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Em livro, Camille Paglia ‘explica’ pobreza da Bienal de SP

No recém-lançado 'Imagens Cintilantes', a professora da University of the Arts da Filadélfia (EUA) bate pesado em quem faz arte para chocar sem trabalhar conceitos em profundidade e sem correr risco algum. Crítica é, por coincidência, perfeita para a edição deste ano da Bienal de Arte de SP

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 out 2014, 18h31

A americana Camille Paglia não se esquiva de controvérsias. Professora de Humanidades e Estudos Midiáticos da University of the Arts da Filadélfia, dispara críticas ferinas a uma parcela do movimento feminista, a artistas pop como Miley Cyrus e, principalmente, às artes plásticas contemporâneas, que já não atuam mais na vanguarda da mudança cultural, segundo ela. Como se tivesse dado um passeio pela atual Bienal Internacional de Artes de São Paulo, um resumo perfeito de tudo o que ataca em seu novo livro, Imagens Cintilantes – Uma Viagem Através da Arte desde o Egito a ‘Star Wars’ (tradução de Roberto Leal Ferreira, Apicuri, 224 páginas, 49 reais), recém-lançado no Brasil, ela bate pesado em quem faz arte para chocar sem trabalhar conceitos em profundidade e sem correr risco algum – sem de fato transcender ou transgredir.

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“Eu detesto esse comportamento tolo e contraproducente de artistas contemporâneos que mimetizam, sem nenhum custo pessoal, as realizações da vanguarda do passado”, diz ela, em entrevista ao site de VEJA. “É difícil produzir arte política bem sucedida. Deve haver alguma profunda transformação do material por meio da imaginação e do intelecto. Caso contrário, os resultados são muito simplórios e agressivos, pregando um sermão enfadonho para o visitante. Arte política de baixa qualidade é meramente kitsch – como cartazes nazistas do super-homem ariano ou pinturas soviéticas de camponeses felizes cumprimentando tanques do exército stalinista com flores.”

Confira aqui a íntegra da entrevista de Camille Paglia

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Em Imagens Cintilantes, Camille Paglia traça um panorama da história da arte e afirma também, com certa decepção, que os jovens deixaram ofícios como a pintura e escultura para emprestar sua lealdade à tecnologia e ao design industrial. A debandada progressiva dos mais novos foi um dos motivos que dificultaram a tarefa de escolher uma obra de arte que representasse as últimas décadas para seu livro. Por acaso, enquanto escrevia, ela se deparou com a exibição de Star Wars: Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith (2005) na televisão. “Fiquei atordoada com os avanços sofisticados de George Lucas em animação digital, assim como em sua capacidade de articular profundamente as emoções.” Sem titubear, colocou o filme de Lucas para encerrar o seu livro e elegeu o diretor o maior artista vivo.

Entenda melhor as críticas de Camille Paglia ao cenário artístico:

Na introdução do seu livro, a senhora diz que é ultrapassada a ideia de que a arte capaz de chocar o público seja importante por definição. Ainda há artistas cujo objetivo seja simplesmente provocar o choque? Arte chocante de qualidade – como Saturno Devorando um Filho (criado entre 1819 e 1823), de Francisco Goya, e Les Demoiselles d’Avignon (1907), de Pablo Picasso – é criada em um momento em que instituições antiquadas e corruptas precisam ser atacadas e expostas. Esses artistas estavam se arriscando à condenação, rejeição, prisão e coisas piores que isso. Havia um custo pessoal e sério nesse gesto desafiador. Mas com a arte chocante feita de 1980 em diante é diferente. Um artista que insulta valores tradicionais – como o fotógrafo americano Andres Serrano, que mergulhou um crucifixo de plástico em uma jarra com a sua urina, em Piss Christ (1987) – é recompensado com a adoração de museus, universidades, agências governamentais para o gerenciamento das artes e jornais de prestígio. Eu detesto esse comportamento tolo e contraproducente de artistas contemporâneos que mimetizam, sem nenhum custo pessoal, as realizações da vanguarda do passado. É exatamente por isso que muitos americanos comuns desprezam a arte. Apesar de ser ateia, eu respeito as religiões e condeno fortemente as vozes no mundo da arte e das universidades (assim como no movimento gay) que adotam a pose de “arrojadas” por insultar a religião – que é uma força mais importante do que a dessas pessoas e que terá uma vida mais longa do que elas.

A senhora diz que a morte de Jackson Pollock, em 1956, e a consequente administração de seu espólio por sua mulher deram origem ao mercado de arte especulativo como o conhecemos hoje. Quão prejudicial para a arte contemporânea é a venda de obras em grandes leilões? A arte só ganha o noticiário hoje quando uma obra é roubada de um museu ou uma pintura de um artista famoso é vendida por um preço absurdamente alto em um leilão. A arte se transformou em investimento para os super ricos, em nada diferente de diamantes ou imóveis. Essa ostentação e excesso distorceram a percepção popular da arte, que toma a aparência de um jogo narcisista e ganancioso dos poderosos para a maior parte das pessoas. As quantias extravagantes de dinheiro que são injetadas no mercado internacional de arte também envenenam a atmosfera para jovens aspirantes a artistas. Galerias urbanas chiques nos EUA estão, por vezes, oferecendo contratos de exclusividade a artistas que ainda estudam em escolas de arte e não dominam seu ofício. A possibilidade de ficar rico rapidamente interrompe, de maneira preocupante, o processo de maturação de um artista, que deve se desenvolver em tranquilidade, longe dos holofotes.

A senhora tentou alcançar um público amplo com o livro Imagens Cintilantes, mirando leitores que geralmente não acompanham o mundo da arte. Foi também uma tentativa de fazer com que as pessoas, e principalmente os artistas, percebessem que a arte contemporânea está muito derivativa e repetitiva? Infelizmente, as artes plásticas contemporâneas já não estão na vanguarda da mudança cultural. Os jovens concederam sua lealdade à tecnologia e ao design industrial, simbolizado por seus iPhones em constante evolução, com seus múltiplos aplicativos e funções. Por causa de programas de computador, como o Photoshop, gêneros tradicionais como a pintura estão em declínio e provavelmente nunca vão se recuperar. Os jovens estão derramando sua energia criativa e engenhosidade na internet e no design de videogames ou em vídeos brilhantemente inteligentes do YouTube, que se tornam virais. A comunidade artística falhou em reconhecer ameaças à sua existência. Por isso escrevi esse livro, para tentar demonstrar a complexidade e a dimensão espiritual da arte, que não pode ser totalmente emulada por iPhone.

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