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‘Breaking Bad’: a melhor série dramática já feita para a TV

Termina neste domingo a saga do professor de escola pública, diagnosticado com câncer terminal, que entrou no mundo do tráfico para salvar a família

Por Marco Túlio Pires
28 set 2013, 12h51

Esposa grávida. Um filho com paralisia cerebral. Dois empregos — professor de escola pública e limpador de carros — que mal pagam as contas. Respeitando a máxima de que tudo pode ficar pior, à beira dos 50 anos, um diagnóstico de câncer no pulmão. Os médicos lhe dão, no máximo, seis meses de vida. Com os bolsos vazios e sem poupança que possa garantir os estudos dos filhos e segurança à mulher…. É com esse cenário desolador, aparentemente sem saída, que os primeiros episódios de Breaking Bad, a melhor série drámatica já produzida para a TV, lançam a incômoda provocação: e se fosse você no lugar do personagem principal, Walter White?

Neste domingo, depois de cinco impactantes temporadas, mais de oito milhões de americanos devem conferir o desfecho dessa história. No Brasil, o primeiro episódio da última temporada vai ao ar no dia 4 de outubro e a série termina no dia 17 de janeiro, pelo canal AXN, que não divulga a audiência da série no país. Mesmo sem ter um público muito expressivo – média de 2,35 milhões, nos EUA, enquanto NCIS, por exemplo, teve 21,6 milhões de telespectadores entre 2012 e 2013 -, nem o maior número de prêmios – Breaking Bad levou dez Emmys, incluindo o de melhor série em 2013, enquanto Família Soprano somou 21 estatuetas -, é possível dizer que a saga do senhor White inovou em tantas frentes que pode aceitar sem embaraço o título de ‘a melhor de todas’.

Criada por Vince Gilligan, autor do clássico de ficção científica Arquivo-X, Breaking Bad introduziu e construiu minuciosamente um protagonista nunca antes visto em séries de TV. Manteve-se fiel à sua estrutura de enredo, como as grandes obras da literatura. Sobreviveu e prosperou na era das telas conectadas e dos serviços sob demanda, como o Netflix. Quebrou recordes e incitou a inveja, saudável, em tubarões do showbusiness. Assim, Breaking Bad supera, sem dúvidas, titãs do gênero como a própria Família Soprano e A Escuta (The Wire), duas séries que marcaram época na TV americana, embora a segunda não tenha tido muita repercussão no Brasil.

Da TV à internet – Em tempos de múltiplas telas conectadas, em que a disputa pela atenção do espectador passa por um vaivém frenético entre redes sociais, canais de televisão e sites, Breaking Bad fisgou a todos com uma mistura antes vista apenas em grandes obras da literatura e do cinema. Enquanto a maioria das séries de TV começa sem saber onde vai parar, dependentes do humor implacável da audiência, Breaking Bad teve início, meio e fim definidos desde o primeiro dia. Seus criadores tiveram a coragem, e a sagacidade, de seguir o plano original, construindo tijolo por tijolo uma história convincente e angustiante, que pega o telespectador pela gola e o obriga a assistir a cada episódio com frequência religiosa. Breaking Bad não teve o destino de tantas séries que foram canceladas antes de florescer, como Firefly, muito menos teve seu prazo de validade prolongado – e por consequência uma queda brutal de qualidade – por fazer sucesso demais, como Prison Break. Não. Breaking Bad caminha para um pouso perfeito.

Outro fator que coloca essa série acima das demais é a proposta original de seus criadores para o protagonista Walter White (Bryan Cranston). Vince Gilligan queria um heroi diferente nas telas americanas. Nada do mocinho que tem suas oportunidades reconfiguradas ao fim de cada episódio ou temporada. Nada do herói linear que, apesar de suas contradições, sempre encontrará a redenção em algum momento, a luz no fim do túnel que tirará sorrisos e aprovações da audiência. O protagonista de Breaking Bad é como qualquer ser humano, sujeito às mesmas armadilhas da vida que podem corromper ou elevar. No caso, White começa como um anti-herói com o qual todos conseguem se relacionar e termina como um vilão impiedoso e desprezível que se desconstrói moral e emocionalmente.

Para fins de comparação, em Família Soprano, a primeira série que estendeu tapete vermelho ao anti-herói, Tony Soprano era um homem nascido no crime organizado. Vinha de uma família de mafiosos e, sem muita escolha, seguiu o que se esperava dele: assumiu o comando dos “negócios”. Matava, mandava matar, e discutia tudo por metáforas nas sessões de terapia. Passou sete temporadas equilibrando a vida entre os papéis de chefe de família e chefe do crime em New Jersey, onde morava. Em última análise, foi o mesmo até o fim. O personagem Walter White, foi além. Ele embarcou em uma jornada épica. Começou como homem comum e acabou monstro. A mensagem da série, por meio de seu protagonista, é a de que determinadas escolhas levam a uma intensa, dolorosa e inevitável transformação.

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O químico e o monstro – White é um químico frustrado, professor do ensino médio, de temperamento pacato, tímido, passivo. Arrasta suas aulas para alunos desinteressados da mesma forma que aceita o entrosamento de seu filho adolescente com o tio, não com ele. Aceita, não questiona, não disputa. Com o diagnóstico de câncer do pulmão e a perspectiva de poucos meses de vida, ele decide que a única saída para deixar a família em segurança é “chutar o balde” (expressão que seria tradução possível para o nome da série). Ele procura por um ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), pequeno traficante cujo único talento é o de meter-se em confusão, para propor uma parceria. Com seus conhecimentos de química, White sabe que pode produzir metanfetamina potente, só precisa de alguém que a faça chegar até os usuários. Os dois começam a trabalhar juntos. A partir daí, uma decisão atrás da outra leva White para o oposto da vida que ele vivera até então.

O personagem muda na mesma proporção que a empatia do espectador por ele. Se no começo é fácil justificar suas atitudes, com o passar dos episódios surge um sentimento quase de constrangimento por tê-lo apoiado. Estar no centro de um fabuloso império de drogas obriga a ser desleal, trair, mentir e matar – inclusive crianças, se for o caso.

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Nova era na TV – A audiência nas primeiras temporadas não foi lá essas coisas, com média de 1,6 milhão de telespectadores por episódio nos Estados Unidos. The Big Bang Theory, uma das mais assistidas nos EUA, teve 18 milhões de telespectadores em 2012. O sucesso veio aos poucos.

Lançada em 2008, Breaking Bad solidificou sua base de fãs em um modelo até então inexistente. A forma como se consome conteúdo televisivo e cinematográfico mudou muito nos últimos poucos anos. Acabou o tempo em que os telespectadores eram reféns das grades de programação. Hoje, com uma conta no Netflix ou qualquer outro serviço sob demanda é possível assistir a uma série no seu tempo, no seu ritmo.

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O próprio Gilligan admitiu que o boca-a-boca e o Netflix foram fundamentais para permitir que as pessoas alcançassem os episódios mais recentes de Breaking Bad. “A TV mudou nesses últimos seis anos”, disse ele a jornalistas depois de ter levado o Emmy para casa, no dia 22. “Acredito que serviços como Netflix nos mantiveram no ar, caso contrário não teríamos passado da segunda temporada. Trata-se de uma nova era na televisão e tivemos a felicidade de tirar vantagem desses novos benefícios.”

Para quem ainda não está convencido do inevitável legado que Breaking Bad deixará depois deste domingo, basta olhar para o impacto que a série vem causando. O site MetaCritic.com, um sistema que reúne críticas da imprensa e de fãs e ranqueia séries, filmes, músicas e jogos, deu à quinta temporada da série a inédita nota 99/100. Isso colocou-a no Guinness Book, o livro dos recordes.

George R. R. Martin, autor de Game of Thrones, série da HBO famosa pela violência e crueldade de seus personagens, escreveu em seu blog que Walter White é um monstro maior do que qualquer um em Westeros (o mundo que criou para sua história de fantasia). “Preciso tomar alguma atitude em relação a isso”, escreveu o autor, indicando que poderia mudar cenas futuras de Game of Thrones por causa da experiência que teve ao assistir a Breaking Bad.

Fácil entender então que 21 veículos americanos, incluindo The New Yorker, People, USA Today e The Hollywood Reporter, tenham dado nota máxima à série. O frenesi dos críticos mostra um padrão há muito tempo ausente do showbusiness. Reforça a ideia de que Breaking Bad conquistou um lugar especial na teledramaturgia mundial. Mas falta ainda o último tijolo, a última peça do quebra-cabeça meticulosamente armado pelos criadores. No próximo domingo, milhões de pessoas descobrirão o destino de Walter White. Breaking Bad tem todos os requisitos para terminar em grande estilo – e selar seu status como obra de arte.

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