regras de conduta dentro da cientologia), comecei a me encontrar mais, descobrir quem eu sou”, diz a personal trainer Andrea Silveira, de 38 anos.

Ela diz ter lido mais de 20 títulos de Hubbard desde que entrou em contato com a Igreja em 2006, através de uma amiga. Sua filha de 9 anos também é adepta da cientologia, já fez seu primeiro curso sobre como ler dicionários e viajou a bordo do Freewings, cruzeiro organizado pela seita anualmente para reunir membros iniciantes. “É como um retiro espiritual.”

Estudar os princípios da cientologia com vista para o mar do Caribe também já fez parte da vida de Jorge Carlos Jucoski, 44. Ex-gerente de hotel, ele foi treinado para atuar como auditor da igreja, uma espécie de terapeuta que usa os mecanismos ensinados por Hubbard nos livros para tratar dos problemas emocionais de pacientes. “A pessoa usa o tempo presente para repetir várias vezes o que aconteceu de ruim em sua vida e se distanciar do problema.” Ele calcula que uma pessoa em depressão profunda, por exemplo, necessita de 50 horas de terapia, em encontros estabelecidos três vezes por semana.

As sessões de audição, como as feitas por Jucoski, são o primeiro passo para o interessado em se iniciar na cientologia. Numa visita à sede da Igreja de Cientologia, no bairro paulistano do Tatuapé, a pessoa é convidada a comprar um dos livros de Hubbard, fazer um teste de personalidade gratuito e fechar um pacote de audições (12 horas por 700 reais).

A primeira impressão de quem visita a sede da cientologia no Brasil é a de estar diante de uma pequena e simples loja de livros. Ao atravessar o portão do pequeno sobrado, é possível ver uma prateleira com livros e DVDs de L. Ron Hubbard à venda com preço médio de 50 reais cada. A atenção extrema que as atendentes uniformizadas devotam à venda de livros e serviços, como as sessões de audição, aproxima a cientologia – ao menos num primeiro contato – mais de um negócio pautado pela autoajuda do que de uma religião. A aquisição de sabedoria pode ser parcelada em suaves prestações.

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