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‘BBB14’ teve pouco ‘reality’ e muito show

Para especialista, as manobras da edição para movimentar a casa aproxima o programa das novelas, com os seus mocinhos, vilões, barracos e romances

Por Pollyane Lima e Silva e Andrea Rangel
31 mar 2014, 14h41

“O espectador fica com a sensação de que algo acontece, quando de fato nada acontece, e com a impressão de ver algo importante quando confrontado com a mais suprema desimportância”, analisa Amanda Lopes Pontes, da Uerj

Realidade é coisa do passado – até para o BBB. Talvez na primeira edição do Big Brother Brasil, em 2002, quando Boninho e Pedro Bial ainda estavam entendendo o que funcionava (ou não), a ideia de deixar o programa a cargo do acaso fosse suficiente. Afinal, só o fato de trancafiar uma dezena de desconhecidos em uma casa representava uma atração inusitada. Doze anos depois, em nome do entretenimento, os diretores não podem mais se dar ao luxo de esperar os acontecimentos. Primeiro, porque o conceito de reality show se difundiu. E, em segundo lugar, a fama do programa é tamanha que até os participantes são “especialistas” em tentar iludir o público. A solução encontrada foi aumentar cada vez mais a influência do Big Boss, que usa a mão pesada e poderosa sempre que o programa perde fôlego.

VOTE: Quem merece vencer o ‘BBB14′? Angela, Clara ou Vanessa?

Nenhuma das três finalistas (Angela, Clara e Vanessa) passou despercebida durante o confinamento – ao contrário de anos anteriores, nos quais o segundo lugar caía sempre no colo de uma pessoa sem qualquer relevância. Eram, geralmente, os chamados ‘boas praças’, que não entram em grandes conflitos e evitam tomar qualquer posicionamento controverso, como Carol (BBB7), Gyselle (BBB8), Fernanda (BBB10), Wesley (BBB11) e Fabiana (BBB12). Era também o estilo de Valter Slim, que se encaixaria no perfil de vice-campeão típico, mas foi eliminado na disputa com Clara – embora todas as enquetes extraoficiais indicassem a saída da stripper com mais de 60% dos votos, foi o rapper quem deixou o confinamento, com 75%. Logo após o resultado, o Twitter foi tomado por uma onda de especulações acusando Boninho de reverter o placar descaradamente. Não foi o primeiro caso em que o diretor foi acusado de manipulação nesta temporada: Vanessa foi cinco vezes para a berlinda e, em pelo menos três delas, sua eliminação era dada como certa. A última delas ocorreu na noite deste domingo, quando ela superou o até então imbatível Marcelo, apesar de todas as pesquisas apontarem resultado contrário. O Big Boss sempre se defendeu dizendo que o único resultado no qual o público deve confiar é o oficial, ou seja, aquele anunciado ao vivo por Pedro Bial. Mas é fato que em nenhum outro ano essas enquetes foram tão desmentidas quanto neste.

Coincidência ou não, chegou-se a uma final inédita feminina. Na verdade, os quatro semifinalistas eram os mais indicados para garantir mínima movimentação a uma casa já tão vazia. Angela soube levar seu jogo como a expert em BBB que julga ser: aproveitou bem o papel de vítima quando lhe coube na disputa com Letícia pelo coração de Júnior, soube a hora de formar casal com Marcelo para garantir um aliado de peso até a final, conseguiu até sair de cena quando se tornou o pivô do barraco entre o curitibano e Cássio. Marcelo usou e abusou do papel de coitadinho, isolou-se dos demais quando começou a ser bombardeado no paredão (foram quatro consecutivos, sete no total), chorou muito e, assim, conquistou a simpatia do público que passou a compadecer de seu sofrimento e sua carência. Clara e Vanessa não teriam a mesma força sozinhas. Não viviam como um casal tradicional – eram mais amigas durante o dia, reservando os beijos e momentos mais quentes sob o edredom para dias de festa -, mas trocavam juras de amor e garantiram que o relacionamento vai continuar depois do confinamento. Ganharam uma grande torcida no Twitter, e um apelido, Clanessa.

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Folhetim – Isoladamente, qualquer um desses acontecimentos na casa não causaria qualquer tipo de comoção, porque todos eles acontecem repetidamente no cotidiano das pessoas – as que vivem no mundo de verdade. Mas a mansão do BBB têm o poder de amplificar uma situação banal. E isso acontece de forma intencional, como analisa Amanda Lopes Pontes, doutora em Antropologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Se se tem em mãos um grupo de pessoas não especialmente talentosas, mas dispostas a tal nível de exposição, a forma de manter o espectador interessado é através da transformação do banal em conteúdo narrativo. E isso só é possível a partir da elevação da banalidade ao exagero. É necessário escândalo, polêmica, choque, para que o nada ganhe relevância.” Dessa forma, de acordo com ela, o chamado “show de realidade” se aproxima cada vez mais da ficção, das novelas. “Temos vilões e mocinhos, romances desfeitos e refeitos, triângulos amorosos, histórias de superação, desistência, rivalidades e vitória. Tudo, claro, combinado com boas doses de edição dirigida e trilha sonora sugestiva – quem não se lembra do som de chocalho de cobra que tocava a cada aparição de Alberto “Cowboy” (BBB7), um dos mais célebres ‘vilões’ de todas as edições?”

Uma das lentes de aumento criadas pela produção do programa nesta edição foi a Lavanderia das segundas-feiras. A ideia era mesmo abrir caminho para uma noite inteira de discussões. “Não se afobem, vocês terão muito tempo para continuar falando sobre isso”, provocava Pedro Bial, a cada semana. No início, como para ensinar a eles o que deveriam fazer, camisetas penduradas no varal traziam perguntas prontas, e o escolhido só deveria apontar quem daria a resposta. Porém, quando a casa se dividiu entre os aliados de Cássio e os de Marcelo, após o inesquecível barraco, o Big Boss entendeu que bastava escrever “Pergunte” ou “Responda” e eles fariam o resto do trabalho. Estavam tão bem treinados que poucos se esquivavam do debate e não se intimidavam em bater boca ao vivo. Ponto para Boninho – e para a marca de sabão em pó patrocinadora. “É natural que a emissora opte por caminhos que ela acredita ser mais rentáveis midiática e financeiramente. E é cada vez mais provável que ela se utilize de recursos de manipulação para garantir a contínua visibilidade de uma atração tão rentável”, observa Amanda. Sua suspeita está certa: o BBB14 arrecadou mais de 160 milhões de reais só em patrocínios, um recorde que compensa a queda da audiência.

Há, ainda, as formas consagradas de fazer os brothers perderem a cabeça. A começar pela oferta de bebida desenfreada nas festas – são nessas ocasiões que quase todos os casais são formados, e partem para debaixo do edredom. Foi numa situação dessas que Monique (BBB12), aparentemente sem reação, foi levada para a cama por Daniel, expulso depois acusado de estupro. Dois anos mais tarde, Angela cometeu o mesmo erro, bebendo como se não houvesse amanhã. Mas houve, e trouxe com ele uma vergonhosa amnésia alcoólica. A maior briga entre Aline e (sempre ele) Marcelo também aconteceu numa noite de bebedeira. Coisa simples: em meio a um certo marasmo, Boninho decidiu liberar um cooler na despensa. Tudo devidamente documentado pelo Twitter. “Você está vendo o que a bebida faz?”, perguntou um de seus seguidores. “Sou míope”, limitou-se a responder, despreocupado. “Deixa ferver”, divertia-se o rei das decisões calculadas. Até as mães dos confinados ele levou para a casa, para mexer com o emocional de quem optou por se separar de todos que ama – como se isso já não fosse o bastante. “Assim, o espectador fica com a sensação de que algo acontece, quando de fato nada acontece, e com a impressão de ver algo importante quando confrontado com a mais suprema desimportância”, resume Amanda.

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