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Ed Motta: “Sou um mestre, mas não sou um nojo”

Depois do barulho causado por suas declarações sobre o público brasileiro no exterior, o cantor diz que não tem desprezo pelo Brasil - e que só é visto como arrogante por quem segue uma "cartilha tropical"

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 abr 2015, 19h12

O cantor e compositor carioca Ed Motta se tornou uma espécie de inimigo do orgulho nacional quando, há duas semanas, escreveu um post no Facebook recomendando certas normas de comportamento para os brasileiros que comparecessem a seus shows na Europa. Era proibido pedir Manuel, um dos maiores sucessos do cantor. De quebra, o cantor ironizava o modo como, segundo ele, o público brasileiro se veste em casas de show no exterior – com camiseta apertada “tipo jogador de futebol” e relógio branco. Motta ainda se deu ao trabalho de responder, em sua página na rede social, a quem atacou seus comentários, para depois pedir desculpas pelo tom ácido das declarações. Não é de hoje que Ed Motta tem problemas com suas postagens na internet. Quatro anos atrás, ele foi duramente criticado por fazer comentários pouco lisonjeiros sobre alguns artistas da nova MPB. Em entrevista ao repórter Sérgio Martins, o sobrinho de Tim Maia esclarece a postagem que levantou controvérsia, ataca a pobreza da música atual (mas até salva o funk e o pagode cariocas) e fala do sentimento de não ser devidamente valorizado.

O senhor fez comentários infelizes sobre o público de seus shows fora do Brasil, foi criticado e justificou sua atitude, dizendo que ela se deu devido ao uso de remédios. Que medicação o senhor toma? Ah, várias, dos Rivotril da vida a anti-depressivos e ansiolíticos. Comecei a tomar esses remédios no final dos anos 1990 porque tinha medo de andar de avião – não dos voos nacionais, mas sim dos internacionais. Os remédios tradicionais não estavam funcionando e tive de abdicar de duas turnês no exterior. Hoje eu faço uso da medicina ortomolecular. Vou para Manaus como quem viaja para Taubaté. Em outros tempos eu me deitava na cama, ficava pensando na distância que teria de percorrer.

Mas como os remédios influíram nas declarações do senhor? Na verdade, só falei dos remédios porque estava decepcionado com um monte de coisa: de não ter o reconhecimento que mereço, de não ter espaço na mídia. O remédio é apenas o alicerce de um problema que já existe: o sentimento de revolta. Eu também acho que omitiram uma frase do meu depoimento que ajudou a causar toda essa revolta. Sim, eu falo do brasileiro simplório. Mas em seguida eu comento que as pessoas da comunidade brasileira que vão aos meus shows são cultas e bem informadas. Do jeito que colocaram na imprensa, deu a impressão de que falei mal dos brasileiros. É uma forma de me destruir porque falo de coisas que ninguém conhece.

O senhor se acha perseguido? No Brasil, ser bom incomoda mais do que ter dinheiro. Eu tenho uma mente paranoica. Acompanho tudo que é escrito sobre mim. E vi muita gente pedir minha caveira nas redes sociais e outras pessoas darem “curtir”. Gente que se dizia meu amigo, e muita divulgadora mal amada. É uma raiva de muito tempo, de gente que teve de me aturar. Nunca fui estrela, sempre fui uma pessoa fácil de lidar, mas dentro de uma cartilha tropical eu posso ser considerado uma pessoa arrogante. Sou o cara que conhece das coisas e arrota que conhece. Eu sou mestre sim, sei que sou. Isso deixa as pessoas pensando que sou um nojo. Tim Maia era um cara polêmico, metia o pau em todo mundo. E as pessoas não tinham esse amor pelo Tim Maia como têm hoje.

Convenhamos que chamar pessoas de ‘pedreiro’ e ironizar o nome delas não conta como exibição de conhecimento. Aquilo foi a única coisa que eu não sustento. Foi horrível, veio na hora do nervoso. Vamos lá: eu fiz uma ironia que não foi entendida, levaram para o lado coitadista. E aí cada hora aparecia alguém para encher meu saco e passei a replicar os insultos. Virou aquele humor carioca, do Bairro da Tijuca. Surgia um cara com aquele nome maravilhoso, tipo Valdivan, e eu falava: “Bicho, olha esse nome aí…” Mas o “pedreiro” foi um erro.

O senhor teme ficar marcado como aquele tipo de artista que só fala mal de todo mundo? Pois é, virei o Pedro de Lara. O cara que reclama de tudo, que nada para ele é legal. Precisamos de alguém para criticar? Liga para o Ed Motta que ele faz um comentário inteligente e horroroso. Eu lamento que eu mesmo caia nessas ciladas que armo para mim. Não adianta me vitimizar, não sou santinho.

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Mas o senhor disse que não estava bem… Eu não estou bem. Sou jogado para escanteio. Tenho uma boa carreira internacional, o single de 1978 foi primeiro lugar na parada japonesa. Mas é claro que eu gostaria de ter uma carreira de sucesso no Brasil. Eu lancei um disco, AOR, e não consigo marcar shows em Porto Alegre ou Florianópolis. Isso gera uma infelicidade, uma mágoa, uma depressão que desemboca nessas sandices.

É verdade que o senhor recusou a proposta de um milhão de uma empresa de cosméticos para fazer um tributo a Tim Maia? Eles me ofereceram bem mais. Olha, eu adoro a música do Tim Maia. Acho brilhante, importante, e fico feliz que ele seja da minha família. Mas eu sempre pensei que se tivesse de fazer um projeto desse tipo, teria de ser um dinheiro para resolver a minha vida para sempre. Ter um fixo por mês para que eu possa comprar meus vinhos, meus discos e não fazer show nunca mais. Aí eu falei com um amigo que trabalha no mercado financeiro. Ele fez um cálculo e mostrou que mesmo que eu investisse o dinheiro do cachê, teria de continuar trabalhando. Fiz um contraproposta, não aceitaram e o projeto foi abortado. Quando eu critiquei a escolha dos artistas para fazer esse tributo, a empresa tomou uma atitude nojenta, dizendo que eu nunca havia sido convidado.

O senhor se recusou porque se incomoda de ser identificado com seu tio? Eu acho que não seria honesto fazer isso. Eu também sou compositor, fazer uma revisão da obra dele seria um atestado de morte para mim. E ainda tem aquela ignorância de dizer que vivo à sombra do Tim Maia. Nunca cantei com o Tim, nunca pedi nada para ele e nunca me aproveitei da imagem dele. Mas no Brasil todo mundo tem um diagnóstico, uma teoria. O Brasil é o país do chute.

Quatro anos atrás o senhor já havia se envolvido numa polêmica nas redes sociais ao criticar outros cantores e compositores brasileiros. Também foi culpa dos remédios? Não. O que aconteceu foi uma brincadeira com Luiz Fernando Comprido, guitarrista da minha primeira banda, o Conexão Japeri. Estávamos ambos bêbados e fazendo piada. Eu não tinha ideia da força das redes sociais e tampouco sabia que o meu Facebook estava aberto a todas as pessoas. Foi a partir desse incidente, aliás, que passei a ser boicotado por certos veículos de comunicação. Eu também assumi a missão de dividir com todo mundo as coisas que eu aprendo. Isso é muito raro porque as pessoas consideradas ‘gente fina’ e ‘descoladas’ só falam delas. Ninguém comenta uma vírgula sobre esse lado ridículo e narcisista. Mas, no meu caso, o bicho pega porque junta a arrogância com o cara que conhece um monte de coisa.

Qual a importância das redes sociais na carreira de um músico? A rede social é uma necessidade. Não faço mais programa de rádio, não tenho vontade de escrever sobre música. Eu até queria ter um programa sobre música, mas hoje todo mundo está na televisão. Agora, se me ajudar a colocar um prato na minha mesa, eu faço. Mas sempre fui contra a corrente. Não faço qualquer coisa, não canto com qualquer pessoa (pelo menos do meu gosto) e não apareço em qualquer programa. Se eu fosse um vaselina, aceitasse qualquer convite que me fizessem, quem sabe eu teria mais dinheiro. Só que a quantidade de remédio que tomo seria maior.

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A situação financeira do senhor é confortável? A minha vida sempre foi assim: o trabalho do mês anterior ajuda a pagar as despesas do mês seguinte. Eu tenho meu apartamento, mas nunca tive poupança. Nunca fui o flamboyant que as pessoas pensam, que gasta todo dinheiro em vinho e restaurantes caros. Quando eu apareço com uma garrafa de vinho caro é porque certamente ela me foi dada. Viver é difícil e eu ainda tenho de disputar espaço com alguém que não faz música. Olha, eu não morria de amores pela geração dos anos 1980. Hoje eu tenho vontade de ajoelhar para aquele povo e pedir perdão.

O senhor acha que a música piorou? Ah, faz tempo que isso acontece. Colecionador de discos que sou, percebo um monte de artistas brilhantes sendo esquecidos e bandas como Ramones sendo endeusadas. É algo que nasceu com Sex Pistols e Joy Division e foi crescendo até chegar aos dias de hoje. Eu acho triste porque esse monte de gente que não sabe tocar tira o emprego de um saxofonista como Archie Shepp, esses clubes de rock tiram o espaço de um bom clube de jazz. Mas é um reflexo do que acontece no mundo. O selo Blue Note, por exemplo, que era especializado em jazz, lança discos de música pop. Existem festas em que 20 000 pessoas assistem um cara manejar um toca-discos como se ele fosse o Led Zeppelin. Para mim, isso significa o fim dos tempos.O Brasil adotou essa atitude, mas de maneira mais restrita que o mercado europeu. Tem o cara que não toca nada, que vai para o palco fazer um “bleargh”, com camisa xadrez e cara de lânguido, tipo “estou passando mal”. Por outro lado, tem bandas interessantes, como o grupo jazzístico Snark Puppy. André Mehmari, Chico Pinheiro e Hamilton de Holanda são exemplos de perseverança. Só que deveria haver espaço para todos.

O funk carioca e o pagode ajudaram a destruir a música brasileira? Não acho que o funk carioca seja nocivo. Não toca na minha casa, mas é genuíno. Vem do povo, do cara da favela se expressando artisticamente com um microfone e uma bateria eletrônica. Só não acho digno o cara que nasceu num bairro nobre fazer isso. O sujeito cresceu no Itaim, com mamãe e papai, estudou no Sacre Coeur e vem com essa conversa que está se expressando com um microfone? Ah, cara, vai estudar música, carregar caixote! Já o pagode salva a música brasileira da mediocridade total. A primeira vez que vi o Exaltasamba me fez lembrar do Earth Wind & Fire, grupo de soul e funk americanos. Eu acho Belo bonzão, no nível de um cantor romântico de R&B. Ele tem qualidade musical, e não falo isso com aquele ar de deboche tipo “ai, gente, é divertido.” Se eu tiver de escolher entre um show do Radiohead e do Belo, eu certamente vou no do Belo. Sei que vai ter música.

Qual a bronca do senhor com Manuel? Nenhuma. Houve tempos em que eu implicava com ela, tanto que passei dez anos sem tocá-la nos meus shows. Mas tive a infelicidade de citar a música no meu post. Pronto, ressuscitei Manuel, e ele agora está atrás de mim, feito um zumbi. Agora, ganho mais dinheiro com arrecadação de direitos autorais com Fora-da-Lei e Colombina. Manuel eu ganho através de direitos conexos, porque ela não é de minha autoria. É uma quantia irrisória.

O senhor também mostrou um descontentamento com Manual Prático Para Bailes, Festas e Afins Vol. 1, disco de sua carreira que mais vendeu. Qual o problema dele? Aquele disco não me representa. Esteticamente falando, não era o que eu queria fazer. A gravadora queria um disco de música pop. Mas eu tinha voltado dos Estados Unidos pensando em Guinga, Chico Buarque. É um disco cheio de sons eletrônicos, que eu não gosto. E aí eu tinha de ir aos programas para bancar o álbum. O stress foi tanto que parei no hospital, para fazer uma operação no pólipo vocal. Agora, eu não fui forçado a nada. Fui eu quem procurou a gravadora, sabia que precisava de um disco de sucesso. E com ele comprei meu apartamento e não preciso mais viver de aluguel. Se bem que o condomínio hoje em dia anda mais caro que o aluguel.

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Qual a posição do senhor na música popular brasileira? Certamente um lugar bacana. Tudo bem que esteticamente a música que eu faço não pode ser incluída dentro do rótulo MPB. O Sepultura também não, mas quando morei em Nova York, em meados dos anos 1990, via as camisetas deles sendo disputadas pelo mesmo público de artistas de rock pesado internacionais. E sei que eles também possuem uma carreira respeitável no Brasil. Eu diria que sou o Sepultura do pop soul sofisticado.

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