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Como a missão diplomática chilena alegrou o Rio entre o fim do Império e o começo da República

Livro 'Festas Chilenas', escrito por historiadora brasileira, foi escrito a partir de 850 documentos guardados no Arquivo Nacional desde 1930

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 ago 2014, 16h19

No dia 15 de novembro de 1889, o imperador dom Pedro II embarcou na calada da noite em um navio para a Europa e o Brasil se tornou República. Naquele mesmo porto, assistindo de camarote aos acontecimentos a bordo do encouraçado Almirante Cochrane, estava o alto oficialato da Marinha do Chile, visitando a cidade em importante missão diplomático-militar. Os chilenos, encabeçados pelo comandante Constantino Bannen, chegaram ao Rio de Janeiro no dia 11 de outubro e foram embora no dia 5 de dezembro. Ou seja: por puro acaso, estavam no lugar certo, na hora certa, para assistir à mudança de regime no Brasil e, de certa forma, até fazer parte dela – eram os homenageados no célebre baile da Ilha Fiscal, a manifestação de pompa e circunstância que apressou a queda da monarquia. Um punhado de documentos e relatos sobre a intensa atividade social da missão chilena durante os dois meses que abalaram o Brasil, guardados no Arquivo Nacional desde 1930, foi reunido no livro Festas Chilenas, com lançamento em setembro. “São fatos que nos ajudam a entender as relações sociais e a própria mentalidade da sociedade naquela época”, diz uma das autoras, a historiadora Maria do Carmo Rainho.

O acervo de 850 documentos, entre convites, cardápios, discursos e uma pilha de recortes de jornais, traça um retrato do frenesi de compromissos sociais em que a alta sociedade carioca mergulhou durante a passagem da missão chilena. O motivo da empolgada recepção por parte do governo – tanto imperial quanto republicano – era a importância, para o Brasil, da parceria com o Chile no tabuleiro regional, marcado por disputas com a Argentina. Mas a alta roda aderiu por razões próprias: ninguém queria ficar de fora daquela rara sequência de eventos oficiais após décadas de privação de recepções palacianas, malvistas por um imperador que a idade foi tornando avesso à vida social. A programação organizada para os chilenos, a primeira desse tipo em muito tempo, foi a chance de tirar os trajes de gala do armário. No meio da roda viva, deu-se a troca de regime. Os oficiais chilenos, ressabiados, recolheram-se ao seu navio à espera de novos desdobramentos. Tranquilizou-os uma mensagem do governo republicano: “Confiando no critério das pessoas que se encarregaram de organizar as festas oficiais, espera-se que o programa seja cumprido com o máximo escrúpulo e zelo”. E a agenda foi em frente. “A vinda dos oficiais chilenos trouxe uma animação que não existia mais na família real. E quando ela foi embora, os festejos, de certa forma, forjaram a ilusão de um terceiro reinado”, avalia a historiadora Mary del Priore.

Fim do Império – O momento mais marcante, narrado em minúcias, é o já bem conhecido baile da Ilha Fiscal, ao qual as filhas do próprio Benjamin Constant, líder do movimento republicano, só não foram porque uma delas ficou doente. A visita dos oficiais chilenos foi pretexto – com o baile de gala na presença do próprio Pedro II, o império queria, isso sim, mostrar poder e ostentação. Originalmente previsto para 19 de outubro, acabou remarcado para 9 de novembro e nesses vinte dias todo o quem é quem do Rio na época tratou de garantir seu convite, inflando o total para cerca de 500 convidados (e obtendo resultado inverso – minou de vez a credibilidade do gabinete imperial). Veio a República e a empolgação com (e dos) chilenos não se abateu. A imensa maioria dos compromissos, fosse qual fosse, anota o livro, acabava em bailes, previstos ou improvisados. Os documentos registram pelo menos dezessete bandas convocadas para as festividades, as quais enfrentaram um dilema nos dias seguintes à troca de regime: o que tocar em nome do Brasil? O novo governo abrira concurso para escolher um novo Hino Nacional; a população — e Festas Chilenas deixa isso claro — era contra. Optou-se por continuar executando o existente, que acabou preservado.

Clubes, teatros, até igrejas disputavam a honra de receber a missão do Chile. No embate das corridas de cavalos, o Derby, moderno, venceu o Jóquei, conservador: atraiu os oficiais para seu turfe logo no início da visita. Quando chegou a vez do concorrente, veio a República e o páreo em sua homenagem teve que ser adiado três vezes. A imprensa acompanhou cada momento, com críticas aos gastos públicos e ironias à agenda lotada. “Foram mui bem recebidos, mas talvez neste momento, já estejam arrependidos. As festas, os cumprimentos, todas essas recepções, só podem ter o caráter de grandes amolações”, escreveu um jornalista. Pura retórica. Tirando os aliados mais próximos de dom Pedro, em desgraça, e os republicanos mais engajados, ocupados demais com a nova ordem, Festas Chilenas mostra que o restante da alta sociedade do Rio saiu da monarquia e entrou na república valsando, tomando champanhe e dando vivas ao Chile.

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